"Em um dia, retrocedemos 31 anos. De repente, estávamos
novamente na posse de José Sarney, mas sem Ulisses Guimarães para
freá-lo. Livre para ser o que é, Michel Temer cercou-se rapidamente do
que há de pior na política brasileira. A turma do boi, a turma da
Bíblia, a turma da bala. Na cena da posse, que parecia um quadro
falsificado de Rembrandt, a modernidade ficou de fora. Em vez de jovens,
negros, mulheres e grupos homossexuais, ouviu-se o apelo positivista
por Ordem e Progresso", diz o escritor e jornalista Ivan Martins; "Se
desse arranjo insustentável resultar uma administração estável, o Brasil
terá se convertido em caso único – um país que no século 21 concordou
pacificamente em ser arrastado de volta ao século 19, quando as massas
não tinham voto, voz ou direitos, e viviam vidas miseráveis em prol dos
20% no topo da pirâmide. Felizes, queridos?"
14 de Maio de 2016
Felizes com Temer, queridos?
As pessoas que foram às ruas depor Dilma ganharam um governo com cara de 1985, espírito de 1964 e ideário do século 19
Em um dia, retrocedemos 31 anos. De repente, estávamos novamente na
posse de José Sarney, mas sem Ulisses Guimarães para freá-lo. Livre para
ser o que é, Michel Temer cercou-se rapidamente do que há de pior na
política brasileira. A turma do boi, a turma da Bíblia, a turma da bala.
Na cena da posse, que parecia um quadro falsificado de Rembrandt, a
modernidade ficou de fora. Em vez de jovens, negros, mulheres e grupos
homossexuais, ouviu-se o apelo positivista por
Ordem e Progresso.
O discurso de Temer deve ter enchido de ânimo os corações que
depositaram na derrubada de Dilma a esperança de ter no Brasil um “bom
governo”. O interino prometeu reconciliar, privatizar, seguir com a Lava
Jato e melhorar os programas sociais. Falou em reformar a Previdência e
garantir direitos. Soou razoável, equânime, equilibrado. Teve palavras
deferentes até para a presidente Dilma, a quem traiu da forma mais
abjeta. Um ancião engasgado cavalgando mesóclises.
Com ministros Michel Temer faz seu primeiro discurso como presidente interino – Foto: Valter Campanato/ Agência Brasil
Apenas que as suas palavras não têm relação com a realidade do
governo. Se a Lava Jato seguir implacável, pode levar ao Supremo vários
ministros de Temer – alguns muito próximos a ele e muito citados em
Curitiba, como Romero Jucá e Geddel Vieira. A presença desses velhos
praticantes no primeiro escalão do temerato sugere que a retidão não
será prioridade de governo.
A promessa de cuidar de Saúde, Educação e Segurança como
“competências naturais” do Estado (o resto talvez possa ser privatizado)
nasce estragada pela figura dos novos ministros.
Alexandre de Moraes, da Justiça, dirigiu em São Paulo, com apoio de
Geraldo Alckmin, uma polícia que mata jovens negros da periferia de
forma sistemática e que reprime adolescentes com violência, mas não
consegue deter o avanço do crime organizado, talvez o problema mais
grave do Brasil. Em 2015, o jornal O Estado de S.Paulo revelou que
Moraes atuou como advogado de uma cooperativa de transporte investigada
como braço econômico do PCC. Sabe-se que em 2014 ele advogou por Eduardo
Cunha num processo de falsificação de documentos. Um homem complicado.
O novo ministro da Educação e Cultura, Mendonça Filho, não tem
formação ou experiência em nenhuma das duas áreas. Seu vínculo mais
conhecido com a educação foi criado pela tentativa de seu partido, o
DEM, de derrubar a política de cotas no Supremo Tribunal Federal. O novo
ministro diz agora que é a favor das “cotas sociais”. Ainda parece
inconformado com as cotas raciais, que nos últimos três anos levaram 150
mil jovens negros à universidade, pela primeira vez na história do
Brasil.
Ricardo Barros, que ficou com a Saúde, é um engenheiro que se
notabilizou na política por duas façanhas. Quando secretário de governo
no Paraná, foi pego num telefonema esquisito em que parecia orientar um
subordinado a ajeitar uma licitação. Afastou-se da função. Como deputado
federal, propôs um corte de R$ 10 bilhões no Bolsa Família, para
ajustar o orçamento da União. Enorme sensibilidade social. Sua primeira
entrevista no cargo foi para dizer que vai rever o Mais Médicos,
programa criado por Dilma que pôs 18 mil profissionais de saúde nos
vilarejos do Brasil profundo e na periferia das grandes cidades. Para
que, né?
Parece óbvio que Temer vai governar com e para os deputados
reacionários que o “elegeram” na votação do impeachment. Isso significa o
governo mais conservador, mais à direita e mais antipopular instalado
no Brasil desde 1964. Mas não só.
Significa, também, que o Estado brasileiro estará sujeito a uma
guerra de interesses paroquiais constante e implacável, incompatível com
a condução do governo. Quem achava que Dilma havia leiloado sua
administração ainda não viu a quimera que Temer tem a oferecer como
governabilidade.
Sem votos, sem legitimidade, inteiramente refém da mídia, do mercado e
do baixo clero parlamentar, o interino governará como suplicante,
entregando e recebendo favores todos os dias do seu indesejado
interregno.
Se desse arranjo insustentável resultar uma administração estável, o
Brasil terá se convertido em caso único – um país que no século 21
concordou pacificamente em ser arrastado de volta ao século 19, quando
as massas não tinham voto, voz ou direitos, e viviam vidas miseráveis em
prol dos 20% no topo da pirâmide. Felizes, queridos?
LEIA MAIS NA FONTE _ http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/232236/Ivan-Martins-com-Temer-Brasil-retrocedeu-31-anos-em-um-dia.htm
O Brasil desconhece o Brasil, uma certa Buenos Aires tampouco sabe o que se passa na periferia da capital argentina, aqui tiro uma buena onda com o amigo Washington Cucurto, meu escritor portenho contemporâneo predileto, mais para a cumbia do que para o tango, mais para a linguagem da rua e de los perros callejeros, digo, os vira-latas, do que para os cães de madame.
O cara, em termos de linguagem, está mais para as doideiras do Maradona e do Carlito Tévez do que para as estatísticas vitoriosas do Messi.
Um portenho de uma Buenos Aires periférica, longe da velha ideia
europeia que compramos como fetiche borgiano e metalinguístico de los hermanos.
Encontrei com o Cucurto, ainda nesse longo dia que narraremos adiante, vestido em uma camiseta vintage
do Sport Club do Recife, no café da manhã —no seu país ele é torcedor
do Independiente— e logo o comuniquei que o seu novo time em Pernambuco
perdera na noite anterior para o Santa Cruz. Uma moça bonita,
conhecedora da sua obra, me confessou: “Culpa minha, sou rubro-negra
mais que tudo nessa vida”.
Cucurto, autor do genial Cosa de negros , entre outros
livros, esteve aqui com a gente para participar do Clisertão, um
congresso literário que acontece anualmente em Petrolina. Fez uma mesa
de bate-papo genial com o escritor Marcelino Freire, mediada pela
professora de literatura Paula Santana, sobre o lugar da fala, o batismo
das coisas e travessias culturais.
É golpe ou não é?
No que agora indagamos, todo mundo junto, com o auxílio genial de
outro nordestino que se achega, falo do paraibano Bráulio Tavares
(Campina Grande), um cara que consegue nos contar de tudo nesta noite.
Das suas traduções do romance noir de Raymond Chandler —meu
autor predileto— aos enredos dos cordéis clássicos e às parcerias com
Lenine, nosso amigo comum de comunismos d'antanho.
Pelos meus 30 e tantos anos de jornalismo e de traumas históricos, chamo declaradamente de golpe
Agorinha mesmo na beira do São Francisco, o grande rio da unidade
nacional brasileira, tomando uma cerva depois de atravessar de Petrolina
a Juazeiro, a grande dúvida é uma só: como nomear o que está
acontecendo no país. Pelos meus 30 e tantos anos de jornalismo e de
traumas históricos, chamo declaradamente de golpe. Que me desculpem,
quem sabe não passo de um paranoico benjaminiano.
Não consigo encontrar os atenuantes semânticos, tampouco eufemismos
que justifiquem alguma ideia de processo democrático. A maioria dos
amigos me acompanham neste batismo de fogo; outros, educadamente, mesmo
trabalhando em fábricas de salsicha, dizem que não é bem assim etc.
Creio, e nisso não vejo nenhuma lenda do Curupira, que a ordem
democrática foi quebrada pelo tripé tendencioso constituído, sem se
ligar na Constituição, por:
1) Avexamentos de juízes de primeiras instâncias e pela demora exagerada dos ministros das instâncias derradeiras, vulgo STF...
Jamais esquecerei o dia em que um repórter entrou de Curitiba, meio
sem saber o que tinha de fato nas mãos, para ler o relatório de um grampo fornecido pelo juiz Moro
sobre uma conversa de Lula/Dilma. O grampo ao vivo. O grampo sessão da
tarde. O primeiro grampo ao vivo da história da TV brasileira. No justo
momento em que havia um certo esmorecimento da direitona... Falo do
ritmo do noticiário bipolar que temos vivido.
2) Repare no relato de uma mídia que deixou tudo límpido nos seus
editoriais clamorosos e repletos de mesóclises... E, óbvio ululante,
pelo Cunhadelinquente-mor da Câmara, o grifo é do procurador-geral da República, que comandou todo circo de horrores.
As mesóclises, como todo beletrismo —marca das cartas e poemas do
próprio Temer— denunciam, amigo Lacan, a repetição da linguagem
golpista. Dar-te-ei... Os editoriais e o vice que versa falavam a mesma
língua e tramavam a mesma redundante trama. Só a linguagem denuncia e
escancara os sentidos. Lacan vale por mil Janôs ou esperas dos Godôs do
STF que deixaram o impeachment chegar antes de qualquer crime de
responsabilidade da presidenta. Isso é um escândalo? Nada. É apenas o
óbvio ignorado.
3) A mídia dos grandes veículos brasileiros chegou tão longe na sua
narrativa de tirar Dilma, mulher, do seu posto, que não pode mais voltar
atrás. Todo mundo avançou muitas casas, negociatas foram feitas, os
patinhos quem-quéns da Fiesp, nada bossa nova, se instalaram de
vez na paisagem, o golpe foi dado como consumado. O Brasil mantém seu
histórico de rupturas democráticas a todo custo. Dias temerários virão.
Xico Sá,
escritor e jornalista, é autor de “Os Machões dançaram –crônicas de
amor & sexo em tempos de homens vacilões” (editora Record), entre
outros livros. Na tv, é comentarista do “Papo de Segunda” (canal GNT).
Tratar mulheres como na época sombria do nazismo???
Infelizmente como cidadão belga, sei que na Segunda guerra, Tudo isso aconteceu
E não quero que aconteça com mulheres de ideologia diferente, como deseja Bolsonaro
"O deputado Jair Bolsonaro recentemente declarou em uma entrevista que as mulheres que se consideram feministas mereciam O Calvário das Viúvas. !!!!!!
Como pouco se sabe sobre a Épuration Légale, a afirmação dele foi esquecida.
O Calvário das Viúvas foi "a limpeza" das mulheres do território pós guerra.
Quando os soldados nazistas invadiam as cidades europeias, estupravam mulheres e as mantinham sob ameaças. Mulheres viúvas ou que os maridos tinham partido para a guerra, eram submetidas a todo o tipo de "trabalho" e abusos para os soldados alemães. Após a liberação dos territórios ocupados pelos alemães dos países europeus, milhares de mulheres que tinham esse tipo de relacionamento (trabalho e abusos sexuais) com os soldados alemães eram retiradas de suas casas para serem expostas em praças públicas pelas mãos dos homens da família tradicional da cidade.
Era como a caça bruxa das impuras, se houvesse um indício qualquer, a mulher tinha sua cabeça raspada e era exposta em público como desgraça da nação. Muitas vezes só raspar a cabeça não bastava, eram despidas, abusadas, desenhavam a suástica nos seus rostos, ou queimavam a marca com ferro em brasa na testa.
Elas ficavam conhecidas como "nacionalmente indignas" e além da humilhação pública, sofriam penas de seis meses a um ano de prisão, seguida da perda total de direitos civis por mais um ano, quando ainda eram violentadas e insultadas nas ruas. Muitas não suportaram a vergonha daquela situação e sucumbiram cometendo suicídio. Há um registro não oficial na França de que mais de 300.000 suicidaram na época.
Seus filhos foram usados indiscriminadamente para testar medicamentos não aprovados. Somente em 2005, o parlamento norueguês publicou um pedido formal de desculpas a essas vítimas inocentes e aprovou a compensação para as experiências no valor de 3 milhões de euros.
É isso que um homem que defende a moral e os bons costumes da família tradicional brasileira quer que aconteça com mulheres que decidem ter uma ideologia. É isso que defende um homem que prega a justiça com as próprias mãos, como faziam com o Calvário das Viúvas - uma população despejando ódio nos seres humanos, como sempre, mais vulneráveis: As mulheres. Jair Bolsonaro não é novo, ele é só uma reprodução dos mesmos homens de antes, do que sempre aconteceu. Uma repetição de um passado que lutamos tanto progredir, que nos indignamos quando abrimos um livro de história.
Será que ainda somos os mesmos inquisidores do Calvário das Viúvas? Será que ainda não evoluímos ao ponto de proporcionar direitos humanos outros? Ao ver que ele é eleito deputado com o maior número de votos do estado do Rio de Janeiro, acredito que não mudamos, só disfarçamos nossa inquisição interna com a hipocrisia de "cidadãos que querem a democracia"
Autor Anônimo do texto acima
PS_ Há controvérsias sobre a citação do Deputado no site do E-Farsas.
Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como
Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de
treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do
Adhemar", "A guerra do apagão", "O domador de sonhos" e "Dragonfly"
(lançamento setembro 2016).
Entre o golpe de 1930 – que os historiadores houveram por bem chamar
de "revolução" – e o de 1937, o Brasil viveu um breve, porém agitado,
período democrático, mesmo com Getúlio Vargas no poder.
Em 1934 entrou em vigor uma nova constituição, formulada por uma
Assembleia Constituinte, que legalizou a situação de Vargas,
transfomando-o em presidente da República, por eleição indireta dos
constituintes, com mandato de quatro anos, improrrogáveis e marcou
eleições presidenciais para janeiro de 1938.
Em mais um gesto voltado, na aparência, para agradar aos paulistas,
que ele tinha esmagado em 1930 e em 1932, Getúlio colocou no governo
dois ministros de São Paulo: Macedo Soares e Vicente Rao.
A Assembleia Constituinte também elegeu o novo governador de São
Paulo, Armando de Salles Oliveira, engenheiro formado pela Escola
Politécnica, que tinha sido interventor de Getúlio a partir de 1933.
Salles assumiu o cargo de governador, agora também legalizado, a 11 de
abril de 1935 e o deixou a 29 de dezembro de 1936 para se lançar
candidato a presidente da República.
Desde o início ficou claro que ele entrara para ganhar. Apoiado pelas
forças econômicas paulistas, naturalmene conservadoras, que tinham sido
fustigadas por Vargas em 1930, sua campanha, lançada em janeiro de 1937
num banquete-monstro, como era comum na época, tendo por convidados de
honra os ministros Macedo Soares e Vicente Rao tinha por objetivo
recolocar São Paulo na liderança política do país.
Alto e magro, cabelos penteados para trás, ele discursava de forma
empolada, como se cantasse, e seus gestos que lembravam os de um maestro
regendo a orquestra, mas seus pronunciamentos empolgavam pelo conteúdo,
sempre polêmico e pela forma grandiloquente.
"A nossa campanha está aberta" proclamou Salles no banquete
inaugural, realizado no Theatro Municipal. "E as suas perspectivas são
tais que os próprios cegos as veem. A bandeira que erguemos não é
pequena. É uma só e está sustentada por brasileiros de todos os pontos
do país. O seu tamanho é, por conseguinte, o tamanho do próprio país".
Além dos empresários paulistas, Salles tinha apoio de governadores do
Nordeste e – mais importante que tudo – do poderoso governador do Rio
Grande do Sul, general Flores da Cunha. Ex-aliado de Getúlio em 1930,
além de ser o governador ele comandava uma tropa estadual portentosa.
Um dos pontos altos da campanha foi a visita de Salles a Porto
Alegre. Desembarcando no porto do rio Guaíba, ele foi recebido por uma
multidão entusiasmada que lotou completamente o cais. O automóvel em que
se deslocava mal conseguia avançar, tal era a aglomeração à sua volta.
Faixas com dizeres otimistas tais como "certos da vitória" foram
penduradas em todo o percurso.
Dois outros políticos estavam na disputa. O ex-ministro da Viação
Civil de Getúlio, o escritor José Américo de Almeida era o candidato
oficial do governo, mas sua campanha não tinha nem o mesmo vigor nem os
mesmos investimentos da de Salles e nenhum entusiasmo de Vargas. O
máximo que disse a respeito foi: "José Américo é um bom candidato porque
divide".
O terceiro postulante era o chefe da Ação Integralista, Plinio
Salgado. Seu movimento, de inspiração nazi-fascista tinha representantes
no governo Vargas, o que leva a crer que, embora não fosse candidato
oficial, contava com certo apoio governamental.
Fazia sua campanha nas principais avenidas do Rio de Janeiro, onde
marchavam homens vestidos de preto, com bandeiras nazistas e saudações à
la "heil Hitler", como também grupos de mulheres e de estudantes de
todas as idades, inclusive crianças.
Estava claro que o candidato a combater era Salles. O lance mais
ousado – e no qual Vargas vislumbrou o grande perigo que ele
representava – deu-se em meados de 1937. No dia em que a constituição
completou três anos, Salles promoveu, na capital federal, um imenso
comício noturno, no estádio do América F.C., ao qual compareceram 50 mil
cariocas.
Sob o manto da U.D.B. (União Democrática Brasileira), uma congregação
de partidos estaduais que pretendia se tornar nacional, ele expôs,
nessa noite os cinco pontos defendidos por sua candidatura: 1) luta pela
democracia; 2) voto secreto; 3) pluralidade partidária; 4) defesa das
liberdades políticas e 5) eleições em janeiro de 1938.
Vargas, como de hábito, ficou na moita durante toda a campanha, dando
a impressão de que deixava a coisa rolar, sem interferir no andamento,
sem declarações, passando à opinião pública a impressão de que
abandonara o autoritarismo e aceitaria de bom grado a decisão que os
brasileiros tomassem pelo voto direto e secreto, em janeiro de 1938,
mesmo se perdesse, o que parecia inevitável
Tudo indicava que Armando Salles de Oliveira seria o próximo
presidente eleito do Brasil quando, no dia 1º. de outubro de 1937, os
jornais assustaram os cariocas com manchetes retumbantes.
O Estado Maior do Exército, chefiado pelo germanófilo Goes Monteiro
havia descoberto um documento sigiloso com as digitais do Komintern logo
chamado pela imprensa de "tenebroso".
Mesmo sem questionar como foi descoberto, onde, como, quando e porque
os jornais o consideraram verdadeiro, pois a fonte, segundo os
editores, era quentíssima. Tratava-se de um plano em que Moscou
orientava os comunistas brasileiros a derrubarem o governo Vargas,
insuflando a classe operária a promover saques e depredações na capital
federal.
Nos dias seguintes, as manchetes, sempre ameaçadoras, informavam que
os ministros militares, em nome da "salvação da Pátria" solicitavam que o
presidente da República clamasse ao Congresso para ser decretado, de
forma urgente, mas legal, o "estado de guerra", a fim de evitar que a
tragédia se abatesse sobre o Brasil.
Não se falava de outra coisa nas ruas do Rio. Na Confeitaria Colombo,
nos botecos populares e nas praças públicas os cariocas, assustados com
a promessa comunista de saques e depredações já não viam a hora de o
"estado de guerra" ser oficializado, mesmo sem saber direito do que se
tratava, para salvá-los dos "comedores de criancinhas" e agora
candidatos a vândalos que poderiam, inclusive, depredar suas casas.
O clamor "das ruas" ecoava no Congresso. Não havia tempo a perder.
"Estado de guerra"! era a palavra de ordem na boca dos parlamentares,
que não podiam decepcionar seus eleitores, expostos a um perigo
iminente.
Somente um deputado teve a ousadia de contestar a onda avassaladora.
"A Câmara sabe o que esta medida significa"? perguntou Octavio
Mangabeira, num discurso que ninguém quis ouvir. "O que esta medida
representa? Está a Câmara devidamente informada dos fatos que a
justificam? Que satisfação dará ao país votando imediatamente como se
pretende medida de tal gravidade sem ao menos ter salvo as aparências
nem ao menos ter dado a impressão de que examinou devidamente as peças
ou os documentos que lhe foram apresentados, sem mesmo sequer os ter
lido"?
Seu discurso não foi suficiente, é claro, para conter a avalanche. O
estado de guerra foi aprovado a toque de caixa – sem resistência. Não se
tem notícia de comemorações efusivas, provavelmente não, porque a TV
Globo não existia.
Decretado o "estado de guerra"", o passo seguinte foi o ministro, da
Guerra, é claro, Eurico Gaspar Dutra determinar o imediato envio de
tropas ao Rio Grande do Sul. Para proteger nossas fronteiras,
suspeitando que Moscou invadisse o Brasil a partir do Uruguai? Não, para
dar um xeque-mate no general Flores da Cunha, "federalizando" suas
poderosas tropas estaduais, que passaram a obedecer ao comando do
Ministro da Guerra.
Flores da Cunha não teve outra coisa a fazer senão renunciar ao cargo
de governador e partir para o exílio, abandonando o país e a campanha
de Armando de Salles de Oliveira de quem era o mais poderoso aliado (o
único que dispunha de tropas).
O valente paulista não deu o braço a torcer, avaliou que ainda
haveria eleições, mesmo com "estado de guerra" e seria consagrado nas
urnas.
Mal sabia ele que um golpe maior do que aquele, contra a sua
candidatura, estava em marcha e seria consumado a 10 de novembro de
1937, quando Vargas, apoiado no "estado de guerra" decretado legalmente e
que se fundamentava, por sua vez, no "plano tenebroso" que ficou
conhecido com o "Plano Cohen" fechou o Congresso, extinguiu os partidos,
cancelou as eleições e rasgou a constituição de 1934, substituindo-a
por outra, redigida por um obscuro advogado que, de secretário da
Educação do Distrito Federal foi promovido a Ministro da Justiça do novo
governo, agora denominado "Estado Novo". E que não foi submetida aos
deputados e senadores, pois não havia mais nem Senado, nem Câmara dos
Deputados.
Somente o ministro da Agricultura, Odilon Braga, não assinou a infame
e autoritária constituição de Francisco Campos e somente o embaixador
nos Estados Unidos, Oswaldo Aranha a criticou, ainda assim não
publicamente, mas em carta ao seu irmão:
"Essa constituição foi concebida por um anormal".
No dia seguinte, o ministro da Guerra, naturalmente por ordem de
Vargas expediu um comunicado aos militares, reproduzido em manchete por
"O Globo":
"Qualquer perturbação da ordem será uma brecha para os inimigos da
Pátria, para os adversários do regimen democratico que nos consagra".
Num toque de mágica, um golpe autoritário foi classificado de evento
de um "regimen democratico", por decisão de Vargas, do ministro da
Guerra e da imprensa.
Mas não acaba aí essa história que teve consequências funestas para
os brasileiros, com centenas de prisões, torturas, queima de livros e de
bandeiras, proibição de obras primas como "O grande ditador", de
Charles Chaplin, dentre outros crimes.
Em 1945, quando o "regimen democratico" de Vargas agonizava,
pressionado externa e internamente depois de o Brasil ter participado,
ao lado de outros países democráticos da campanha vitoriosa da Segunda
Guerra Mundial, que derrotou os regimes autoritários da Alemanha e da
Itália, o general Goes Monteiro revelou, espontaneamente. que o "Plano
Cohen" não fora escrito pelo Komintern, nem representou qualquer ameaça
dos comunistas aos cariocas, nem ao Brasil.
Não passou de um papelucho redigido por um agente secreto dos quadros
da Ação Integralista – o capitão Olympio Mourão Filho, que, em 1964,
detonaria o golpe militar – sob encomenda de Plinio Salgado, que o
ofereceu de bandeja a Getúlio Vargas, que prometera transformá-lo em
Ministro da Educação do Estado Novo.
Recomendo aos homens e mulheres de bem do Senado, onde hoje começa a
discussão da versão 2016 do Plano Cohen, desta vez batizado de
"impeachment", que leiam essa história para, inspirados nela, não
permitirem que mais uma fraude, de consequências imprevisíveis, mas
sempre dolorosas, seja usada com o objetivo de derrubar um presidente da
República e macular, de novo, a democracia brasileira.
LEIA AQUI:
Organização das Nações Unidas (ONU) para a América Latina, condenou a tentativa de golpe no Brasil
ONU: golpe coloca em risco a democracia na AL
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal),
braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a América Latina,
condenou a tentativa de golpe no Brasil; em um comunicado, a Cepal diz
que o Brasil precisa respeitar o resultado das urnas, sob o risco de
desestabilizar a democracia em todo o continente; "A soberania popular,
fonte única da legitimidade numa democracia, foi entregue a Lula e em
seguida à senhora presidente Rousseff, através de um mandato
constitucional", disse; "Os eventos pelos quais passa o Brasil nos dias
de hoje ressoam com força além de suas fronteiras e ilustram para o
conjunto da América Latina os riscos e as dificuldades que a nossa
democracia ainda está exposta", ressalta o texto
247 - A Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (Cepal), braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para o
continente latino-americano, condenou duramente a tentativa de golpe em
curso no Brasil. Por meio de nota, a Cepal diz prestar total apoio a
presidente Dilma Rousseff e conclama a sociedade brasileira a respeitar o
resultado das urnas, sob o risco de desestabilizar a democracia em todo
o continente. "A soberania popular, fonte única da legitimidade numa
democracia, foi entregue a Lula e em seguida à senhora, presidente
Rousseff, através de um mandato constitucional, que se traduziu em
governos comprometidos com a justiça e a igualdade", diz um trecho da
nota. "Os eventos pelos quais passam o Brasil nos dias de hoje ressoam
com força além de suas fronteiras e ilustram para o conjunto da América
Latina, os riscos e as dificuldades que a nossa democracia ainda está
exposta ", finaliza o texto.
"Conhecemos o esforço dos tribunais em perseguir e castigar a cultura
de corrupção, que tem sido historicamente a parte mais opaca do vínculo
entre interesses privados e as instituições do Estado. E a temos
[Dilma] visto apoiando permanentemente essa missão, com a valentia e a
honradez que é a marca de sua biografia, apoiando a criação de nova
legislação mais severa e instituições repressivas mais fortes. É por
isso que nos choca ver, hoje, antes de sentenças ou provas, servindo-se
de vazamentos e de uma ofensiva midiática linchatória, que se tente
demolir a sua imagem e o seu legado, ao mesmo tempo em que se
multiplicam os esforços para reduzir a autoridade presidencial e
interromper o mandato que os cidadãos lhes deram nas urnas", diz o
texto.
A presidente Dilma Rousseff, que discursou nesta sexta-feira (22) na
sede da ONU durante evento sobre o clima fez uma ligeira referência ao
processo de impeachment durante sua fala. mais tarde, em entrevista a
jornalistas internacionais, ela disse estar sendo vítima de um golpe.
Veja aqui ou abaixo a íntegra da nota da Cepal/ONU
CEPAL manifiesta su preocupación ante amenazas a la democracia brasileña
La Secretaria Ejecutiva del organismo envió un mensaje público a la Presidenta Dilma Rousseff.
22 March 2016
CEPAL - BRASILIA
La Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL) emitió
un mensaje dirigido a la Presidenta Dilma Rousseff, respaldando la plena
vigencia del Estado Democrático de Derecho y el ejercicio de las
potestades del Poder Ejecutivo brasileño.
En una declaración pública, la Secretaria Ejecutiva del organismo de
las Naciones Unidas, Alicia Bárcena, manifestó su preocupación por las
amenazas a la estabilidad democrática y reconoció los avances sociales y
políticos que ha experimentado Brasil en la última década.
A continuación el texto íntegro de la declaración de la alta funcionaria internacional:
Mensaje de Alicia Bárcena, Secretaria Ejecutiva de la CEPAL, a la presidenta Dilma Rousseff:
"Con honda preocupación hemos asistido al desarrollo de los
acontecimientos políticos y judiciales que han convulsionado a Brasil en
el curso de las últimas semanas. Nos alarma ver la estabilidad
democrática de su patria amenazada.
La soberanía popular, fuente única de legitimidad en democracia, le
entregó antes a Lula y luego a usted, Presidenta Rousseff, un mandato
constitucional que se tradujo en gobiernos comprometidos con la justicia
y la igualdad. Nunca, en la historia de Brasil, tantas y tantos de sus
compatriotas habían logrado sortear el hambre, la pobreza y la
desigualdad. Significativa es también para nosotros la huella
determinante con la que sus gestiones reforzaron la nueva arquitectura
de la integración de nuestra región, de la UNASUR a la CELAC.
Conocemos del esfuerzo de los tribunales por perseguir y castigar la
cultura de prácticas corruptas que han sido históricamente la parte más
opaca del vínculo entre los intereses privados y las instituciones del
Estado. La hemos visto apoyando permanentemente esa tarea, con la
valentía y honradez que es el sello de su biografía, apoyando la
creación de nueva legislación más exigente y de instituciones
persecutoras más fuertes.
Es por ello que nos violenta que hoy, sin mediar juicio ni pruebas,
sirviéndose de filtraciones y una ofensiva mediática que ya ha dictado
condena, se intente demoler su imagen y su legado, al tiempo que se
multiplican los empeños por menoscabar la autoridad presidencial e
interrumpir el mandato que entregaron en las urnas los ciudadanos.
Los acontecimientos por los que atraviesa Brasil en estas jornadas
resuenan con fuerza más allá de sus fronteras e ilustran para el
conjunto de América Latina los riesgos y dificultades a los que aún está
expuesta nuestra democracia."
22 de Abril de 2016