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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Caça ao Lula, golpe e criminalização do PT- DAVIS SENA

Davis Sena Filho
DAVIS SENA FILHO
A luta pelo poder se dá no campo do sistema midiático privado, que pauta a vida política brasileira. A direita não vence pelo voto. Vence por meio do golpe. Historicamente é assim
Somente acontece no Brasil. Pessoas sem um único voto, a exemplo de colunistas, comentaristas, articulistas e ilusionistas de uma imprensa reacionária e alienígena, a mando de seus patrões, pautarem o sistema político brasileiro e a ordem democrática estabelecida pela Constituição e pelos resultados das urnas. Apenas no Brasil, uma dezena de coronéis midiáticos tem tanta influência no que diz respeito a controlar e a coordenar o processo jurídico e partidário brasileiro, além de, inacreditavelmente, terem como aliados também pautados por essa imprensa corporativa e de negócios essencialmente privados a PGR e o STF.
Submetidos aos ditames da imprensa burguesa, como no caso do “mensalão”, que apesar do julgamento do STF ainda está por ser comprovado, essas corporações estatais corresponderam aos seus anseios e, por sua vez, edificaram uma frente política não oficializada; porém, poderosamente atuante nos bastidores do único poder da República — o Judiciário — cujas lideranças com cargos de mando e de chefia não são eleitas, e, portanto, divorciadas da vontade e dos interesses do povo brasileiro, que lhe impinge derrotas em sucessivas eleições, porque há 12 anos optou por votar em candidatos trabalhistas, a exemplo do ex-presidente Lula e da presidenta Dilma Rousseff, sendo que no passado os ancestrais desse mesmo povo votava em políticos trabalhistas como Getúlio Vargas e João Goulart — o Jango, que foram apeados do poder conquistado nas urnas por meio de golpes de estado de direita.
Eis que a Polícia Federal no período do mandato de Lula realizou, doesse a quem pudesse doer, 1.119 operações, praticamente sem ser questionada em sua autonomia para investigar, reprimir e prender aqueles que se envolveram com malfeitos. Além disso, até o início de 2003 quando Lula assumiu a Presidência, a Polícia Federal tinha em seus quadros cinco mil servidores. Em janeiro de 2011, fim de seu mandato, o presidente trabalhista aumentou os quadros da PF para 11 mil servidores públicos. No decorrer do Governo Lula, 3.200 pessoas foram presas ou afastadas a bem do serviço público.
Em contrapartida, durante o governo do neoliberal FHC, o número relativo ao pessoal da PF estava estagnado, porque o governante tucano “congelou” os concursos públicos em âmbito federal, bem como o Ministério da Justiça e a Polícia Federal efetuaram, em oito anos, apenas 28 operações, além de prenderem o número ínfimo de 54 pessoas. Resumo da ópera: o governo FHC administrou uma PF que não atuava de forma republicana, porque naquele período a corporação policial se transformou em uma polícia de governo quando, sem sombra de dúvida, deveria ser uma polícia de estado, independente e a serviço do cidadão e contribuinte brasileiro. Realmente, um grande erro. Esperar o quê de um governo tucano e de princípios e valores neoliberais. Realidade e conduta essas que não aconteceram com a PF do Governo Lula e nem com a de Dilma.
Como podem acontecer em um período de alienação do patrimônio público poucas prisões e quase nenhum afastamento de autoridades e servidores, afinal foram vendidas estatais de grande porte e estratégicas para o País? Respondo: pode. Porque, apesar de a imprensa de negócios privados ter publicado ou veiculado notícias sobre os escândalos das privatizações na época, essa mesma mídia conservadora e porta-voz da direita brasileira e estrangeira sempre apoiou o governo tucano e seu programa de governo, bem como apregoou, por meio de uma publicidade abrangente e sistemática, o que foi estabelecido pelos economistas de instituições financeiras, que se convencionou chamar, a partir de 1989, de Consenso de Washington.
A partir desse ano foi apresentada ao planeta a nova face do colonialismo e do imperialismo, na forma de globalização, por intermédio de diversas ferramentas tecnológicas e informatizadas. O “consenso” dos financistas e monetaristas resultou no pensamento único midiático e acadêmico, sem espaço para caber contestações. Quem não concordava com a pirataria, era logo chamado de dinossauro e sumariamente calado nos meios de comunicação corporativos e comercialmente hegemônicos, que efetivam e impõem até os dias de hoje a censura e o linchamento moral daqueles que porventura não se deixam ser pautados, não são cooptados pelo sistema de capitais ou que simplesmente querem, por exemplo, um Brasil autônomo, livre, soberano, democrático e que viabilize o que setores da classe média e as elites ricas herdeiras ideológicas da escravidão não querem e ferrenhamente combatem com o ardor do ódio: a emancipação social e econômica do povo brasileiro. Vide artigo da lady Danuza Leão ou vídeo dogentleman Boris Casoy, que, inquestionavelmente, agem como porta-vozes e colocam para fora o que as classes dominantes pensam, sentem, querem e como se comportam em relação ao Brasil, aos trabalhadores e aos pobres.
Por seu turno, no decorrer de quase quinze anos, a economia mundial foi praticamente desregulamentada e aconteceu o que teria de acontecer: a crise imobiliária e financeira (bancos) de 2008, que derreteu o capitalismo de opulência e de consumo desenfreado dos europeus ocidentais, dos japoneses e dos EUA. Tal crise fez o mundo novamente reviver e experimentar — resguardadas as diferenças e a época na qual vivemos — o crash de 1929, sendo que a crise socioeconômica atual é mais grave do que a antiga, conforme consideram os economistas e os historiadores. Que o digam os povos de Espanha, Irlanda, Grécia, Portugal, Itália e até mesmo Inglaterra e França, que saíram às ruas, enfrentaram a polícia e contestaram seus governos e o empresariado banqueiro, que levaram a economia desses países à bancarrota.
E fazer o quê quando país da importância e da força econômica do Brasil salda suas dívidas com o FMI e o Clube de Paris. De onde amealhar ou sugar recursos para sustentar seus altos padrões de vida, orgulho dessas sociedades europeias e humilhação dos povos da América Latina, com a cumplicidade infame de suas “elites” e de outros continentes onde vivem na mesma situação outros povos oprimidos. É por isto e por causa disto que o rei Juan Carlos, de Espanha, reportou-se, de forma “humilde”, à presidenta trabalhista Dilma Rousseff e afirmou que a Espanha e outros países, como Portugal, precisam muito da ajuda do gigante sul-americano cuja economia é a sexta maior do mundo e que tem um mercado interno tão poderoso que permitiu que o Brasil não sentisse a crise internacional de maneira tão dura como ocorre, inclusive e até hoje, com os Estados Unidos, onde o índice de pobreza é o pior entre os países ricos, apesar de o país yankeeter uma das maiores rendas per capita do mundo.
 De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Suécia, por exemplo, tem menos adultos analfabetos funcionais e menos pobres que os EUA. As estatísticas indicam que 7,5% da população sueca entre 16 e 65 anos é analfabeta funcional, enquanto nos Estados Unidos este número supera os 20%. Por sua vez, 6,3% do povo sueco vivem abaixo da linha de pobreza, enquanto o governo estadunidense tem de cuidar ou ajudar a resolver os problemas de 13,6% de seus cidadãos que tem muita dificuldade para sobreviver. Atualmente, a população dos EUA é de quase 309 milhões de pessoas. Então a conclusão é que 31 milhões de cidadãos norte-americanos são pobres ou se encontram abaixo da linha de pobreza, o que se torna uma realidade trágica para um país que consome 20% do petróleo que é produzido no mundo.
É visível a pobreza nos EUA. Todavia, tal realidade se torna invisível e inexistente para o baronato da mídia brasileira, que se recusa a mostrar de forma transparente a crise do poderoso país da América do Norte, bem como se recusa a repercutir os avanços e as conquistas sociais do povo brasileiro nos últimos dez anos de governos trabalhistas. A mídia privada esconde o Brasil e se dedica a dar golpes políticos com o apoio de uma Procuradoria Geral e de um Supremo extremamentes reacionários e conservadores. O momento é de judicialização da política, porque a direita brasileira sabe que quando esteve no poder não fez nada para melhorar a vida dos cidadãos e com isso proteger a cidadania. O PSDB e seus apoiadores apenas governaram para os ricos. Por causa disso, rapidamente perceberam que, por intermédio do voto, vai ser muito difícil vencer eleições contra candidatos trabalhistas. Não tem como fugir dessa realidade, a não ser enfrentá-la, mesmo se for por meio de expedientes desonestos, ilegais, manipulados e distorcidos.
Os índices de aprovação de Lula e de Dilma são altíssimos e por isso e por causa disso se tornou imperativo apelar para o golpe aos moldes de Honduras e Paraguai. É dessa forma cínica e desprezível que a banda toca por esses pagos. Os barões da imprensa, os representantes mais atrasados e reacionários da classe empresarial, não se conformam que os inquilinos da Casa Grande fiquem fora do poder central no âmbito do Executivo. Estão há dez anos sem sentar à mesa do gabinete da Presidência da República, o que lhes causa urticária e um rancor à base de adrenalina e do fel da bílis.
Contudo, tal grupo empresarial é requisitado e bajulado por alguns seres mortais que usam capas de Batman e realizam seus julgamentos como se fossem as novelas da TV Globo, onde a falta de senso crítico mancomunada com a vaidade e o orgulho levaram homens a serem condenados sem provas de terem cometido malfeitos, o que não importa, porque é necessário para a direita brasileira criminalizar o PT, derrubar, se conseguir, o governo trabalhista de Dilma Rousseff, mas, sobretudo, calar o presidente mais popular da história do Brasil, se possível algemá-lo, porque o que importa é que ele fique impedido de falar, de fazer política e principalmente parar de eleger verdadeiros “postes”, a exemplo de Dilma e Haddad. É a direita do fracasso eleitoral retumbante, que, sem voto, aposta no golpe e com a cooperação de certos batmans da PGR e do STF.
Enquanto Lula tem seu nome mais uma vez ligado a um novo escândalo midiático cujos personagens são os irmãos Vieira, além de uma funcionária de terceiro escalão, lotada na Presidência da República em São Paulo, o fundador do PT e da CUT vai à Índia e é comparado a Mahatima Gandhi. Entretanto, a oligarquia midiática monopolista censura a consagração do ex-presidente no exterior e, por conseguinte, não dá destaque à homenagem tão importante e emblemática recebida por um político brasileiro, que, tal qual ao trabalhista Getúlio Vargas, mudou o Brasil para melhor.
Mesquinha e provinciana; colonizada e perversa; ordinária e dona de um incomensurável complexo de vira-lata, a mídia corporativa tupiniquim de ideologia francamente fascista não reconhece o Prêmio Indira Gandhi, o mais importante daquele histórico país, oferecido ao presidente operário por ele ter sido considerado uma pessoa que “contribuiu à paz, ao desarmamento e ao desenvolvimento”. Para o presidente indiano, Pranab Mukherjee, Lula merece a homenagem por “defender os mesmo princípios de Indira e de Gandhi, o que representa associá-lo à mais ilustre companhia possível”.
Lula é admirado no Brasil e no exterior. E muito. Porém, se algum desavisado ler as publicações brasileiras ou assistir à televisão vai pensar, sem quaisquer dúvidas, que Lula é irremediavelmente odiado. Contudo, parte da classe média — aquela mesma que até hoje deita e rola com o “Bolsa Empréstimo Consignado ou Facilitado”, bem como com o “Bolsa Casa Própria, Isenção do IPI e Estudo no Exterior” — e o conjunto da imprensa burguesa, além de muitos integrantes da classe economicamente dominante, o tratam de forma desrespeitosa, preconceituosa e não reconhecem o desenvolvimento social e econômico que aconteceu no Brasil e que impressionou os mandatários dos países desenvolvidos, do Brics, do G-20 e do G-8. Isto é fato. Ponto. Se recusam a reconhecer as conquistas de toda população deste País, porque são pessoas incondicionalmente presunçosas, que se acham especiais e diferentes e por isso consideram que precisam viver em um mundo VIP, para poucos beneficiados e privilegiados e que, indelevelmente, pensam que foram escolhidos a dedo, nada mais e nada menos, por Deus.
São autoritários e arrogantes; perversos e egoístas; e por isso não conseguem digerir a ascensão social de 40 milhões de brasileiros que hoje dividem os aeroportos, os cinemas, os shoppings e talvez até alguns restaurantes com esses provincianos de pensamento humanitário curto e maldade vasta. São os que se acham apadrinhados pela pele branca e, obviamente, pela reserva de mercado em que foram transformados o emprego público e as universidades federais e estaduais para os filhos das classes média e rica, lacerdistas, ressentidas, bem como contaminadas por valores venais, fúteis, levianos e de “grandeza” sem razão e despida do que é humano e civilizado, solidário e social.
 
STF: judicialização da politica, arrogância e tentiva de intervir no Legislativo.
 Os financistas alienígenas, no que diz respeito à preservação e proteção dos mercados internos nacionais, e os governantes traidores de seus povos e adeptos do neoliberalismo implantaram um modelo econômico draconiano de exploração e pirataria, pois estúpido e baseado nesses pontos: abertura comercial (isenção ou diminuição de taxas e tarifas para os produtos estrangeiros); desregulamentação (afrouxamento do rigor das leis trabalhistas e econômicas); investimento estrangeiro direto (eliminação de restrições); privatizações de estatais, além da diminuição dos investimentos públicos, o que, sobremaneira, é uma lástima para a população carente, a exemplo da brasileira, que necessita da presença do estado nacional, com o propósito de essa camada desprotegida da sociedade ter acesso aos programas de inclusão social, aos projetos que efetivam a busca pela igualdade regional e, consequentemente, através de um tempo programado, tornar-se independente e apta a competir no mercado de trabalho. Dessa forma, efetivamente, as pessoas beneficiadas passam a ter maior facilidade  para conquistar o emprego, além de ter acesso à saúde, à educação e à segurança alimentar. Cidadania. Ponto.
Todo esse processo de independência do povo é combatido pelo sistema midiático de caráter mercantilista. E é por isso que as conquistas sociais dos brasileiros não são mostradas por uma dezena de famílias que receberam licença do governo e, portanto, do povo brasileiro para, por exemplo, ganharem bilhões com suas transmissões televisivas. Agora a pergunta que não quer calar: o que essas questões tem a ver com o assunto sobre mais uma operação da PF ocorrida em São Paulo. É que por trás desses casos — muitos inverídicos e manipulados e outros verdadeiros e reais — está a luta pelo poder político que é renovado de quatro em quatro anos, por intermédio das eleições.

  A direita derrotada três vezes quer a volta do modelo neoliberal para a economia, além de ficar imensamente inconformada com as políticas sociais efetivadas pelos governos trabalhistas, Além disso, a direita midiática e partidária e também a judiciária quer impor seus valores e seus princípios no que concerne às políticas públicas de relações exteriores, que fez do Brasil um País que se relaciona diplomaticamente e comercialmente com vários blocos econômicos e políticos, eliminando dessa forma a subserviência aos países que tradicionalmente foram sempre os principais parceiros e credores do Brasil e que hoje enfrentam uma crise tão grave e profunda, que enfraquecidos ou menos poderosos, foram tratar de seus interesses internos e da insatisfação, muitas vezes violenta, de seus povos.
Incomoda demais as perversas, preconceituosas e violentas elites brasileiras herdeiras da escravidão ter de ver um operário metalúrgico se transformar em um pop starde grandeza internacional, como bem demonstram as dezenas e dezenas de homenagens recebidas por Lula no Brasil e no exterior e que são devidamente boicotadas e escondidas pela imprensa burguesa de caráter bárbaro. Dói na alma dos elitistas provincianos e de pensamentos colonizados ver o estadista Lula ser protagonista da criação do Brics, do G-20, da Unasul, do fortalecimento do Mercosul e do aterramento da Alca, que somente tinha o propósito de fazer com que os produtos dos EUA entrassem nos países da América do Sul livre de barreiras alfandegárias. São esses fatos que incomodam os barões da imprensa, os seus sabujos “especialistas” em coisa nenhuma, a não ser em distorcer e manipular as realidades e até mentir se for preciso.
 A imprensa não é séria e muito menos se preocupa com escândalos, roubalheiras ou qualquer coisa que aconteça. O sistema midiático que luta somente pela liberdade de empresa e não de imprensa quer apenas apagar o fogo com gasolina. Se a mídia que está aí se preocupasse com escândalos e com os interesses do Brasil, certamente que o livro “A Privataria Tucana”, a compra dos votos da reeleição do presidente tucano FHC — o Neoliberal —, o caso Banestado, o maior escândalo do Brasil, e o Mensalão do PSDB estariam nas manchetes sendo cobrados pelos colunistas ou comentaristas ou “especialistas” de prateleira da Globo News.
A luta pelo poder se dá no campo do sistema midiático privado, que pauta a vida política brasileira. A direita não vence pelo voto. Vence por meio do golpe. Historicamente é assim. O caminho que esses caras de direita encontraram é o da judicialização e da criminalização da política e do partido que está no poder — o Partido dos Trabalhadores. O resto é conversa para boi dormir. Urge calar o operário. Se possível desmoralizá-lo, sangrá-lo e prendê-lo. A direita matou Getúlio e Jango. Os trogloditas humilharam vergonhosamente o presidente Juscelino Kubitschek. Ponto. O que interessa na verdade aos reacionários é a caça ao Lula. Ele tem voto. É isso aí.


http://www.brasil247.com/pt/247/poder/86599/Ca%C3%A7a-ao-Lula-golpe-e-criminaliza%C3%A7%C3%A3o-do-PT.htm

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Os verdadeiros responsáveis pelo atentado do Riocentro. Entrevista especial com Jair Krischke

Os verdadeiros responsáveis pelo atentado do Riocentro. Entrevista especial com Jair Krischke

“Fica evidente que havia dentro do Estado brasileiro, mesmo que fosse uma ditadura, um Estado paralelo, um Estado terrorista que praticava crimes hediondos e que lesava a humanidade”, constata o historiador.
Confira a entrevista.

O documento que comprova a prisão do deputado federal e engenheiro Rubens Paiva e o envolvimento do exército com o seu desaparecimento durante a ditadura militar demonstram que a ação do Riocentro “foi planejada e levada a efeito pelo Departamento de Operações e Informações/Centro de Operações de Defesa Interna DOI-Codi do Rio de Janeiro, ou seja, por um setor militar que foi criado como um aparelho da repressão e tinha uma atuação duríssima, porque queriam que a ditadura permanecesse e que se prolongasse indefinidamente”, diz Jair Krischke à IHU On-Line em entrevista concedida por telefone.

Para ele, o documento encontrado nos arquivos do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias permite rever a história e confirmar que os militares organizaram um atentado “para adiar a abertura democrática no momento, porque os ‘comunistas subversivos continuavam ativos’”, ironiza.

Krischke prestou seu depoimento à Comissão Nacional da Verdade na última terça-feira, 27-11-2011, denunciando a Operação Condor no Brasil e sugerindo a recuperação de arquivos que estão sobre o domínio do Comando Militar do Sul. “Saio satisfeito após dar meu depoimento, e posso dizer que, finalmente, o nosso país, a exemplo dos demais que já fizeram, está recuperando a história recente do Brasil”, conclui.

Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS, Jair Krischke (foto abaixo) é ativista dos direitos humanos no Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai. Em 1979, fundou o Movimento de Justiça e Direitos Humanos do Rio Grande do Sul, a principal organização não governamental ligada aos direitos humanos da região sul do Brasil. Também é o fundador do Comitê de Solidariedade com o Povo Chileno.
Confira a entrevista.

IHU On-Line Qual a importância e o significado de conhecermos hoje os detalhes da explosão da bomba no Riocentro em 1981?

Jair Krischke –
A partir da análise dos documentos encontrados, fica clara a responsabilidade do Departamento de Operações e Informações/Centro de Operações de Defesa Interna DOI-Codi do Rio de Janeiro no episódio, apesar de eles terem negado o caso. Foi instaurado um inquérito policial que, claro, não resultou em nada, mas prova que os autores do caso foram eles. Se a bomba não tivesse explodido no carro de dois agentes, teria acontecido um morticínio de mais de 20 mil pessoas que se encontravam no show. Imagina mais de 20 mil brasileiros mortos em uma explosão que queriam atribuir aos comunistas. Os ditadores queriam, mesmo depois da anistia, permanecer no poder, atribuindo esse atentado à esquerda. Então, por isso esses documentos são importantes, pois revelam quem foram os verdadeiros responsáveis pelo atentado e qual a dimensão que esse caso poderia ter tomado.

IHU On-Line Em que sentido esses documentos são reveladores para que se esclareça como o episódio do Riocentro está ligado ao centro de comando do aparelho de repressão do Estado?

Jair Krischke –
Toda essa ação foi planejada e levada a efeito pelo DOI-Codi do Rio de Janeiro, ou seja, por um setor militar que foi criado como um aparelho da repressão e que tinha uma atuação duríssima, pois queria que a ditadura permanecesse e que se prolongasse indefinidamente. Então, a ideia deles foi produzir esse atentado e atribuí-lo à esquerda, para adiar a abertura democrática no momento, porque os “comunistas subversivos continuavam ativos”. Então, essa revelação é muito oportuna especialmente neste momento em que há no Brasil uma Comissão Nacional da Verdade, que poderá, a partir desses documentos, aprofundar a investigação e bem mais além do que até hoje foi feita.

IHU On-Line Que informações importantes aparecem nos documentos encontrados na casa do coronel Molinas Dias sobre a prisão e morte do deputado cassado pela ditadura Rubens Paiva, desaparecido há 41 anos e cuja morte foi negada pelos militares?

Jair Krischke –
Os documentos comprovam que Rubens Paiva esteve nas mãos do DOI-Codi. Isso evidência que ele foi torturado, assassinado, teve seu corpo desaparecido, e por quem? Por aqueles militares que operavam no DOI-Codi. Esses documentos desmascaram, de uma vez por todas, a autoria desse crime bárbaro. Esse é mais um documento pelo qual a Comissão Nacional da Verdade poderá buscar mais informações. Há uma assinatura neste documento. De quem é a assinatura? Identificando-a, será possível saber se a pessoa que assinou ainda está viva ou não, e se poderá depor na Comissão da Verdade.

Os militares tinham esse costume de negar os crimes que cometiam, crimes hediondos etc. Como eles mantinham esse hábito, negaram o caso envolvendo o deputado Rubens Paiva, que foi exilado e havia retornado ao país para trabalhar como engenheiro. É claro que ele mantinha relações com uma série de pessoas e que, segundo a ditadura, eram pessoas subversivas. Certamente, esta foi a razão pela qual ele foi vítima dessa barbárie.

IHU On-Line Como compreender que documentos dessa envergadura estivessem em mãos de uma pessoa?

Jair Krischke –
Esse era um hábito muito cultivado pelos repressores; eles levavam documentos importantes para casa. No caso do Rubens Paiva [1], certamente o coronel não tinha nada a ver diretamente com o assunto, mas guardou os documentos para que, caso algum ex-colega do aparelho repreensivo quisesse lhe denunciar por alguma coisa, teria outras provas. Era uma regra entre os “arapongas” não confiar nem na sua própria mãe. Então, entende-se por que ele teria documentos que não tinham nada a ver com a sua atividade. Por outro lado, aqueles documentos que foram manuscritos, estes sim eram da sua responsabilidade.

IHU On-Line
O que esses episódios evidenciam sobre as práticas do regime militar com aqueles que eram considerados "inimigos"?

Jair Krischke –
Fica evidente que havia dentro do Estado brasileiro, mesmo que fosse uma ditadura, um Estado paralelo, um Estado terrorista que praticava crimes hediondos e que lesava a humanidade. Tenho esperanças de que no futuro isso irá aparecer e um dia essas pessoas serão responsabilizadas, porque esses são crimes imprescritíveis.

IHU On-Line
Qual a validade desses documentos para o trabalho da Comissão Nacional da Verdade?

Jair Krischke –
São documentos absolutamente inéditos. Nós nunca antes tivemos qualquer outra manifestação ou documento que narrasse o caso do Riocentro. Esses documentos trazem informações detalhadas, de minuto a minuto; é uma confissão de responsabilidade. Através deste documento se pode buscar outros responsáveis. O coronel estava lá no DOI-Codi comandando a ação, mas havia certamente mais de 20 agentes de campo, os quais ainda não sabemos o nome. Uma investigação poderá apurar essas informações.

Quando foi instaurado um inquérito policial militar, o primeiro militar indicado para presidir o inquérito policial foi o coronel Dickson Grael [2]. Ele deu uma declaração para a imprensa dizendo que faria o inquérito “doa a quem doer”. Imediatamente ele foi afastado. Foi nomeado um segundo coronel, que adoeceu, o qual foi substituído por um terceiro, que fez um inquérito e não apurou nada. Depois, o coronel Dickson Grael se aposentou do exército e escreveu um livro sob o título À sombra da Impunidade, onde aponta o seu dedo acusador para o coronel Júlio Miguel Molinas Dias [3], que era o comandante. O mesmo ele disse para o Jornal do Brasil. Até o momento, só tínhamos esse indicativo. Agora, temos um documento de próprio punho, o que possibilitará uma investigação. Então, por isso a importância dos documentos, já que num passado recente tudo foi negado. Agora, não há dúvida.

IHU On-Line Qual a novidade e a motivação que estes dados recentes, principalmente aquele envolvendo Rubens Paiva, traz para os debates sobre a Lei da Anistia?

Jair Krischke –
É tempo de se discutir, e isto vai reforçar aquilo que já está posto, ou seja, de a Lei de Anistia não tem a menor validade no âmbito internacional. O Brasil já está condenado pela Corte Americana de Direitos Humanos a não adotar o critério da Lei de Anistia, que foi uma autoanistia, na verdade. Então, todos esses episódios, e certamente aparecerão outros, irão evidenciar que os crimes foram tão hediondos que o Supremo será sensível, e não irá querer compactuar com eles. Apesar das críticas à Comissão da Verdade, essa é a que nós temos e, como brasileiros, temos o dever de lutar por ela e cobrar tudo aquilo que entendamos que deva ser cobrado.

IHU On-Line – O senhor esteve em Brasília nesta semana. Como foi seu depoimento na Comissão Nacional da Verdade?

Jair Krischke –
Prestei o meu depoimento, provando documentalmente que quem criou a Operação Condor foi o Brasil. Documentalmente, provei a primeira Operação Condor em dezembro de 1970, e a segunda em junho de 1971. Fiz um pedido à Comissão, e certamente ficaram comprometidos em executar, em relação aos documentos do DOPS do Rio Grande do Sul. O estado do Rio Grande do Sul foi o único que, publicamente, disse que queimou os documentos do DOPS, em maio de 1982. Mas isso foi uma farsa, uma redonda farsa, porque um ano depois eu resgatei documentos que, segundo o Estado, haviam sido queimados, com duas anotações posteriores à data da suposta queima. Esses documentos foram microfilmados e se encontram em poder do Comando Militar do Sul. Provei isso que estou dizendo e fiz um apelo à Comissão Nacional da Verdade, que tem poderes legais para recuperar, junto ao Comando Militar do Sul, todos esses documentos, que são patrimônio do estado do Rio Grande do Sul e que, neste momento, se encontram em mãos indevidas. Saio satisfeito após dar meu depoimento, e posso dizer que, finalmente, o nosso país, a exemplo dos demais que já fizeram, está recuperando a história recente do Brasil.

IHU On-Line Quais são as perspectivas de que os arquivos da ditadura sejam disponibilizados a partir dos trabalhos da Comissão da Verdade?

Jair Krischke –
Muitíssimo boas. Muitos arquivos já estão disponíveis, é só saber buscá-los. Invariavelmente digo que não basta ser alfabetizado, tem que saber buscá-los no Brasil e no exterior também.

NOTAS
[1] Rubens Beyrodt Paiva (Santos, 26 de dezembro de 1929 — desaparecido em 20 de janeiro  de 1971):  engenheiro civil e político brasileiro desaparecido durante o regime militar. Era filho de Jaime Almeida Paiva, advogado, fazendeiro do Vale do Ribeira e despachante do Porto de Santos, e de Araci Beyrodt.

[2] Coronel Dickson Grael:
ex-diretor do Riocentro, afastado alguns dias antes do atentado. Coronel da reserva que foi o responsável pela reabertura das investigações sobre as bombas que explodiram no Riocentro, no dia 1° de maio de 1981, matando o sargento Guilherme Pereira do Rosário e ferindo o capitão Wilson Luís Chaves.

[3] Júlio Miguel Molinas Dias: coronel reformado, 78 anos, foi morto a tiros em frente de casa, em Porto Alegre.O coronel era comandante do destacamento de operações internas do Exército no Rio de Janeiro, na época do caso Riocentro.

http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/515928-entrevista-especial-com-jair-krischke

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Surge um novo cenário para direitos autorais no Brasil?

Colunas

28 novembro 2012
Direito Comparado

Surge um novo cenário para direitos autorais no Brasil?

O escritor João Ubaldo Ribeiro, imortal da Academia Brasileira de Letras e autor de obras contemporâneas fundamentais para se entender a alma do povo brasileiro, escreveu um interessante artigo intitulado “Grave crise existencial” (clique aqui para ler), no qual ele põe a nu o problema do fim dos direitos autorais e a situação dos autores que dependem do copyright para sobreviver. Convém reproduzir parte desse texto de João Ubaldo Ribeiro:
“(...) outro dia, não lembro mais onde, li que já morremos todos. O autor morreu, disse o pensador, não existe mais isso. Quer dizer, nem do que está reproduzido aqui eu posso pretender ser dono.
Um pouco intimidado e compreensivelmente confuso, tento soerguer-me na tumba e logo o sagrado direito à informação me sepulta de novo. O que escrevo pode, no sentido mais lato, ser qualificado de informação e, por conseguinte, se eu cobro pelo que escrevo, estou cerceando gravemente esse direito. Está certo, posso até concordar para não discutir, mas o direito a comer também é sagrado e, contudo, se o gerente do supermercado for solicitado a por essa razão dispensar o pagamento das compras, imagino que fará algumas objeções. Da mesma forma, o direito à saúde é universal, mas os médicos, dentistas e terapeutas insistem em ser remunerados por seus serviços”.[1]
Na última coluna (clique aqui para ler), examinaram-se decisões da Suprema Corte do Canadá, que alteraram o regime de direitos autorais naquele país, e, em paralelo, a situação jurídica da indústria fonográfica e do livro em face das novas tecnologias.
Mais que um desabafo de um escritor consagrado, alguém que vive efetivamente dos direitos autorais, o texto de João Ubaldo Ribeiro expõe, em tom ora irônico, ora profético, uma espécie de lugar-comum em torno de autores, compositores e músicos: seu trabalho deve ser compartilhado, mas não pode ser remunerado como contraprestação por sua fruição por leitores e ouvintes. Em certa medida, é a nova pergunta que se faz: para que pagar se eu posso obter gratuitamente esses bens culturais?
O panorama legislativo e jurisprudencial brasileiro parece refletir a gravidade do momento histórico no debate sobre direitos autorais.
A Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais, não tem ainda 15 anos, mas já se encontra, desde meados da década passada, em processo de discussão no governo federal. Objetiva-se substituí-la ou reformá-la profundamente, o que implica diferentes níveis de transformação do modelo atual.
O anteprojeto de “modernização da lei de direito autoral”, a cargo do Ministério da Cultura, apresenta alguns pontos de relevo para a compreensão do que poderá mudar nesse setor:[2]
1. Redução de 5% para 3% do percentual mínimo devido ao autor sobre o preço de venda de sua obra (art. 38).
2. A proteção aos direitos autorais post-mortem, passado o período de 70 anos (contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao do falecimento do autor), cessa e é permitida “a utilização ou exploração por terceiros da obra audiovisual ou da obra coletiva não poderá ser impedida pela eventual proteção de direitos autorais de partes que sejam divisíveis e que são também objeto de exploração comercial em separado” (art. 44, parágrafo único).
3. Um confuso novo parágrafo único do artigo 45 da Lei de Direitos Autorais, nos termos do projeto, assegura “[o] exercício dos direitos reais sobre os suportes materiais em que se fixam as obras intelectuais pertencentes ao domínio público não compreende direito exclusivo à sua imagem ou reprodução, garantindo-se o acesso ao original, mediante as garantias adequadas e sem prejuízo ao detentor da coisa, para que o Estado possa assegurar à sociedade a fruição das criações intelectuais”.
4. O artigo 46, que apresenta um rol de hipóteses de excludentes de violação dos direitos autorais, vem acrescido de novas situações, como: a) a reprodução integral, por qualquer meio físico, de “obra legitimamente adquirida, desde que feita em um só exemplar e pelo próprio copista, para seu uso privado e não comercial”, o que modificará o regime atual, que prevê o direito de reprodução de “pequenos trechos” (inciso II do art. 46); b) a reprodução de obra adquirida legitimamente para que se usada em meios portáveis, desde que para uso privado e não comercial (cópia digital de um livro para uso no computador); c) “a representação teatral, a recitação ou declamação, a exibição audiovisual e a execução musical, desde que não tenham intuito de lucro e que o público possa assistir de forma gratuita, realizadas no recesso familiar ou, nos estabelecimentos de ensino, quando destinadas exclusivamente aos corpos discente e docente, pais de alunos e outras pessoas pertencentes à comunidade escolar”; d) a utilização de retratos ou de outro meio de reprodução da imagem de alguém, confeccionados sob encomenda, “quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou, se morta ou ausente, de seu cônjuge, seus ascendentes ou descendentes”; e) a reprodução de palestras, conferências, aulas, mesmo sem autorização; f) “a representação teatral, a recitação ou declamação, a exibição audiovisual e a execução musical, desde que não tenham intuito de lucro, que o público possa assistir de forma gratuita e que ocorram na medida justificada para o fim a se atingir”, nas hipóteses de utilização para fins didáticos; para a difusão cultural e multiplicação de público, formação de opinião ou debate, por associações cineclubistas, assim reconhecidas; para uso em atividades religiosas, “exclusivamente no decorrer de atividades litúrgicas”; para fins terapêuticos ou de reabilitação em hospitais, clínicas e presídios.
Um dos itens mais polêmicos dessa pré-exclusão é a possibilidade de se reproduzir, sem intuito mercantil, “obra literária, fonograma ou obra audiovisual, cuja última publicação não estiver mais disponível para venda, pelo responsável por sua exploração econômica, em quantidade suficiente para atender à demanda de mercado, bem como não tenha uma publicação mais recente disponível e, tampouco, não exista estoque disponível da obra ou fonograma para venda”. Em suma, esgotado o livro e não reeditado, na prática, sua cópia se torna lícita e sem pagamento de direitos autorais.
5. Um novo capítulo é dedicado às “licenças não voluntárias”, que consiste na autorização ao presidente da República para, após requerimento de interessado específico, que conceda “licença não voluntária e não exclusiva para tradução, reprodução, distribuição, edição e exposição de obras literárias, artísticas ou científicas, desde que a licença atenda necessariamente aos interesses da ciência, da cultura, da educação ou do direito fundamental de acesso à informação”. Tal licença justificar-se-ia em diversas hipóteses, ao estilo de uma interessa situação de recusa ou criação de obstáculos de modo não razoável, pelo titular do direito autoral, “à exploração da obra”. Assim também será possível se os autores “exercerem de forma abusiva os direitos sobre” a obra.
O anteprojeto evidentemente representa uma tomada de posição quanto ao modelo clássico do regime de direitos autorais. Seu conteúdo é evidentemente polêmico e tem dividido os setores envolvidos com as atividades de cultura no país. Independentemente de seus pontos controvertidos, a respeito dos quais apenas a democrática apreciação social e da comunidade jurídica poderá dizer, é necessário reconhecer-lhe uma grande deficiência: a ausência de mecanismos substitutivos do copyright como remuneração do ofício dos autores. Se a opção é reconhecer a obsolescência do modelo em vigor, seja pelo avanço das novas tecnologias, seja pela mudança dos padrões de consumo, não se pode simplesmente ignorar outra pergunta essencial: quem pagará o autor?
É a intenção voltar-se aos tempos do mecenato, como dá exemplo a dedicatória de um famoso livro renascentista de um servidor público florentino, cuja fama correu o mundo e até hoje é sinônimo de práticas políticas destituídas de pruridos éticos? A História não terá demonstrado os riscos que esse modelo apresenta para sociedades pluralistas, complexas e democráticas como as atuais? O objetivo é “estatizar” a criação autoral, colocando o Estado como garantidor da remuneração dos criadores, por meio de subvenções, bolsas e concursos? Os exemplos da literatura do Leste Europeu no período soviético, com exceção dos autores não-conformistas, são pouco edificantes. Até o presente momento, essa pergunta perturbadora não foi respondida. E, como se viu na última coluna, esse é um questionamento formulado em outras nações, que não apenas o Brasil.
Outro ponto que se não pode esquecer é a necessidade de consulta aos cânones jurisprudenciais firmados no Brasil sobre os direitos de autor. Há antigas e recentes decisões nesse campo, que não devem cair no oblívio, ao exemplo das seguintes: a) “a cobrança de direitos autorais pela retransmissão radiofônica de músicas, em estabelecimentos hoteleiros, deve ser feita conforme a taxa média de utilização do equipamento, apurada em liquidação”[3]; b) “são devidos direitos autorais pela retransmissão radiofônica de musicas em estabelecimentos comerciais”[4]; c) a reprodução de obra sem o consentimento do autor implica “violação de direito autoral moral”, e, se for inviável o recolhimento da obra, porque os exemplares já se encontram sob “ampla circulação nacional e internacional”, a consequência será “a indenização por dano ao direito autoral moral, sem prejuízo do recebimento de ‘royalties’ pelos exemplares já vendidos, em valor a ser apurado em liquidação por arbitramento”[5]; d) “o Ecad detém legitimidade para fixar critérios relativos ao montante devido a título de direitos autorais, consoante entendimento consolidado por esta Corte (Leis nºs 5.988/73 e 9.610/98)”[6]; e) “a utilização de obras musicais em espetáculos carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a cobrança de direitos autorais à luz da novel Lei n. 9.610/98, que não mais está condicionada à auferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor”[7]; f) “é objetiva a responsabilidade do agente que reproduz obra de arte sem a prévia e expressa autorização do seu autor”, desse modo, “reconhecida a responsabilidade do contrafator, aquele que adquiriu a obra fraudulenta e obteve alguma vantagem com ela, material ou imaterial, também responde pelo violação do direito do autor, sem espaço para discussão acerca da sua culpa pelo evento danoso”.[8]
Não se pode fazer tábua rasa desse acerto de prejulgados. O Direito Comparado é outro ponto de grande relevo para qualquer reforma da legislação de direitos autorais. Veja-se, por exemplo, o problema da chamada cópia de livros. A Lei sobre Direitos Autorais e Conexos da Alemanha (Gesetz über Urheberrecht und verwandte Schutzrechte, mais conhecida pela sigla UrhG), em seu parágrafo 53, que trata de reproduções para uso privado e pessoal, em seu apartado I, permite que uma pessoa natural faça algumas reproduções, independentemente do suporte utilizado, de uma obra, com as seguintes condicionantes: a) uso privado da cópia; b), a reprodução não pode servir, de modo direto ou indireto, a fins lucrativos; c) o original não pode ter origem ilícita. Não se pode reproduzir a quase totalidade de um livro, exceto em caso de exemplar esgotado há pelo menos dois anos.
Em quase todas as legislações europeias, criaram-se mecanismos de remuneração indireta dos autores, na hipótese de cópias para uso privado, que ora recaem sobre bibliotecas públicas, ora sobre fabricantes de equipamentos de reprodução. O essencial é que o legislador se haja preocupado com a pergunta formulada nesta coluna: quem pagará o autor por sua criação? São exemplos disso os parágrafos 54 e seguintes da UrhG; os artigos L. 311-1 e seguintes do Código de Propriedade Intelectual de França; o Copyright Act do Reino Unido, com a figura do fair dealing.
A lógica da remuneração dos direitos autorais não se choca com visões mais generosas em torno do compartilhamento do saber no mundo contemporâneo. É preciso avançar, mas em ambos os campos.

[1] RIBEIRO, João Ubaldo. Grave crise existencial. O Estado de São Paulo. 11.11.2012. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,grave-crise--existencial-,958745,0.htm. Acesso em 20.11.2012.
[3]  Súmula STJ 261.
[4] Súmula STJ 63.
[5] STJ. REsp 1098626/RJ, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 13/12/2011, DJe 29/02/2012)
[6] STJ. AgRg nos EDcl no Ag 599.001/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 09/08/2011, DJe 15/08/2011.
[7] STJ. REsp 524.873/ES, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, julgado em 22/10/2003, DJ 17/11/2003, p. 199; STJ. AgRg no Ag 1363434/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 28/06/2011, DJe 01/07/2011.
[8] STJ. REsp 1123456/RS, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 19/10/2010, DJe 03/12/2010.
Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, pós-doutor (Universidade de Lisboa) e doutor em Direito Civil (USP); membro da Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française (Paris, França) e da Asociación Iberoamericana de Derecho Romano (Oviedo, Espanha).
Revista Consultor Jurídico, 28 de novembro de 2012
http://www.conjur.com.br/2012-nov-28/direito-comparado-surge-cenario-direitos-autorais-brasil

Dilma, Dirceu e Lula são alvo de notícias falsas na mídia conservadora

Dilma, Dirceu e Lula são alvo de notícias falsas na mídia conservadora

Jornal Correio do Brasil

28/11/2012 14:42,  Por Redação - de São Paulo e Brasília
Dirceu
Dirceu é foco de ataques na mídia conservadora
Diante da série de derrotas nas urnas, da perda diária de leitores para os meios alternativos de comunicação e pressionados pelas obrigações cada vez maiores das despesas e custos fixos com os quais precisam arcar, em um mercado publicitário abalado pela crise econômica mundial, jornais, rádios e canais de televisão pertencentes aos grupos empresariais ligados à direita, no Brasil, levantam o tom contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidenta Dilma Rousseff e o ex-ministro José Dirceu, em novas e seguidas tentativas de desgastar a imagem pública dos principais líderes de esquerda no país. A rotina de investigações da Polícia Federal e os consequentes encerramentos de inquéritos, a exemplo da Operação Porto Seguro, transformam-se em espetáculos mediáticos nos quais Lula, Dilma e José Dirceu são imediatamente citados, sem nenhuma prova, nenhuma evidência de culpa.
A velha estratégia de manchetar o assunto no qual envolvem seus desafetos, lhes atribuir a tarefa de provar serem inocentes e, uma vez provada a inocência, consignar apenas um registro de rodapé tem sido uma constante nos últimos anos, mesmo sem resultados favoráveis à mídia conservadora. Em um texto encaminhado ao Correio do Brasil, José Dirceu registra este fato: “Encerradas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nunca tive ligações com nada disso”.
“Encerrados a ‘temporada’ e o sucesso midiático do escândalo, silenciam quanto ao fato de nada ter se provado contra mim”, acrescentou o ex-ministro.
Ao contrário do que a imprensa conservadora se apressou em divulgar, nos últimos dias, também não existe qualquer registro de troca de telefonemas entre a ex-chefe de gabinete do escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa Noronha, e o ex-presidente Lula. A notícia, divulgada com estardalhaço nos maiores jornais do país, nas TVs e rádios de propriedade dos grandes grupos de comunicação, simplesmente é falsa. Quem garante é a procuradora da República Suzana Fairbanks, responsável pelas investigações que culminaram na Operação Porto Seguro – em que Noronha foi indiciada por suspeita de tráfico de influência e corrupção passiva. Os jornais mantidos pela direita no país chegaram a afirmar que foram centenas de telefonemas.
– Conversa dela com o Lula não existe. Nem conversa, nem áudio e nem e-mail. Se tivesse, nós já não estaríamos mais com a investigação aqui. Eu não sei de onde saiu isso, porque nunca tive acesso (a tal informação). Vocês podem virar de ponta cabeça o inquérito, em toda a investigação – afirmou a procuradora a jornalistas.
Sobre o ex-ministro José Dirceu, Fairbanks garante que, apesar de ele ter sido citado nos e-mails de Rosemary, também não há qualquer indício de sua participação no esquema.
– Não tem uma relação direta dele de sociedade ou de eventual lucro – pontuou.
A PF e a Procuradoria têm 600 páginas com conteúdo da investigação sobre a ex-chefe de gabinete, que foi exonerada do cargo, na segunda-feira. A PF recolheu e fez cópia da memória de computadores e documentos de Noronha, tanto de sua sala, no escritório da Presidência, como de sua casa. De acordo com a procuradora, Noronha, devido à posição que ocupava, tinha acesso a pessoas com “os cargos mais altos” e “vendia sua influência”. Ela teria conseguido a nomeação, em maio de 2010, do diretor de Hidrologia da Agência Nacional de Águas (ANA), Paulo Rodrigues Vieira, e do diretor de Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Rubens Carlos Vieira. Os irmãos são acusados de chefiar a quadrilha.
– Eles sabiam que ela tinha acesso a gente privilegiada dentro do governo. Tanto que se utilizava desse cargo, e aí é que está o crime, para fazer contatos de interesse deles. Agendamento de reunião com políticos, nomeação deles nas agências reguladoras. Ela ficava lá, pegando no pé do pessoal do alto escalão, porque tinha essa proximidade, tinha proximidade física. Ela debate muito com eles, ‘vou falar com fulano, vou falar com sicrano’. Mas eu não sei exatamente com quem ela conseguiu isso (as nomeações). O fato é que estava tentando e ela estava veementemente trabalhando nisso – disse a procuradora.
O “pagamento” pelas nomeações, segundo a procuradora, era feito com dinheiro para cirurgias e novas nomeações, agora realizadas pelos irmãos Vieira, supostamente em benefício de Noronha ou pessoas ligadas a ela. Nenhuma das pessoas beneficiadas também guardam qualquer proximidade com Lula, Dilma e Dirceu.
Irmãos Valente
O alvo principal da operação são os irmãos Paulo, Rubens e Marcelo Valente, acusados de comandar um esquema criminoso infiltrado dentro de órgãos federais.
– A documentação dos autos é muito característica. Eles não param de cometer crimes, a polícia até usa essa expressão quando pede as prisões. O fundamento é: eles simplesmente não param de cometer crimes. E foi o que a gente percebeu. É o tempo inteiro, é o modus operandi deles, está na vida deles, eles só fazem isso o tempo inteiro – disse a procuradora, na noite passada.
Os irmãos Paulo Rodrigues Vieira, ex-diretor de Hidrologia da Agência Nacional de Águas (ANA); Rubens Carlos Vieira, ex-diretor de Infraestrutura Aeroportuária da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac); e Marcelo Rodrigues Vieira, empresário, foram presos na última sexta-feira, acusados de formação de quadrilha. Segundo a procuradora, eles vendiam pareceres a grupos empresariais para os mais diversos fins.
– O processo do Tribunal de Contas da União que gerou toda essa investigação era a concessão de áreas no terminal do Porto de Santos que não tinham sido licitadas – disse.
A investigação da Operação Porto Seguro começou com um inquérito civil público para a apuração de improbidade administrativa. O ex-auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Cyonil da Cunha Borges de Faria Júnior revelou ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal que lhe foram oferecidos R$ 300 mil para que elaborasse um parecer técnico a fim de beneficiar um grupo empresarial do setor portuário que atua no Porto de Santos, a empresa Terminal para Contêineres da Margem Direita (Tecondi), em um contrato com a Companhia Docas de São Paulo (Codesp).
– Ele (Cyonil) é um corrupto que sofreu um golpe, porque recebeu um calote do pagamento, não pagaram tudo e ele resolveu denunciar o esquema. Eram R$ 300 mil (o prometido) e ele recebeu R$ 100 mil, e ficou cobrando os outros R$ 200 mil – destacou.
Dirceu citado
Indignado com a citação de seu nome como suspeito em um esquema do qual não há a menor evidência capaz de ligá-lo aos crimes investigados na Operação Porto Seguro, o ex-ministro José Dirceu apontou a mídia conservadora como origem das notícias falsas. “Por várias vezes em anos recentes, a imprensa (ligada à direita) vinculou-me a escândalos que, depois de concluídas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nada tinha a ver com tais episódios. Meu nome nem sequer figurou como testemunha nestes processos”, desabafa.
“Foi assim pelo menos seis vezes: nos casos Celso Daniel; MSI-Corinthians; Eletronet; Operação Satiagraha; Carlos Alberto Bejani, ex-prefeito de Juiz de Fora (MG), do PTB; e Alberto Mourão, ex-prefeito de Praia Grande (SP), do PSDB. Em alguns desses casos – como Bejani, Eletronet e Satiagraha –, meu nome foi parar no noticiário das TVs. Repito: encerradas as investigações, denunciados os responsáveis e finalizados os inquéritos, comprovou-se que eu nunca tive ligações com nada disso”, acrescentou o ex-ministro.
“Agora, a história se repete. A partir de declarações de Cyonil Borges, ex-auditor do TCU sob investigação da Polícia Federal na Operação Porto Seguro, que apura denúncias relacionadas a Paulo Vieira (ex-diretor da Agência Nacional de Águas-ANA), de novo sou envolvido. Gratuitamente. Irresponsavelmente, como das outras vezes. As investigações ainda estão em curso e meu nome já é escandalosamente noticiado como relacionado ao caso. Não custa recordar que Francisco Daniel, irmão do ex-prefeito assassinado de Santo André, Celso Daniel, fez o mesmo: acusou-me de beneficiário de esquema de corrupção que teria havido em Santo André. Quando o processei por calúnia, ele afirmou em juízo que ouvira de terceiros que eu era o destinatário de recursos financeiros ilegais para campanhas eleitorais do PT”, pontuou José Dirceu.
Ainda segundo o líder petista, “Francisco Daniel retratou-se, de forma cabal e indiscutível na Justiça. Mas isso praticamente não foi noticiado pela imprensa. E continua sem ser noticiado quando a mídia com frequência volta ao caso Celso Daniel. Ela repete a acusação que me foi feita por Francisco, sem registrar – ou fazendo-o sem o menor destaque – que ele se retratou. Assim foi em todos os demais casos que lembrei. Envolvem meu nome no noticiário com o maior estardalhaço, mas encerrados a “temporada” e o sucesso midiático do escândalo, silenciam quanto ao fato de nada ter se provado contra mim – pelo contrário, as investigações terem concluído que eu não tive o menor envolvimento com o caso em pauta”.

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terça-feira, 27 de novembro de 2012

OS PERIGOS QUE RONDAM UMA CAPA PRETA…

OS PERIGOS QUE RONDAM UMA CAPA PRETA…

A capa do ministro Joaquim Barbosa rende capa, notícia, reportagem. Rende comparação com a mais famosa das capas, a do Batman.
Há capas e capas. Mas elas sempre despertam emoções muito fortes, quando são capas pretas. Capas pretas vêm carregadas de forte simbologia. Outro dia falei da capa preta de chumbo, que Dante condenou o Invejoso a portar eternamente em seu círculo de fogo. Há as capas pretas dos românticos amantes de Veneza, que navegavam furtivos nas gôndolas pelos canais. As capas medievais, negras, inspiravam medo.
Eu tive uma capa preta longa, de noite, capa capotante. Feita de jersey de lã, pelas mãos de fada de uma grande costureira espanhola, dona Angela Maris, ali da Rua Figueiredo Magalhães. Não tinha avesso nem direito, era um masterpiece da alta costura. Frequentei muito com essa capa. Festas em Nova York, Paris, no palácio do Itamaraty, em Brasília, Mas me roubaram essa capa. Tiraram de dentro do meu armário! Lamentei por mim, pela capa e pela dona Angela Maris. Era uma capa digna do Museu da Moda, representaria muito bem a artesania primorosa das costureiras espanholas no Brasil…
Mas vou mais distante no tempo… Vou até a capa do Tenório Cavalcanti. Também chamado de O Homem da Capa Preta. Nos anos 40, 50 e início dos 60, foi o Manda-Chuva da Baixada. O grande coronel do subúrbio carioca. Se Batman tinha o Robin, Tenório tinha como inseparável companhia a Lourdinha, sua metralhadora. Não andava sem ela. E também com óculos de lentes escuras e chapéu.
Uma vez eu vi o Tenório, eu vi, eu vi sim, juro que vi! Eu devia ser adolescente. Foi no Jardim de Alah. Ele passava em carro conversível pela Visconde Pirajá, em pé no automóvel de capota arriada, de capa (o forro era vermelho, não esqueci) e a Lourdinha em punho. Tinha uma barbicha. Devia estar em campanha. Fiquei fascinada.
Era o Rei de Caxias. Se elegia o que queria por aqueles lados e quantas vezes quisesse. Era temido. Diziam que matava ou que mandava matar. Diziam que tinha um exército e a casa era uma fortaleza. Uma vez o Flávio Cavalcanti, que era um repórter cheio de marra da TV Tupi, no programa Noite de Gala, provocou o Tenório, falou mal, desancou (Flavio adorava fazer isso, seu ídolo era o político Carlos Lacerda e ele parecia querer ser o Lacerda do showbiz), desafiou. Tenório disse que daria resposta, mas só em seus domínios em Caxias. E lá se foi o Flávio, metido em seu black-tie de Noite de Gala, arrotando coragem, todo esquentadinho. Os equipamentos transportados por uns caminhõezões de ocupar quarteirão, com as antenas transmissoras, até a fortaleza do Tenório.
Flávio desembarcou com a equipe da Tupi, as câmeras imensas, os cabos. Entrou na fortaleza, tudo foi instalado devidamente, e Tenório tratou de passar o ferrolho em toda a volta da casa que ocupava o quarteirão: nos portões, nos muros, nas grades, tudo cercado por seguranças, metralhadoras, cachorros, nem Alcatraz era tão protegido.
O Flavio Cavalcanti lá dentro, todo enfatiotado com seu microfone, já mudando de atitude, diminuindo de tamanho, falando mais fino, e a gente em casa vendo a cena. E o Tenório de capa. Capa preta.
Aí quem começou a falar grosso, cheio de coragem, foi o Tenório. Flavio, cada vez menor, diminuindo na proporção em que seu medo aumentava.
Teve lá uma hora em que a chapa esquentou, Tenório subiu nas tamancas e mandou o Flávio Cavalcanti mergulhar na piscina de roupa e tudo. De revóver em punho, o Homem da Capa Preta dizia que ou o Flávio mergulhava ou não saía vivo da fortaleza. Tinha que escolher. Que ali era Caxias, quem mandava era ele. Ele era a lei.
Flávio ainda tentou salvar o fiapo que lhe restava de dignidade, argumentando com Tenório, mas não teve jeito: ou dá ou desce! As câmeras ligadas. E a gente vendo. Estatelado. Siderado. Fascinado. Isso é que era reality show, os de hoje são fichinha.
Aos olhos do Brasil, o maior apresentador da televisão brasileira (era como se a gente somasse hoje o Luciano Huck mais o Faustão mais o Silvio Santos mais a Ana Maria Braga e elevasse ao cubo) caiu de smoking e tudo dentro d’água, submergiu com um braço esticado de fora e, antes de atravessar a piscina semi-olímpica com braçadas de nado crown, emergiu, fazendo, humilde, uma última súplica: “Posso ao menos tirar o relógio? Tem valor estimativo, foi de meu pai!…”.
Tenório deixou. Tratava-se de um sentimental, um homem com coração de manteiga, como vemos.
Duas fotos históricas: Tenório Cavalcanti, o próprio, num registro de 1950, um aparelho de TV da época, e seu inseparável chapéu; a capa famosa, que era forrada de vermelho, e a metralhadora “Lourdinha”. Os “acessórios” viraram peças de museu…

Do site de Hildegard Angel:    http://www.hildeangel.com.br/

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Jurista afirma que cassação de mandatos pelo STF é inconstitucional

Jurista afirma que cassação de mandatos pelo STF é inconstitucional

25/11/2012 14:28,  Por Redação, com ABr - de Brasília
Dallari
Jurista Dalmo Dallari explicou que a última palavra é do Parlamento
A fase de fixação de penas dos réus condenados durante o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), está levando a uma discussão polêmica nos corredores da Câmara Federal sobre o futuro do mandato dos deputados considerados culpados.
A polêmica surgiu porque em julho, ao protocolar as alegações finais do processo no STF, o procurador-geral da república, Roberto Gurgel, disse que é “relevante a aplicação da pena de perda de cargo, função pública ou mandato eletivo” como um dos efeitos da decisão da Suprema Corte.
Para o jurista e professor da Universidade de São Paulo Dalmo Dallari, uma determinação do Supremo nesse sentido seria inconstitucional. “Se o Supremo fizesse isso, criaria um embaraço jurídico extremo”, avaliou. Dallari explicou à Agência Brasil que, nesse caso, o Supremo pode apenas comunicar ao Parlamento que entende que a condenação é caso de cassação de mandato. “A Constituição assegura que a última palavra é do Parlamento, qualquer decisão contrária a isso caberia recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos”, disse.
O Inciso VI do Artigo 55 da Constituição Federal, que fala da perda de mandato de deputado ou senador, disse que fica sem o mandado o parlamentar “que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado”. Porém, o Parágrafo 2º do mesmo artigo diz que “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa”.
Três deputados federais, João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto ( PR-SP), foram condenados pelo STF, mas ainda aguardam a definição das penas. Na Câmara, a polêmica também envolve o ex-presidente do PT, José Genoíno (SP). Como suplente, o petista deve assumir em janeiro a vaga do deputado Carlinhos Almeida ( PT-SP), que foi eleito prefeito de São José dos Campos. Genoíno já teve a pena fixada em sete anos e 11 meses de prisão por corrupção ativa e formação de quadrilha. Segundo a assessoria da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara dos Deputados, até hoje a Casa não teve nenhum caso de perda de mandato por motivo de sentença transitada em julgado.
Depois que o Supremo concluir o julgamento e comunicar a decisão à Câmara, o processo que pode levar à cassação desses deputados deve ser longo. Primeiro, o presidente da Casa, deputado Marco Maia ( PT-RS), pode pedir que o corregedor se pronuncie sobre o assunto. A corregedoria, então, ouve a defesa dos deputados condenados e leva o caso para análise dos sete membros da Mesa Diretora da Câmara, que decidem se oferecem representação para perda de mandato à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Se na CCJ os deputados decidirem pela abertura de processo de cassação, a palavra final é do plenário. “Nada impede também que, depois de terminado o julgamento, qualquer partido político entre com pedido de cassação de mandato junto à Mesa Diretora”, explicou o chefe da assessoria jurídica da Secretaria-Geral da Mesa da Câmara, Fábio Ramos.
Questionado sobre uma possível cassação dos colegas condenados, o presidente da Câmara, Marco Maia, já disse que não existe a possibilidade de o STF interferir nesse assunto. Maia tem dito também que quer esperar a conclusão do julgamento “até para ver se haverá equilíbrio entre as penas”, mas em todas as vezes que falou do assunto adiantou que vai cumprir integralmente a Constituição.
- A lei é muito clara, eles [os ministros do Supremo] mandam para cá e quem vai decidir se cassa ou não é o conjunto de deputados. O PT vai defender esses deputados aqui, não há dúvida em relação à defesa do mandato desses companheiros – garantiu o líder do PT na Câmara, deputado Jilmar Tatto (SP).
A incerteza sobre o futuro dos deputados condenados incomoda o PSOL. “Para nós, é um constrangimento muito grande ver deputados condenados exercendo o mandato”, disse o líder do partido na Câmara, deputado Ivan Valente (SP). Mesmo reconhecendo que não há disposição entre a maioria dos líderes partidários para votar a proposta de emenda constitucional que acaba com o voto secreto em casos de cassação de mandato, Valente diz que a prioridade do partido é acelerar essa discussão no plenário. “Sem o voto aberto, vamos continuar tendo casos desse tipo”, disse.
O líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL) disse à Agência Brasil que o partido ainda não conversou sobre a situação do deputado Pedro Henry. Ele destacou o fato de o colega não ter renunciado e ter sido eleito para mais dois mandatos depois das denúncias. “De qualquer forma, esse é um assunto que extrapola os partidos e cabe à Mesa Diretora da Casa, mas nem a pena foi definida pelo Supremo. Vamos esperar, acrescentou.

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Danuza lamenta que todos possam ir a Paris ou NY

247 - Em Tóquio, presidentes de empresas varrem a calçada das ruas onde moram. Em Manhattan, banqueiros usam o metrô para ir ao trabalho. Em Berlim, cada vez mais, os ricos rejeitam ser proprietários. Em Paris, o que distingue a elite é o conhecimento. No Brasil, no entanto, aqueles que estão no topo da pirâmide precisam ser diferentes, especiais, exclusivos, aristocráticos. Prova disso é o artigo de Danuza Leão, publicado neste domingo, na Folha de S. Paulo. Ela afirma que ser rico perdeu a graça, porque hoje, numa ida a Paris ou Nova York, periga-se dar de cara com o porteiro do seu prédio. Resumindo, o que a elite brasileira mais deseja é a desigualdade ou a volta aos tempos de casa grande e senzala. Leia: 
Ser especial
Danuza Leão
Afinal, qual a graça de ter muito dinheiro? Quanto mais coisas se tem, mais se quer ter e os desejos e anseios vão mudando --e aumentando-- a cada dia, só que a coisa não é assim tão simples. Bom mesmo é possuir coisas exclusivas, a que só nós temos acesso; se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio.
Um homem que começa do nada, por exemplo: no início de sua vida, ter um apartamento era uma ambição quase impossível de alcançar; mas, agora, cheio de sucesso, se você falar que está pensando em comprar um com menos de 800 metros quadrados, piscina, sauna e churrasqueira, ele vai olhar para você com o maior desprezo --isso se olhar.
Vai longe o tempo do primeiro fusquinha comprado com o maior sacrifício; agora, se não for um importado, com televisão, bar e computador, não interessa --e só tem graça se for o único a ter o brinquedinho. Somos todos verdadeiras crianças, e só queremos ser únicos, especiais e raros; simples, não?
Queremos todas as brincadeirinhas eletrônicas, que acabaram de ser lançadas, mas qual a graça, se até o vizinho tiver as mesmas? O problema é: como se diferenciar do resto da humanidade, se todos têm acesso a absolutamente tudo, pagando módicas prestações mensais?
As viagens, por exemplo: já se foi o tempo em que ir a Paris era só para alguns; hoje, ninguém quer ouvir o relato da subida do Nilo, do passeio de balão pelo deserto ou ver as fotos da viagem --e se for o vídeo, pior ainda-- de quem foi às muralhas da China. Ir a Nova York ver os musicais da Broadway já teve sua graça, mas, por R$ 50 mensais, o porteiro do prédio também pode ir, então qual a graça? Enfrentar 12 horas de avião para chegar a Paris, entrar nas perfumarias que dão 40% de desconto, com vendedoras falando português e onde você só encontra brasileiros --não é melhor ficar por aqui mesmo?
Viajar ficou banal e a pergunta é: o que se pode fazer de diferente, original, para deslumbrar os amigos e mostrar que se é um ser raro, com imaginação e criatividade, diferente do resto da humanidade?
Até outro dia causava um certo frisson ter um jatinho para viagens mais longas e um helicóptero para chegar a Petrópolis ou Angra sem passar pelo desconforto dos congestionamentos.
Mas hoje esses pequenos objetos de desejo ficaram tão banais que só podem deslumbrar uma menina modesta que ainda não passou dos 18. A não ser, talvez, que o interior do jatinho seja feito de couro de cobra --talvez.
É claro que ficar rico deve ser muito bom, mas algumas coisas os ricos perdem quando chegam lá. Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça.
Seguindo esse raciocínio, subir o Champs Elysées numa linda tarde de primavera, junto a milhares de turistas tendo as mesmas visões de beleza, é de uma banalidade insuportável. Não importa estar no lugar mais bonito do mundo; o que interessa é saber que só poucos, como você, podem desfrutar do mesmo encantamento.
Quando se chega a esse ponto, a vida fica difícil. Ir para o Caribe não dá, porque as praias estão infestadas de turistas --assim como Nova York, Londres e Paris; e como no Nordeste só tem alemães e japoneses, chega-se à conclusão de que o mundo está ficando pequeno.
Para os muito exigentes, passa a existir uma única solução: trancar-se em casa com um livro, uma enorme caixa de chocolates --sem medo de engordar--, o ar-condicionado ligado, a televisão desligada, e sozinha.
E quer saber? Se o livro for mesmo bom, não tem nada melhor na vida.
Quase nada, digamos.

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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Lewandowski e Barbosa: o cachimbo entorta a boca

Colunas

21 novembro 2012
Direito & Mídia
CONJUR

Lewandowski e Barbosa: o cachimbo entorta a boca

Caricatura: Carlos Costa - Jornalista [Spacca]“A aula do prof. Dr. Enrique Ricardo Lewandowski no mestrado de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da USP deveria terminar às 19 horas daquela calorosa sexta-feira, 23 de março de 2007. Mas os alunos que o cercam ao final da palestra não têm pressa em sair, apesar da sala abafada no segundo andar. São perguntas e comentários de uma plateia que acompanhou atenta a preleção. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Lewandowski não revela cansaço, apesar de haver enfrentado os percalços de um vôo desde Brasília no começo da tarde – nesse período de esperas provocadas pela crise aérea. Atento, sorri para uma aluna, atende a um professor assistente, ouve algum comentário, indica uma leitura, recebe congratulações. Finalmente se dirige para as escadas – sua agenda ainda prevê uma entrevista.
“No andar de baixo, há uma hora era esperado pela equipe de reportagem de uma revista jurídica da cidade de Osasco, para uma conversa sobre temas da atualidade. O editor, o repórter e a fotógrafa estavam acomodados na sala da Congregação, um espaço solene em que impera uma tela representando o criador dos cursos jurídicos no Brasil, D. Pedro I. Nas paredes da sala, desfilam os nomes dos juristas que passaram pela direção da ‘Escola das Arcadas’ – e apenas eles parecem não se incomodar com o calor sufocante desse espaço solene.
Porte atlético, alto, Lewandowski desce o último lance de escada e aperta a mão de um bedel: ‘Há quanto tempo não lhe vejo, tudo bem?’. Figura carismática, cumprimenta amável a senhora do café, e oferece água aos repórteres, pedindo mais um minuto de paciência, pois tem de atender a um professor da PUC-SP, que o esperava na sala ao lado. Finalmente a entrevista inicia. O ministro responde aos repórteres da revista, que começam perguntando sobre sua trajetória.
Esse texto foi a abertura de um perfil que publiquei há cinco anos, e vem agora à memória neste momento em que Lewandowski é visto pelo público e por colunistas como a “encarnação do mal” por suas posturas no julgamento da Ação Penal 470, o popular mensalão. Foi vaiado nas eleições, evita estar em evidência. Mas outro dia, em sala de aula, uma aluna do curso de pós-graduação lato sensu em jornalismo da Cásper Líbero, advogada, alertou-me para um fato: o ministro continua, no fundo, a agir como advogado. Como diz o ditado, o hábito do cachimbo entorta a boca.
A cena descrita no início desse texto ocorria doze meses após a posse de Lewandowski no STF. Ele havia entrado pelo quinto constitucional para o desembargo do Tribunal Paulista, deixando uma destacada carreira de 16 anos (1974-1990) como advogado – a que se seguiram 22 anos como magistrado (16 como desembargador e seis como ministro do STF).
Nos tempos de advogado e professor, foi assessor jurídico na Assembleia Legislativa do estado, secretário de governo e de assuntos jurídicos de São Bernardo do Campo, adquirindo experiência administrativa na presidência da Emplasa, Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, criada em 1975 para cuidar do planejamento da Grande São Paulo. Resultado disso é que seu gabinete no STF adota o Sistema de Gestão da Qualidade, baseado nas normas da família ABNT NBR ISO 9000, como se pode conferir no site do Supremo.
“A entrada pelo quinto é difícil, pela própria concorrência prévia na OAB ou no Ministério Público”, explicava o então presidente da Academia Paulista de Magistrados, o falecido Antonio Carlos Viana Santos. O candidato, no caso de advogado, tem de passar pelo filtro da OAB, depois pela triagem do tribunal, e finalmente passar pelo crivo do Executivo. Lewandowski concordou na época. “O ingresso no Judiciário pelo quinto constitucional é uma entrada pela porta da frente: tem de ter dez anos de prática profissional, notório saber jurídico, aferido pela Ordem ou pelo MP, e passar pelo crivo do Tribunal e do Executivo. Mas a participação dos magistrados ingressos pelo quinto é um fator de oxigenação para o Judiciário. Para mim, a passagem pela advocacia foi fundamental para me preparar para a judicatura”, concluía então.
Vencer aquele desafio não representara grande problema para o então jovem advogado. Ele vinha há muito se preparando para novas empreitadas, acumulando títulos. Formado em Ciências Políticas e Sociais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1971, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito de São Bernardo em 1973. “Fui jovem no auge da guerra fria”, comenta: “Quis estudar Ciências Sociais para entender o mundo, e fiz Direito porque queria nele interferir”.
O mestrado em Direito veio em 1980, com a dissertação “Crise institucional e salvaguardas do Estado”, na USP. Ele é mestre em Relações Internacionais pela Fletcher School of Law and Diplomacy, da Tufts University. Em 1982, tornou-se doutor em Direito pela USP com o trabalho “Origem, estrutura e eficácia das normas de proteção dos Direitos Humanos na ordem interna e internacional” – editado em livro pela Forense em 1984. A livre docência ele defendeu em 1994. Tanto o mestrado quanto o doutorado foram orientados pelo professor Dalmo de Abreu Dallari, a quem sucedeu na titularidade do curso de Teoria Geral do Estado na USP. Lá, criou, tempos depois, a disciplina de Direitos Humanos. Foi essa bagagem que trouxe para o Judiciário, quando, em 1991, ingressou no hoje extinto Tribunal de Alçada Criminal.
No STF, Lewandowski se destacou na defesa da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010, e no papel de presidente garantiu a sua aplicação no Tribunal Superior Eleitoral. Do mesmo modo, votou pela sua constitucionalidade no STF. Outro destaque foi a proibição do nepotismo. A extensão da proibição aos demais Poderes da República foi adotada após os ministros julgarem um recurso extraordinário em que o Ministério Público do Rio Grande do Norte contestava decisão do Tribunal de Justiça do mesmo estado que vetara a aplicação da resolução aos Poderes Legislativo e Executivo do município de Água Nova, interpretando que a resolução do CNJ deveria ser aplicada apenas no Judiciário. Relator da matéria, Lewandowski votou contra a contratação, por parte do município, de um motorista, irmão do vice-prefeito. Por sua iniciativa, propôs a votação da súmula vinculante que estabelece a proibição da contratação de familiares de até terceiro grau por parte dos órgãos dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Agora, no julgamento do Mensalão, como a grande imprensa já havia condenado os mensaleiros antes que a primeira testemunha do caso fosse ouvida, tudo o que não coincidisse com essa posição foi apresentado como aberração. Daí colocarem o ministro Lewandowski nessa condição. Do ponto de vista jurídico, no entanto, sua atuação é importante, pois mostrou que as coisas podem ser vistas de mais de uma maneira. E do ponto de vista político, sua importância foi legitimar o julgamento, permitindo que o processo não se transformasse num linchamento.
Em contraponto, o atual presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, aplaudido relator do mensalão, tem longa trajetória na Promotoria. Também com sólida formação acadêmica, é doutor e mestre em Direito Público pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas), onde seguiu extenso programa de doutoramento (1988-1992), de que resultaram três diplomas de pós-graduação. Cumpriu também o programa de Mestrado em Direito e Estado da Universidade de Brasília (1980-1982), obtendo o diploma de Especialista em Direito e Estado. Professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde ensinou Direito Constitucional e Direito Administrativo, foi Visiting Scholar (1999-2000) no Human Rights Institute da Columbia University School of Law.
No campo profissional, sua trajetória foi construída nos 19 anos de Ministério Público Federal (1984-2003), com atuação em Brasília (1984-1993) e Rio de Janeiro (1993-2003). Antes, chefiara a Consultoria Jurídica do Ministério da Saúde (1985-1988) e advogou no Serviço Federal de Processamento de Dados (1979-1984), após servir na chancelaria do Ministério das Relações Exteriores (1976-1979), tendo trabalhado na Embaixada do Brasil em Helsinki, Finlândia.
Ou seja, embora este texto tente lançar uma luz para entender algumas reações da alma de advogado de Lewandowski no julgamento do mensalão, também ajuda a entender por que o ministro Joaquim Barbosa de certo modo repete seu habitus de promotor. Como diz um sagaz observador, o relator encampou quase todas as teses da Procuradoria-Geral da República, limitando seu voto a repetir a denúncia. Quase duas décadas de Ministério Público também moldaram seu modo de ser. Repetindo, o uso do cachimbo entorta a boca.
Carlos Costa é jornalista, professor da Faculdade Cásper Líbero e editor da revista diálogos & debates.
Revista Consultor Jurídico, 21 de novembro de 2012

http://www.conjur.com.br/2012-nov-21/direito-midia-lewandowski-barbosa-uso-cachimbo-entorta-boca

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Só o povo pode cassar seus representantes

Só o povo pode cassar seus representantes




No momento em que o Supremo discute a cassação imediata do mandato de três deputados no processo do mensalão, vale a pena ler o texto abaixo. É o artigo 55 da Constituição, que define como um parlamentar perde seu mandato. Na íntegra, para não haver dúvidas, aqui está o artigo 55:


Art. 55 – Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º – É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º – Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros, ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ – A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ § 2º e § 3º.)
O artigo 55  torna-se particularmente interessante porque, a partir de janeiro, quando os prefeitos eleitos tomam posse, José Genoíno deve assumir  sua cadeira de deputado. Será, então, o quarto mandato em discussão.
Ele é suplente da bancada do PT de São Paulo e tem mandato até 2014. Pela lei  Ficha Limpa, não poderá se candidatar no próximo pleito, já que foi condenado por um tribunal colegiado. Mas nada pode impedir Genoíno de assumir sua vaga, se você ler o artigo 55 com atenção. Em 2010 ele recebeu 92.362 votos. Ou pode?
Depende. O Supremo debateu a cassação imediata dos deputados na semana passada. Como não havia consenso, o assunto foi interrompido.
Há uma discussão a respeito, embora o artigo 55 seja cristalino.
Diz que em caso de “condenação criminal em sentença transitada em julgado,” (…) “a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados por voto secreto e maioria absoluta (…) assegurada ampla defesa.”
Com estes parágrafos da Constituição na mão, entrevistei Pedro Serrano, advogado de um dos grandes escritórios de São Paulo, especialista em Direito Constitucional e professor da PUC de São Paulo. Serrano também é um dos principais formuladores da noção de que, na América Latina a Jurisdição tem sido fonte,ocasionalmente , de Exceção e não de direito, como aconteceu nos golpes nos casos dos golpes de Honduras e do Paraguai. Serrano tem apontado que o mensalão pode vir a se traduzir eventualmente, num desses casos, sujeito ainda a estudo mais criterioso depois da publicação do acordão final. A  entrevista:
PERGUNTA- Debate-se, hoje, a possibilidade do Supremo cassar o mandato de três deputados condenados no mensalão antes mesmo que a sentença tenha transitado em julgado. Faz algum sentido?
RESPOSTA -Uma decisão como esta seria inconstitucional. Está na letra da Constituição: só se pode iniciar,  no Legislativo, o debate sobre perda de mandato depois que a sentença transitou em julgado. Isso quer dizer que ela, primeiro, precisa ser publicada. Depois, que a defesa precisa entrar com recursos. Em seguida, estes recursos precisam ser julgados, aceitos ou não. Só depois disso é que a discussão sobre perda de mandato poderia se colocar. Antes disso, a execução do julgamento está suspensa.
PERGUNTA -Por que tantos cuidados?
RESPOSTA -Porque a Constituição assim o determina explicitamente, qual seja que a perda do mandato só se dá pela condenação criminal transitada em julgado, ou seja, porque até a decisão do ultimo recurso a decisão pode, em alguma medida ou extensão ser modificada. Não haveria cabimento condenar a pessoa a uma sanção definitiva, a perda do mandato, em razão de uma decisão ainda não definitiva ou seja ainda pendente de recurso.
PERGUNTA -A Constituição diz que, em caso de condenação criminal, a decisão sobre a perda do mandato cabe à Câmara, em caso de deputado, e ao Senado, em caso de senador. Qual era a intenção do legislador, ao fazer isso?
RESPOSTA – O que se buscou, com isso, foi garantir o equilíbrio entre os poderes. Isso distingue  o poder republicano do poder imperial. Num caso, nós temos a separação entre poderes. Na monarquia, nós temos a centralização das funções estatais num só poder. O texto constitucional deixa claro que o poder do Congresso, neste caso, não é um poder declaratório, mas um poder de conteúdo, constitutivo. Cassar o mandato é prerrogativa da Câmara, no caso de deputado, e do Senado, em caso de senador. É a forma que a Constituição encontra de defesa da soberania popular
PERGUNTA – Vamos supor que o Congresso não concorde com a cassação. É possível, já que a bancada do governo tem maioria na casa. Poderíamos avançar para uma situação de conflito de poderes?
RESPOSTA – É isso que se procura evitar. O Supremo tem o dever de julgar cidadãos, parlamentares ou não, podendo  condená-los ,tecnicamente, aplicando a lei penal  ao caso concreto. Mas o Congresso tem a responsabilidade de defender o mandato popular. Os deputados e senadores são responsáveis pela defesa politica da soberania do povo.
PERGUNTA – O senhor está dizendo que seria um novo julgamento?
RESPOSTA – Não em termos jurídico-penais. Mas seria um juízo politico feito pela Casa Legislativa, pois incidiria sobre o exercício do mandato politico outorgado pelo povo e que só pode ser cassado por seus representantes. Não por acaso, a Constituição exige que, para cassar um mandato, é necessário assegurar “ampla defesa” ao réu. Isso quer dizer que será preciso fazer um processo e que o acusado pode constituir advogado, produzir provas etc. A Constituição diz ainda que a perda de mandato será resolvida por maioria absoluta e pelo voto secreto. Não vejo outra saída no plano constitucional, está no texto de nossa Carta.

http://colunas.revistaepoca.globo.com/paulomoreiraleite/2012/11/18/mandato-parlamentar-e-soberania-do-povo/