Cesar Fonseca em 13/11/2012
O
julgamento do mensalão, ao que tudo indica, vai dar pano para manga por
muitos e muitos anos. Inovação sempre levanta polêmica… e paixão,
especialmente, no campo da política, em que entram em jogo os
interesses, as sensibilidades, a ideologia e, mais importante, a disputa
pelo poder. A inovação do julgamento do mensalão está no fato
inusitado, que espanta geral, em primeiro lugar, a classe jurídica, de
que as provas materiais do crime não vieram à tona, até agora, para
condenar o principal réu. Montou-se um azeitado mecanicismo jurídico de
milhares de páginas, tal como um crime supostamente perfeito, em que a
lógica encaixa as peças, umas, perfeitamente, adaptadas às outras, para
alcançar um veredito a partir de uma pressuposição, configurada na
chamada Teoria do Domínio do Fato. Fato, contudo, sem provas materiais.
Por meio dessa teoria se alcançou uma quase unanimidade da mais alta
corte do país, a fim de condenar os principais líderes políticos do PT
da primeira fase do primeiro governo Lula, entre 2003/005. É, no mínimo,
curioso que a polêmica, em vez de dividir, tenha, praticamente, unido
os senhores juízes, seres ciosos da controvérsia, indispensável para o
exercício do Direito. De repente, o que motiva divisão, promove uma
união fantástica de opiniões dos supremos magistrados. Teoria e prática,
historicamente, na vida humana, invariavelmente, batem cabeça, sabendo
que o ser humano é, essencialmente, ser que erra para alcançar o acerto.
Tudo – na ciência, à moda pestalozziana - se dá por aproximação
experimental: o diagnóstico do médico, do advogado, do engenheiro, do
dentista, do físico, do químico, do economista etc estará sempre
condicionado às circunstâncias de temperatura e pressão, podendo sofrer
variações diversas. Não foi o que aconteceu com o maior julgamento da
história do Supremo Tribunal Federal, em que 40 acusados sentaram no
banco dos réus, para se submeterem ao julgamento baseado numa teoria
jurídica supostamente científica, suspeita de ser um blefe por carência
de suporte material. Os mais e os menos sabidos jurístas colocam as
barbas de molho nesse momento, como é de ser diante da controvérsia e da
falibilidade humana. O abstrato falou mais alto do que o concreto. O
idealismo preponderou sobre o materialismo. O que vem primeiro: o
pensamento ou a ação? Questão suprema: pensar é uma consequência do agir
ou o agir uma consequência do pensar? Ergueu-se a tese que produziu a
antítese mas que não alcançará a síntese, justamente, porque chocou-se
entre si opinião e fato. Inverte-se a ordem dos fatores no julgamento do
mensalão: a máxima de que contra fato não há argumento dá lugar ao seu
oposto, a de que contra o argumento não há fato. Há, sim, suposição. A
verdade, no mínimo, está sob suspeita. Não poderia então o STF sentar no
banco dos réus, se o Congresso dispor-se a politizar a criminalização
da política, ou seja, a prática dos juízes de descuidarem-se do real
para cuidar do imaginário? Poderia pintar, diante do absurdo de que
contra argumento não há fato, o julgamento do julgamento por meio da
discussão política, tipo CPI do julgamento do mensalão?
O idealismo predominou
sobre o materialismo no
Se o Judiciário estaria realmente
criminalizando a política, por que o Legislativo não politizaria tal
criminalização praticada pelo Judiciário?
A esquerda petista está inconformada com
o critério adotado pelos juízes do Supremo Tribunal Federal de lançar
mão da denominada Teoria do Domínio do Fato para condenar os principais
líderes do PT na Era Lula, especialmente, José Dirceu e José Genoínio.
A Teoria do Domínio do Fato foi erguida como deusa da justiça.
Por ser aquele que coordenava todas as
ações políticas no primeiro mandato do Governo Lula, José Dirceu foi
condenado a 10 anos e 10 meses de prisão sob acusação de formação de
quadrilha, porque, na posição que ocupava, tinha o domínio do fato, para
articular e comandar o mensalão, na tarefa de garantir maioria para
governar, no Congresso, mediante compra de votos e consciências.
Em vez de ele ser o elo forte da cadeia,
acabou sendo o fraco, invertendo a verdade divulgada em sentido
contrário, desde sempre.
Começou-se pelo lado econômico da coisa para se chegar ao político.
julgamento do mensalão
pelo STF, porque, simples,
Chegou-se, assim, inversamente, à
determinação de que a política manda no dinheiro e não o contrário, ou
ambos se juntam quando as conveniências recíprocas os aproximam?
Por controlar, enquanto todo poderoso
ministro da Casa Civil, as articulações políticas, cujo objetivo é o de
sustentar governabilidade, Dirceu controlaria, também, a distribuição do
dinheiro da corrupção eleitoral.
Como cabeça, teria o poder de mandar e
desmandar, sendo consultado por todos, enquanto dava conhecimento de
tudo para o seu superior hierárquico, então, o titular do Planalto.
Todas as montagens da peça acusatória
visaram a construção de um enredo com o começo e o fim se dando a partir
da ordem vinda de cima, de Dirceu, responsável maior pelo desenrolar de
todo o processo no qual mergulharam os mensaleiros.
Foi, praticamente, um mecanicismo
jurídico, muito parecido com o raciocínio lógico, com a matemática, que,
no entanto, como diz Hegel, é uma ciência que se constroi no exterior
da realidade, não podendo, portanto, determiná-la.
partiu-se da idéia para
se chegar à matéria,
sendo que, no caso,
Teria sido isso, o mecanicismo
matemático servido de modelo para montagem do mecanicismo jurídico
joaquimbarbosiano, de modo a articular dialética construída de fora para
dentro do real concreto em movimento, de maneira irrefutável?
A montagem da peça foi – está sendo –
tão perfeita que alcançou unanimidade sintomática no conjunto do
colegiado de juízes da suprema corte de justiça brasileira.
Mas, não seria a unimidade, como disse Nelson Rodrigues, uma manifestação da burrice?
Onde estaria a burrice?
Pelo que os advogados apontam, ela
emergeria quase que comicamente, pelo tamanho de sugestiva ingenuidade,
com a constatação da inexistência daquilo que o juiz mais preza, mas que
foi por ele, totalmente, desprezada: a prova do crime.
a matéria significou,
tão somente, uma
O domínio do fato, disseram os juízes,
foi exercido por Dirceu a partir de sua posição privilegiada, no comando
do governo, razão pela qual, logicamente, se conclui que ele sabia de
tudo e, não só, mandava, também, em tudo.
Se era assim, por que maiores provas?
O pressuposto nesse sentido bastou para
que os notáveis do direito do STF descartassem a exigência de documento
de ofício para justicar o domínio do fato, simplesmente, porque o fato
já estava dominado pelo ex-ministro da Casa Civil, tornando-o culpado,
mesmo sem provas.
As provas, pelo que se pode perceber,
foram as próprias articulações políticas, coisa do político, que, tendo
confundidas suas ações, pelos juizes, como provas de prática de
corrupção política, torna-se condenado pela prática da política.
Surreal.
Assim, se articulação política se torna
prática de corrupção, pelo exercício do domínio do fato, mesmo sem
provas, configurando, consequentemente, criminalização da política, do
mesmo modo o julgamento jurídico pode se corromper, se o pressuposto de
sua própria existência – as provas materiais - não for levado em conta
no ato de julgar.
incerta teoria que se
apartou da prática
Ou seja, o político, criminalizado pela
prática da articulação, tida por endêmica produção de corrupção, sob
presidencialismo de coalizão, pode, do mesmo modo, criminalizar o
julgamento jurídico desprovido de provas.
Muita água vai rolar por debaixo da ponte.
Não seria conveniente que essa discussão se desse no Congresso, em amplo debate popular, se tudo desemboca na política?
Se, por um lado, tende a ocorrer a
criminalização da política, caso entendida a prática da articulação
política como corrupção, não poderia, por outro, haver criminalização da
prática jurídica, se se desconsidera o alicerce – a prova do crime –
que dá vida à própria justiça, para embasar a sentença judicial?
http://independenciasulamericana.com.br/2012/11/mensalao-pode-sentar-stf-no-banco-dos-reus/
Nenhum comentário:
Postar um comentário