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segunda-feira, 4 de abril de 2016

Moro é aprendiz de Mussolini, por Jeferson Miola


 
 
 
Moro está mais para aprendiz de Mussolini do que para herdeiro da Mãos Limpas, operação que se valeu de dispositivos fascistas para promover o justiçamento
 
Jeferson Miola
 
Alguns personagens soturnos, celebrizados na arena pública brasileira pelos holofotes da mídia, precisam ser decifrados. O cínico e ousado juiz Sérgio Moro é um deles.
 
Quem leu o ensaio “Considerações sobre a Operação Mani Polite”, que Moro publicou em 2004 com base em estudos sobre a operação Mãos Limpas na Itália dos anos 1990, pensa que naquele experimento está a fonte definitiva de inspiração do justiceiro. Ali ele descreve os procedimentos arbitrários empregados na Lava Jato: prisão prévia ao julgamento; delação obtida através da extorsão psicológica e moral de investigados presos por meses sem julgamento; inversão do ônus da prova; arbítrio jurídico-policial; ideologização das investigações, e uso da mídia para banalizar o autoritarismo jurídico-policial.
 
A inspiração de Moro, todavia, tem ancestralidade anterior, na Itália dos anos 1925-1945 de Benito Mussolini, Il Duce, líder do Partido Nacional Fascista e principal aliado europeu do nazista Adolf Hitler na 2ª Guerra Mundial.
 
Moro evidencia que está mais para aprendiz de Mussolini do que para herdeiro da Mãos Limpas, operação que, inclusive, se valeu de dispositivos [fascistas] de exceção para poder promover o justiçamento, mais do que para o combate à corrupção.
 
No movimento de massas, as palavras de ordem dão sentido às coisas, indicam a direção do combate, traduzem a consciência coletiva sobre os acontecimentos. São, enfim, expressões que canalizam politicamente o sentimento das enormes massas organizadas e mobilizadas.

Dentre as palavras de ordem que embalam as multidões na rua, duas delas são as que melhor definem o significado dos acontecimentos e que melhor indicam as exigências históricas deste período: [1] Não vai ter golpe; Vai ter luta!; e [2] Fascistas!, golpistas!; Não passarão!.
 
Há uma consciência democrática radicalizada no país, uma disposição irredutível de resistência e luta que deriva da certeza de que este é um tempo de avanço perigoso de idéias e valores fascistas. Estas palavras de ordem reverberam a consciência democrática crescente, de que: [1] impeachment sem crime é golpe, e o golpe será derrotado pela luta incansável do povo na rua; e [2] quem promove o golpe são fascistas, e eles serão derrotados – não passarão!.
 
As reiteradas agressões do condomínio jurídico-midiático-policial a Dilma, Lula e ao PT ultrapassam qualquer parâmetro aceitável no mundo civilizado. A 27ª fase da Lava-Jato, batizada por Moro e parceiros de Carbono14, é escatológica na evidenciação dos abusos e absurdos que estão sendo cometidos na investigação que deveria ser da corrupção na Petrobrás, porque assim ele estabelece uma conexão entre isso e o chamado “mensalão”, para construir uma narrativa destrutiva do período de governo do PT.
 
Com a 27ª fase, Moro agiu para eclipsar no noticiário as comoventes manifestações do 31 de março contra o golpe mas, sobretudo, para esconder a descoberta da mentira dele ao STF sobre gravações ilegais de advogados, prática só vista em Estados de exceção, de terror.
 
Há uma disputa fundamental na sociedade brasileira: por um lado, o obscurantismo medieval, inquisitorial; por outro, os valores iluministas das garantias legais e constitucionais, do Estado Democrático de Direito.
A instrumentalização e a partidarização do Estado nas áreas Jurídicas e Policiais é um passo em direção ao abismo. Pior ainda quando a construção da subjetividade, feita de maneira a naturalizar abusos, é processada por monopólios midiáticos como a Rede Globo e outros grupos de mídia.
 
O mal está sendo banalizado na sociedade brasileira. Um exemplo dessa maldade banalizada é a atitude de uma pediatra que abandonou o acompanhamento médico de um bebê por ele “ter cometido o crime” de nascer do útero de uma jovem militante petista – isso num país cuja Constituição considera crime a discriminação por preferência política ou ideológica.
 
O juiz Moro, com sua ousadia descarada, é um vetor do mal. Ele tripudia da legalidade, pisoteia a Constituição e mente descaradamente para o STF. É um cínico que perdeu a noção do limite. Um psicopata que se considera onisciente e onipotente.
 
Na justificativa da 27ª fase da Lava-Jato, este juiz adepto do costume do uso de camisas pretas – muito apreciado pelos extremistas italianos fascios –, condiz com o fascista definido pelo filósofo e pensador italiano Norberto Bobbio:
 
“Ele acusa, insulta, agride como se fosse puro e honesto.
 
Mas o fascista é apenas um criminoso, um sociopata que persegue carreira política. No poder, não hesita em torturar, estuprar, roubar sua carteira, sua liberdade e seus direitos.
 
Mais que corrupção, o fascista pratica a maldade”.
 
Moro justificou a investigação como faria um Ser onisciente e onipresente; um Ser total: ele investiga [policial], ele acusa [promotor], ele julga [juiz], ele condena [tribunal] e, para arrematar, ele também narra e comunica ao público [mídia]!
 
 

DO GGN- Luiz Nassif: O xadrez da Polícia Federal na era das corporações

O xadrez da Polícia Federal na era das corporações

A criação do Sisbin

Nos anos 90, ajudei o então Secretário de Segurança do Ministério da Justiça Walter Maierovitch, com informações sobre as ferramentas utilizadas no mercado financeiro para lavagem de dinheiro.
Na CPI dos Precatórios, passei dias e dias, com minha coluna na Folha, desbastando cada instrumento financeiro utilizado para esquentamento de dinheiro, desde as operações zé-com-zé na Bolsa de Valores até as jogadas com títulos estaduais.
Por conta desse trabalho fui convidado pelo então Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos para abrir um encontro em Pirenópolis (GO), juntando representantes de todos os órgãos de fiscalização – o Ministério Público Federal, Polícia Federal, Receita, Banco Central, COAF, para lançamento da Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência). Estavam lá figuras que se tornariam referenciais nos anos seguintes, como o Procurador Geral Cláudio Fonteles e o diretor da PF Paulo Lacerda. Foi o primeiro Encontro Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (ENLCA) - agora denominado de Encontro Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro.
O pedido de Márcio foi para que eu “descesse a lenha” nos métodos de investigação até então implementados, que desconheciam as nuances do mercado financeiro, e explicasse alguns mecanismos do mercado financeiro para lavagem de dinheiro.
Aproveitei para conversar com alguns dos presentes e o quadro apresentado era entusiasmador. Em Brasilia haviam sido montadas salas de situação onde se reuniam representantes de todos os órgãos para estudar as estratégias conjuntas contra a lavagem de dinheiro.
Descrevi essas mudanças em coluna de 14 de maio de 2005 (http://migre.me/tnFcZ). A partir dali, começava a se fechar o cerco ao crime organizado, à ideia, que imperava desde os anos 70, de que seria impossível o cerco aos paraísos fiscais e às contas, que migrariam de um banco para outro sem deixar rastros.
Saí da reunião com a sensação de que estava sendo construído um novo país. E que o jogo político, os financiamentos de campanha convencionais, jamais seriam os mesmos.
Aparentemente, Márcio esqueceu de informar o governo.

A nova Polícia Federal

Nesse período, houve uma completa reformulação da Polícia Federal. Novos equipamentos, novos métodos de investigação e, principalmente, uma liderança serena e segura de Paulo Lacerda, que incutiu um orgulho extraordinário na força.
Na época, conversei com um consultor contratado para trabalhos de gestão na PF. Na hora de definir o objetivo, houve consenso: em 20 anos ter o mesmo nível do FBI.
A PF ganhou equipamentos de ponta, aprendeu a fazer gestão, aprimorou seus métodos de invesigação e, principalmente, teve acesso a parcerias internacionais armadas até os dentes com as novas tecnologias. A prisão do comendador Arcanjo – chefe da contravenção do Mato Grosso – foi um feito extraordinário. Através do GPS, o FBI orientou os agentes até o cômodo da casa onde Arcanjo se escondia.
Como consequência natural, a nova Polícia Federal – assim como o Ministério Público Federal (MPF) – quis testar a musculatura adquirida.
Houve tentativas iniciais de invasões de escritórios de advogados. Depois, Operações de nomes vistosos, algumas discretas e bem-sucedidas – como a da Daslu -, outras polêmicas e conflituosas, como a Satiagraha e a Castelos de Areia.
Dois episódios liquidaram com essa lua-de-mel.
O primeiro, a maneira como o governo Lula atuou no caso Satiagraha, humilhando a grande referência da PF – Paulo Lacerda, na época na ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) – e os delegados da Satiagraha. Salvou o PSDB e gerou um ódio mortal na corporação.
A segunda, a indicação de José Eduardo Cardozo para o Ministério da Justiça.
Cardozo montou uma estratégia fatal.
Na parte administrativa, deixou a PF às moscas. Não implementou um programa sequer.
No auge da guerra contra a TelexFree – o maior golpe já aplicado contra brasileiros na história – depois de muito cobrar a participação do Ministério da Justiça, Cardozo acabou me colocando em contato com um alto quadro da PF. A primeira frase da autoridade: “Senhor jornalista, quando vier a Brasília vamos conversar para contar o que o Ministro está fazendo com a PF”.
Para manter-se no cargo sem ser incomodado, Cardozo entregou todos os anéis e dedos para a corporação, trouxe cerca de dez policiais federais para sua assessoria, garantiu à tropa a ampliação do poder, mantendo a presidente desinformada sobre a marcha do golpe. E há suspeitas de que tenha sido responsável por parte dos vazamentos que inundaram a imprensa no período.
Semanas atrás, policiais da PF fizeram chegar à Casa Civil um material que mostraria aparelhamento da Lava Jato pelo PSDB do Paraná. Junto com o material, o alerta para não passar o material para o Ministério da Justiça, “senão mela”. Dias depois o dossiê saiu publicado na revistaVeja. Questionadas, as fontes da Casa Civil confirmaram que o MJ havia tido acesso aos documentos. Pode ter sido coincidência; pode ser que não.
Outra figura chave foi o líder do governo no Senado, senador Humberto Costa. Apanhado na Operação Sanguessuga, Costa fechou um pacto político com a PF, ajudando a aprovar um conjunto de leis que permitiu à PF um emponderamento inédito.
A lei 12.830 garantiu controle total sobre inquérito policial. Agora, tudo passa pela PF, desde inquéritos do IBAMA, INSS. Imagine-se um delegado comandando 400 investigações.
Outra foi a lei 12.850, de combate ao crime organizado e à delação premiada. Em qualquer país do mundo, a delação é acompanhada pelo Ministério Público. A nova lei dá agora essa exclusividade aos delegados.
Costa e Cardozo tiveram papel central na aprovação dessas duas leis.  E se aliaram aos delegados nas discussões sobre a MP 650, que pretendia definir uma carreira única para o órgão.
Na verdade, os delegados colocaram uma faca no pescoço do governo e saíram vitoriosos.
A faca, no caso, foi um bilhete manuscrito de Alberto Yousseff que continha um mero “Dilma 17 viagem”. O bilhete apareceu em abril de 2014 e não foi encaminhado à Procuradoria Geral da República, ficou nas mãos dos delegados.
Apenas no último dia 11 de março uma reportagem da revista IstoÉ (http://migre.me/tnH8O)relatou parte da história. Segundo a revista, a contadora de Yousseff, Meire Poza, contou que, ao tomar conhecimento do bilhete, o delegado Márcio Anselmo vibrou: “Que coisa maravilhosa! “. Os documentos foram guardados no porta-malas de uma Range Tober Evoque apreendida pela Lava Jato, e que ficou a serviço da PF, e só reapareceram agora.
Teria sido esta a arma da qual se valeram delegados para forçar o governo a aprovar a MP 657/2014, tornando privativo de delegados de classe especial o cargo de diretor-geral da PF (http://migre.me/tnHnd). Em apenas duas semanas, a MP virou a Lei 13.047.
O feito foi comemorado pelo deputado e delegado Fernando Franceschini, que se vangloriava de ter botado “o governo de joelhos” (http://migre.me/tnHu1).
O ponto final foi o pacto em torno do helicóptero do senador Zezé Perrela, aliado e amigo de Aécio Neves, transportando 450 quilos de cocaína. O abafamento do caso teria sido fruto de um acordo entre a banda tucana da PF, em troca de segurar a Operação Acrônimo, que envolvia o então candidato ao governo de Minas, Fernando Pimentel. Chegou-se ao feito inédito de um delegado da PF soltar uma declaração inocentando Perrela, fato sem precedentes na história da PF.
Ainda não se contou a influência do tráfico na política brasileira. Mas essa é outra história.
Esse é o mundo sem corrupção criado nas fantasias alimentadas pela Lava Jato, a partir do momento que escolheu lado.

As novas corporações

A Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal tiveram papel central nas armações contra Dilma. Foram parciais, em alguns momentos flagrantemente partidárias, mas fogem do figurino tradicional do golpismo latino-americano, de aplainar o terreno para um salvador da oposição – embora na prática seja isso o que ocorre, ao livrar os líderes da oposição de indiciamentos.
Nos dois casos, houve uma reação das corporações para se transformar em poderes autóctones.
Tome-se o caso do PGR Rodrigo Janot. Não se tenha dúvida de que foi o grande estrategista da Lava Jato. Criou as condições para o sucesso da Operação, provavelmente definiu o escopo das investigações, amarrou a cooperação internacional, alocou na força tarefa seus melhores procuradores e seus melhores recursos, monitorou passo-a-passo para não sair da legalidade e fez três intervenções que mostraram claramente o seu lado no jogo:
1.    Ao encaminhar para a Lava Jato denúncia vaga (e incorreta) de um obscuro parlamentar do Norte, com base em reportagem da revista Veja informando que a OAS teria feito reformas no sítio de Atibaia. Duas instâncias tinham recusado ir adiante, pela precariedade das informações. Janot deu seguimento ajudando a ressuscitar a tese do impeachment, que tinha perdido fôlego no final do ano passado.
2.    Ao autorizar a liberação dos grampos com conversas informais de Lula.
3.    Ao devolver o processo de Lula ao juiz Sérgio Moro.
E, no entanto, Janot é um procurador exemplar. Não tem ambições pessoais: ao contrário, é representante integral das ambições da corporação. Seus assessores pessoais acreditam que "ele quer fazer o correto". E essa convicção mantém coesa a corporação. Toda sua estratégia visou ampliar a influência institucional do Ministério Público Federal, blindar a Lava Jato contra as interferências que anularam operações anteriores, à custa de um pacto com a Globo, incluindo a blindagem da organização. Temperou com um tanto de solidariedade mineira.
Mas não lhe peça para analisar os desdobramentos dessa atuação na vida política nacional, os impactos dessa radicalização nas próximas gerações, a abertura do precedente de um golpe legalizado (é golpe, sim), as consequências do vácuo político criado, as ameaças de retrocesso dos avanços sociais conquistados. Seu foco é o MPF, ponto. Ele não é especialista em Brasil: é em MPF. Aliás, ele não é Brasil: é MPF.
Trata-se de uma corporação com grandes especialistas em todas as áreas do direito e com algumas contribuições inestimáveis para o avanço civilizatório. Mas a inteligência corporativa é escassa, especialmente para temas políticos e institucionais. Como declarou certa vez um ex-presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), o Brasil é um oceano de corrupção que circunda a única ilha de honestidade, que é o Ministério Público. Questionar, quem há de?
Há plena convicção na corporação (com as notáveis exceções individuais) de que é possível controlar totalmente a corrupção, que arrebentar com cadeias produtivas produzirá uma economia mais forte, que criminalizar toda forma de apoio às empresas trará segurança jurídica, que criminalizar a política, a purificará. É uma segurança férrea, inamovível, questão de fé.
Mais do que um problema do MPF, reflete o desmoronamento institucional a partir do momento em que a presidência deixou de articular um projeto de país.
Em 1964 havia uma corporação com poder: a militar.
Agora, o que se tem é uma implosão do sistema político e do sistema institucional, com cada poder aproveitando o vácuo para ampliar seu latifúndio e sem um poder central capaz de articular e unificar as ações, atuar como algodão entre cristais, articular pactos entre os poderes.
Na hipótese de queda de Dilma, esse será um complicador a mais. Na parte política, armado de suas prerrogativas constitucionais, o poder empalmado pelo grupo de Eduardo Cunha, tendo Michel Temer como bastante procurador. Na outra ponta, o MPF e a PF pintados para a guerra. Pairando acima o STF (Supremo Tribunal Federal), mas tão acima, tão acima, que não venha ninguém atrapalhar seu sono. E, na base, a multidão dos desassistidos, organizados por todo o país, inconformados com as janelas que se fecharão na grande noite que se prenuncia.
Daqui até 2018 há uma grande caminhada.
Em sua nova versão, mais uma vez Brasilia tenta enquadrar o restante do país, encaixotar o país em gabinetes, monitorados por tecnologias avançadas, com a missão salvacionista consagrada no evento de ontem na PGR, sobre as 10 medidas contra a corrupção.

Professor Unicamp, diz que Lava Jato é máquina de inquisição para tomar o poder

Para professor da Unicamp, Lava Jato é máquina de inquisição para tomar o poder


francisco-foot-hadmannO professor  Francisco Foot Hardman, da Unicamp e responsável pela cátedra em história da cultura brasileira na Universidade de Bolonha, na Itália, é mais um intelectual brasileiro que desperta diante dos acontecimentos recentes do Brasil.
Para ele, em artigo publicado na Folha de S. Paulo, a Lava Jato funcionou perfeitamente como uma máquina inquisitória interminável e concatenada politicamente para a tomada do poder.
“Na Operação Lava Jato, a perícia é instalar uma máquina inquisitória interminável, a serviço dos mesmos poderes que já comemoram a próxima derrubada do governo e a destruição de seu oponente mais difícil. Aqui não se ouve, prende-se. Aqui não se solta, extrai-se delação. Aqui não se ajuíza, panfleta-se. Que o timing concatenado de seu vazamento fabricará a “verdade” do dia’, escreveu em artigo
E mais: “Eduardo Cunha, presidente da Câmara, inventou as pautas-bombas para livrar a própria cara e permanecer onde está. O juiz-mor [Sérgio Moro] faz da agitação processual sua bomba de efeito moral, mesmo que às custas do atropelamento de qualquer legalidade. Contra os agentes do poder estatal que se protegem na sombra, a sombra de um grampo transparente em sua obscuridade”.
Hardman diz que a Lava Jato é o “Processo” de Kafka feito para se eternizar, meta que agentes de uma Justiça e uma polícia autorreferentes cobiçam como sonho autocrático. (Veja íntegra)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Supremo derruba decisão de Moro que divulgou grampo de Dilma

Sigilo violado

Supremo derruba decisão de Moro que divulgou grampo de Dilma

É descabido usar o interesse público para justificar a divulgação de conversas telefônicas entre pessoas públicas, como se as autoridades ou seus interlocutores estivessem desprotegidos em sua intimidade e privacidade. Assim entendeu o Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira (31/3), ao considerar que a divulgação de telefonema entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) violou o direito fundamental à garantia de sigilo.
Por votação unânime, o Plenário da corte manteve liminar que suspendeu a divulgação de conversas tornadas públicas pelo juiz federal Sergio Fernando Moro, em meio à operação “lava jato”. A decisão desta quinta também determina que fiquem no Supremo todas as investigações que envolvem Lula, até a análise do mérito. Esse entendimento foi por maioria de votos (8 votos a 2).
No dia 16 de março, Moro considerou que o interesse social era suficiente para retirar o sigilo de investigações contra Lula em andamento na 13ª Vara Federal de Curitiba. O problema é que, em uma das interceptações telefônicas, o ex-presidente falava ao telefone com Dilma.
Sem analisar a validade do grampo ou o conteúdo do diálogo, o ministro Teori Zavascki, relator do caso, disse que a conversa não poderia ter sido divulgada ao público. Além da garantia fundamental do sigilo, ele considerou que o juiz federal não tinha competência para avaliar as provas coletadas. Mesmo que o alvo das interceptações não tivesse foro por prerrogativa de função, a mera presença da presidente da República levaria os autos ao STF.
Teori afirmou que é preciso punir todos os responsáveis por crimes, independentemente do cargo ocupado, porém defendeu que esse combate deve respeitar a Constituição. Medida contrária, afirma, “pode reverter justamente no resultado contrário”. “Não será a primeira vez que, por força de cometimento de ilegalidade no curso das investigações ou no curso da ação penal, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça anularam procedimentos penais nessas situações.”
Para o ministro Marco Aurélio, “não há justificativa plausível para uma divulgação como a que ocorreu nesse processo, (...) que colocou mais lenha em uma fogueira cuja chama já estava muito alta, em prejuízo da paz social e da segurança jurídica”.
O decano Celso de Mello afirmou que o dever de proteção constitucional precisa ser respeitado “mesmo que o clamor popular se manifeste contrariamente”.
“Foro provisório”
A maioria dos ministros também entendeu que cabe ao tribunal, e não ao juízo de primeira instância, definir se os autos serão desmembrados. Os ministros Luix Fux e Marco Aurélio ficaram vencidos nesse ponto, por não verem sentido em suspender investigações de pessoas sem foro especial.
O presidente da corte, ministro Ricardo Lewandowski, apontou que já é pacificado o entendimento de que juízo incompetente não pode tomar qualquer procedimento. Ele relembrou que já há proposta de súmula vinculante para definir que qualquer citação a autoridade deve ser enviada imediatamente ao tribunal competente (PSV 115, hoje em análise no gabinete de Teori).
Segundo Lewandowski, existem hoje juízes que cometem “múltiplos abusos” ao investigar pessoas com prerrogativa de foro, sob o argumento de encontros fortuitos de provas. Ele negou, porém, ter feito qualquer referência a Sergio Moro.
O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, fez sustentação oral representando a presidente. Ele disse que mesmo um magistrado “culto, zeloso, trabalhador e abnegado”, como Moro, precisa atuar com limites. Segundo Cardozo, divulgar conversa do chefe do Poder Executivo viola a segurança nacional, mesmo que o conteúdo do diálogo não trate de assunto do governo federal.
Antes do julgamento, Moro havia enviado ofício a Teori para explicar seu ato. Ele afirmou não ter enviado o material ao Supremo por falta de indícios de que Dilma tenha cometido atos ilícitos ou tentado atrapalhar investigações. “Diante da controvérsia decorrente do levantamento do sigilo (...), compreendo que o entendimento então adotado possa ser considerado incorreto, ou mesmo sendo correto, possa ter trazido polêmicas e constrangimentos desnecessários”, declarou.
Rcl 23.457
* Texto atualizado às 17h20 e às 18h15 do dia 31/3/2016 para acréscimo de informações.
FONTE _  http://www.conjur.com.br/2016-mar-31/supremo-derruba-decisao-moro-divulgou-grampo-dilma    CONJUR 

Operadora informou juiz Sergio Moro sobre grampo em escritório de advocacia

Conflito de versões


A operadora de telefonia que executou a ordem para interceptar o ramal central do escritório de advocacia Teixeira, Martins e Advogados já havia informado duas vezes ao juiz federal Sergio Fernando Moro que o número grampeado pertencia à banca, que conta com 25 advogados. Apesar disso, em ofício enviado ao Supremo Tribunal Federal nesta semana, Moro afirmou desconhecer o grampo determinado por ele na operação “lava jato”.
Dois ofícios enviados pela Telefônica à 13ª Vara Federal de Curitiba, no dia 23 de fevereiro (quando foram determinados os grampos) e outro do dia 7 de março (quando foram prorrogadas as escutas), discriminam cada um dos números que Moro mandou interceptar. Os documentos deixam claro que um dos telefones grampeados pertence ao Teixeira, Martins e Advogados, descrevendo, inclusive, o endereço da banca.
Os documentos estão no processo que determinou a quebra do sigilo também dos telefones do Instituto Lula e de seu presidente, Paulo Okamotto; do Instituto de Pesquisas e Estudos dos Trabalhadores; bem como de Vania de Moraes Santos, Elson Pereira Vieira e Clara Ant.
Ao Supremo, Moro afirmou não ter sido informado sobre grampo em escritório.
Divulgação/Ajufe
Os ofícios colocam em xeque a afirmação feita por Moro em documento enviado ao Supremo no último dia 29, no qual o juiz confirma ter autorizado o grampo no celular do advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Roberto Teixeira, mas diz não saber das interceptações telefônicas do seu escritório.
Ao se explicar para o STF, Moro afirmou: “Desconhece este juízo que tenha sido interceptado outro terminal dele [Roberto Teixeira] ou terminal com ramal de escritório de advocacia. Se foi, essas questões não foram trazidas até o momento à deliberação deste juízo pela parte interessada”.
Além dos documentos da empresa Telefônica enviados a Moro em fevereiro e março, o próprio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil já havia enviado um ofício ao juiz federal requerendo informações sobre a interceptação dos telefones do escritório Teixeira, Martins e Advogados durante a “lava jato”, uma semana antes de o juiz enviar ao STF o documento interpretado como um pedido de desculpas pelos transtornos causados com a divulgação de conversas da presidente Dilma Rousseff.
A assessoria de imprensa da Justiça Federal do Paraná afirmou que não vai se manifestar sobre o assunto.
Em pauta
O assunto pode esquentar a discussão nesta quinta-feira (31/3) no Supremo Tribunal Federal, uma vez que, segundo a pauta de julgamento, o Plenário vai deliberar sobre a decisão liminar do ministro Teori Zavascki que determinou a remessa ao STF de procedimentos em trâmite na 13ª Vara Federal de Curitiba que envolvam interceptação de conversas telefônicas do ex-presidente Lula.
Esta reclamação, especificamente, aponta o fato de as interceptações registrarem diálogos com a presidente da República, Dilma Rousseff, e com outros agentes públicos que detêm prerrogativa de foro. Teori decidiu que cabe apenas ao STF decidir sobre a necessidade de desmembramento de investigações que envolvam autoridades com prerrogativa de foro.
Sigilo ameaçado
Reportagem da ConJur mostrou que o Ministério Público Federal indicou o número do escritório como se fosse de uma empresa do ex-presidente Lula (Lils Palestras e Eventos), conseguindo que segredos e estratégias de defesa em centenas de casos chegassem às mãos dos acusadores antes de serem levadas aos tribunais. O MPF diz que foi por engano, mas silencia a respeito da destruição das conversas.
O resultou foi que conversas de todos os 25 advogados do escritório com pelo menos 300 clientes foram grampeadas, além de telefonemas de empregados e estagiários da banca. Levando em conta a fatura telefônica do Teixeira, Martins e Advogados, à qual a ConJur teve acesso, é possível concluir que ao menos 100 horas de conversas estão arquivadas no sistema Guardião do MPF. O sistema não intercepta, mas organiza e armazena os dados e conversas dos grampos, permitindo inclusive o cruzamento de dados por hora, dia e até pela voz do alvo.
Os membros da força-tarefa da operação “lava jato” afirmaram que o telefone do Teixeira, Martins foi incluído no pedido por constar no site "FoneEmpresas" como sendo da Lils Palestras e Eventos. Além disso, os membros do MPF ressaltam que Moro autorizou a interceptação. Uma busca pelo número de telefone no Google, no entanto, já traz em seus primeiros resultados o escritório de advocacia.
A ConJur  também ligou para o número indicado no processo e ouviu a gravação que começa com a seguinte frase: “Você ligou para Teixeira, Martins e Advogados”. Durante a interceptação por pelo menos 30 dias, os investigadores parecem não ter percebido o “engano”. Os procuradores argumentam ainda que não juntaram transcrições das escutas do telefone central do escritório nos autos do processo — constando no relatório os registros das ligações envolvendo o número.
Segundo o processo, Moro autorizou essa escuta por entender que ela poderia “melhor esclarecer a relação do ex-Presidente com as empreiteiras [Odebrecht e OAS] e os motivos da aparente ocultação de patrimônio e dos benefícios custeados pelas empreiteiras em relação aos dois imóveis [o triplex em Guarujá (SP) e o sítio em Atibaia (SP)]”.

Clique aqui e aqui para ler os ofícios enviados à 13ª Vara Federal de Curitiba.
*Texto alterado às 16h51 do dia 31 de março de 2016 para atualização

FONTE   http://www.conjur.com.br/2016-mar-31/operadora-informou-juiz-sergio-moro-grampo-escritorio   CONJUR

Autoridades em grampos divulgados por Sergio Moro podem pedir indenização

Danos à imagem

Autoridades em grampos divulgados por Sergio Moro podem pedir indenização

Por terem suas conversas telefônicas ilegalmente divulgadas ao público pelo juiz federal Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente Dilma Rousseff (PT), os ministros Jaques Wagner e Nelson Barbosa, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), e os demais envolvidos nos áudios podem processar a União por danos morais. E se o Estado concluir que Moro agiu com dolo ou culpa, pode exigir que ele reponha aos cofres públicos os eventuais valores gastos com as indenizações.
A Administração Pública responde objetivamente pelos danos causados por seus agentes, conforme estabelece o artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição. O juiz da “lava jato”, ao divulgar o conteúdo dos grampos feitos em aparelhos ligados a Lula, violou o artigo 8º da Lei das Interceptações Telefônicas (Lei 9.296/1996), que determina o sigilo das gravações e transcrições.
E a justificativa de Moro para essa medida, de que o interesse público prevalece sobre a intimidade, não se sustenta, opina o criminalista Rogério Taffarello. “O texto legal não permite exceções ao sigilo que se impõe ao produto da interceptação. Ao contrário do que alguns afirmam, não há espaço aqui para supor que o interesse público faria ceder de forma absoluta a garantia individual: a análise de proporcionalidade entre os interesses em jogo foi feita pelo legislador, que aqui estabeleceu uma regra e não um princípio, e ela só não seria integralmente aplicável se não estivesse vigente ou fosse inconstitucional. Dessa forma, as gravações no processo penal só podem ser acessadas por investigadores, acusadores, defensores e juiz”.
Com essa medida, o juiz federal expôs indevidamente a privacidade do ex-presidente e de seus interlocutores. E esse ato ilícito já gerou efeitos negativos aos envolvidos. Dilma foi acusada de nomear Lula ministro da Casa Civil apenas para que ele ganhasse foro privilegiado e fugisse de Sergio Moro. Isso serviu de fundamento para o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes para suspender a posse do petista no cargo.
Além de ainda não ter assumido a pasta, o ex-presidente também foi criticado por tentar interferir nas investigações contra ele. Isso porque Lula declarou que o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, deveria cumprir “papel de homem” quanto à “lava jato”, disse a Dilma que a Suprema Corte está “totalmente acovardada” e pediu que Jaques Wagner conversasse com a presidente sobre a ministra Rosa Weber, que julgaria um pedido de suspensão das investigações sobre dois imóveis atribuídos ao líder do PT, um triplex em Guarujá (SP) e um sítio em Atibaia (SP) — o qual Rosa acabou negando. O decano do STF, Celso de Mello, rebateu essas afirmações, classificando-as de “reação torpe e indigna, típica de mentes autocráticas e arrogantes, que não conseguem disfarçar o temor do império da lei e de juízes livres e independentes”.
Outro que se prejudicou com a divulgação de conversas privadas foi Eduardo Paes, que brincou com Lula dizendo que ele tinha “alma de pobre”, pois Atibaia, onde ele é acusado de ter um sítio, se fosse no estado do Rio, não seria uma área nobre como Petrópolis ou Itaipava, e sim em Maricá, “uma merda de lugar”. Depois das críticas, o prefeito carioca teve que pedir desculpas públicas à população da cidade. Além disso, foram revelados diálogos de pessoas que não eram investigadas – como Jaques Wagner, Nelson Barbosa e o presidente do PT, Rui Falcão – e que em nada contribuíam para o processo – como papos entre a mulher de Lula, Marisa, e o filho deles Fábio Luís sobre os panelaços, e entre o ex-presidente e seu irmão Vavá, com assuntos mundanos.
Por causa dos prejuízos que sofreram pela exposição irregular de suas conversas, Lula, Dilma e os demais interlocutores podem processar a União, explica o jurista Lenio Streck, que aponta que “pesados danos ocorreram às imagens da presidente e do ex-presidente”. Também nessa linha, o ex-presidente da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil Antonio Cláudio Mariz de Oliveira ensina que qualquer um que se sentir abalado moralmente pela divulgação de fatos de sua vida privada poderá reivindicar compensação.
E se o Estado – depois de pagar as indenizações – entender que Sergio Moro agiu com dolo ou culpa ao levantar o sigilo dos áudios, poderá mover ação regressiva contra ele. Nesse caso, o juiz federal pode ser condenado a ressarcir a Administração Pública os valores que ela eventualmente gastar com as reparações pelos danos morais, analisa o professor de Processo Penal da USP Gustavo Badaró.
O desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de Direito Penal da PUC-SP Guilherme Nucci concorda que cabe indenização pela disponibilização de conversas privadas “que nada interessam à sociedade”. Contudo, ele avalia que o Estado – e Sergio Moro, consequentemente – não responde pela divulgação de diálogos de autoridades, o que garante ser um ato legítimo. Isso porque o interesse público, previsto no artigo 93, IX, da Constituição, prevalece sobre o sigilo das escutas estabelecido pelo artigo 8º da Lei das Interceptações Telefônicas.
Crime ou não?
Devido à divulgação da conversa entre Lula e Dilma ocorrida após o fim da autorização para as escutas, Sergio Moro pode ter que responder por crimes e violações funcionais, analisam especialistas. Na visão de Badaró e de um advogado criminalista ouvido pela ConJur, a conduta do juiz – quebrar sigilo de Justiça – se enquadra no delito do artigo 10º da Lei das Interceptações Telefônicas.
Já Streck entende que Moro, por saber que estava lidando com uma prova ilícita – como ele mesmo assumiu posteriormente – “assumiu o risco” de cometer o crime do artigo 325 do Código Penal (revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação). O jurista também opina que o juiz da “lava jato” violou “no mínimo” seis artigos da Resolução 59 do Conselho Nacional de Justiça, especialmente o artigo 17.
Mais uma vez, Nucci discorda dos dois e afirma que Sergio Moro não cometeu crime. Segundo o professor da PUC-SP, o sigilo telefônico de Lula foi quebrado de forma regular, pois existiam no processo provas que apontavam a ocorrência de crime e indícios de autoria. E ele garante que o juiz não pode praticar o delito do artigo 10 da Lei das Interceptações Telefônicas.
“O artigo 10 abrange, basicamente, quem é estranho ao processo criminal (ou investigação) e não tem poderes para determinar a interceptação. Parece-me que o caso é mais simples, visto ter sido feita a referida interceptação a mando de quem detinha legitimidade para tanto.”
O criminalista Mariz de Oliveira tem entendimento semelhante, e argumenta que esse dispositivo não se aplica ao caso por ter havido regular autorização judicial para as escutas.
Efeitos para as investigações
As conversas de Lula que foram gravadas até as 11h13 da quarta-feira (16/3) – quando Sergio Moro decretou o fim das escutas — não perdem sua validade processual por terem sido divulgadas, avaliam os especialistas em Direito Penal ouvidos pela ConJur. Entretanto, eles declaram que o diálogo de Lula e Dilma captado às 13h32 do mesmo dia é prova ilícita, e não pode ser usada.
Mas a divulgação irregular desse áudio “já produziu danosos efeitos midiáticos”, diz Mariz de Oliveira. Gustavo Badaró, por sua vez, afirma que a confirmação da ligação por Dilma permite que o conteúdo dela seja valorado judicialmente.
FONTE : http://www.conjur.com.br/2016-mar-22/autoridades-grampos-divulgados-moro-podem-pedir-indenizacao    CONJUR 

quarta-feira, 23 de março de 2016

NILDA 17 anos vitima da Ditadura - PODERIA TER SIDO SUA FILHA, SUA IRMÃ, SUA NAMORADA...

O martírio da jovem Nilda Carvalho Cunha, 17 anos, nos porões da ditadura


PODERIA TER SIDO SUA FILHA, SUA IRMÃ, SUA NAMORADA...
Nilda Carvalho Cunha foi presa na madrugada de 19 para 20 de agosto de 1971, no cerco montado ao apartamento onde morreu Iara Iavelberg. Foi levada para o Quartel do Barbalho e, depois, para a Base Aérea de Salvador. Sua prisão é confirmada no relatório da Operação Pajuçara, desencadeada para capturar ou eliminar o guerrilheiro Carlos Lamarca e seu grupo.
Nilda foi liberada no início de novembro do mesmo ano, profundamente debilitada em consequência das torturas sofridas. Morreu em 14 de novembro, com sintomas de cegueira e asfixia. Ela tinha acabado de completar 17 anos quando foi presa. Fazia o curso secundário e trabalhava como bancária na época em que passou a militar no MR-8 e a viver com Jaileno Sampaio.
[...] um pouco do que Nilda contou de sua prisão:

– Você já ouviu falar de Fleury? Nilda empalideceu, perdia o controle diante daquele homem corpuloso. – Olha, minha filha, você vai cantar na minha mão, porque passarinhos mais velhos já cantaram. Não é você que vai ficar calada [...]. Dos que foram presos no apartamento do edifício Santa Terezinha, apenas Nilda Cunha e Jaileno Sampaio ficaram no Quartel do Barbalho. Ela, aos 17 anos, ele, com 18. – Mas eu não sei quem é o senhor... – Eu matei Marighella. Ela entendeu e foi perdendo o controle. Ele completava: – Vou acabar com essa sua beleza – e alisava o rosto dela. Ali estava começando o suplício de Nilda. Eram ameaças seguidas, principalmente as do major Nilton de Albuquerque Cerqueira. Ela ouvia gritos dos torturados, do próprio Jaileno, seu companheiro, e se aterrorizava com aquela ameaça de violência num lugar deserto. Naquele mesmo dia vendaram-lhe os olhos e ela se viu numa sala diferente quando pôde abri-los. Bem junto dela estava um cadáver de mulher: era Iara, com uma mancha roxa no peito, e a obrigaram a tocar naquele corpo frio. No início de novembro, decidem libertá-la. [...] Na saída, descendo as escadas, ela grita: – Minha mãe, me segure que estou ficando cega. Foi levada num táxi, chorando, sentindo-se sufocada, não conseguia respirar. Daí para a frente foi perdendo o equilíbrio: depressões constantes, cegueiras repentinas, às vezes um riso desesperado, o olhar perdido. Não dormia, tinha medo de morrer dormindo, chorava e desmaiava. – Eles me acabaram, repetia sempre [...].

Em 4 de novembro, Nilda foi internada na clínica Amepe, em Salvador [...] No mesmo dia, os enfermeiros tentaram evitar a entrada do major Nilton de Albuquerque Cerqueira em seu quarto de hospital, mas não conseguiram. Na presença da mãe, ele ameaçou Nilda, disse que parasse com suas frescuras, senão voltaria para o lugar que sabia bem qual era. O estado de Nilda se agravou, e ela foi transferida para o sanatório Bahia, onde faleceu, em 14 de novembro. No seu prontuário, constava que não comia, via pessoas dentro do quarto, sempre homens, soldados, e repetia incessantemente que ia morrer, que estava ficando roxa. A causa da morte nunca foi conhecida. O atestado de óbito diz: “edema cerebral a esclarecer”.
(Trecho do livro Direito à memória e à verdade: Luta, substantivo feminino Tatiana Merlino – São Paulo: Editora Caros Amigos, 2010.)
Nilda não foi violentada apenas por seus torturados. Foi violentada pelos donos dos meios de comunicação que apoiaram e sustentaram o regime militar. Foi violentada também por todos aqueles empresários e políticos reacionários que financiaram a repressão e lucraram com seu sangue, com suas lágrimas e com sua dor.
Nilda poderia ter sido uma adolescente comum, feliz, cheia de sonhos. Mas a ganância, o egoísmo e a brutalidade de uma elite privilegiada e sem compromisso com nosso país, deram esse trágico fim a sua vida. Esta elite jogou milhares de jovens na clandestinidade, os torturou e os matou.
Nilda ainda vive em cada um de nós, que acreditamos e lutamos pelos direitos humanos, pela vida, pela justiça e pela igualdade social. Mas ela continua sendo torturada nos dias de hoje. Ela está sendo torturada pela mídia que é contra os julgamentos dos criminosos da ditadura militar. E ela continuará sendo torturada enquanto políticos e empresários que apoiaram esse regime bárbaro continuarem livres. Ela foi torturada pelos atuais ministros do Supremo Tribunal Federal que recusaram o pedido de condenação dos praticantes de violações contra os direitos humanos nos porões do exército.
Não deixe que aqueles que tentaram apagar Nilda da História tenham êxito. Nosso país somente terá democracia plena quando acertar as contas com seu passado. Apóie a Comissão da Verdade e Reconciliação que irá julgar os crimes praticados pelos órgãos de repressão do regime militar. Crimes contra a humanidade não prescrevem!