Os efeitos da Operação Satiagraha da PF
Como a operação da PF, que levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, o investidor Naji Nahas e o
ex-prefeito Celso Pitta, desencadeou uma crise institucional, dividiu a Justiça e desembocou num
jogo de ameaças que ainda está longe de terminar.
O banqueiro Daniel Valente Dantas, dono do Opportunity, usou um celular internacional para
chamar o investidor Naji Robert Nahas às 9 horas, 31 minutos e 25 segundos do dia 13 de maio.
Perguntou onde Nahas se encontrava. Ao saber que era em São Paulo, avisou que no dia seguinte o
investidor seria procurado por um emissário seu. “Vou pedir para te procurar aí, tá bom?”, disse
Dantas. O banqueiro imaginava que estivesse protegido de monitoramento: um telefone móvel com
número de outro país, uma conversa de poucos segundos e uma reunião à qual não estaria presente.
A realidade, porém, era diferente. Às 11h30 do dia seguinte, quando o emissário de Dantas,
Humberto José Rocha Braz, saiu do escritório de Nahas, estava sob a mira da Polícia Federal, que
registrara a visita em fotografias. Dois meses depois, Dantas, Nahas e outras 17 pessoas foram
presas pela Polícia Federal em uma ação desencadeada na terça-feira 8 em São Paulo, Rio de
Janeiro, Brasília e Salvador. Entre os presos estava o exprefeito de São Paulo Celso Pitta. Nos
próximos dias, outro banqueiro famoso, Salvatore Cacciola, também deverá ser recolhido à
carceragem da Polícia Federal: homens da instituição já viajaram rumo a Mônaco para trazê-lo de
volta ao País.
Batizada como Operação Satiagraha, uma referência à expressão “firmeza na verdade”, usada pelo
líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948), a ação da PF, conduzida pelo delegado Protógenes
Queiroz, impressiona pelos seus números. Foi a primeira vez que se quebrou o sigilo bancário e
fiscal completo de um banco e de todos os seus investidores, com a análise das informações
armazenadas em disco rígido de 120 gigabytes do servidor do Banco Opportunity, apreendido em
2004, durante outra operação policial. Aos dados obtidos no disco rígido e em diligências realizadas
nos últimos três anos, a Polícia Federal somou informações coletadas por meio de interceptação
telefônica, ambiental e até telemática. Ou seja, grampeou inclusive trocas de e-mails de funcionários
e diretores do banco e concluiu que Dantas e Nahas seriam os chefes de organizações distintas,
“mas interligadas para cometimento de crimes”. Desde a semana passada, os dois são formalmente
acusados de formação de quadrilha, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. “As
duas organizações envolvem uma engenharia financeira que pouco se viu”, diz o procurador da
República Rodrigo De Grandis.
De acordo com documentação enviada ao Supremo Tribunal Federal pelo juiz Fausto Martin de
Sanctis, da 6a Vara Federal de São Paulo, especializada em crimes contra o sistema financeiro
nacional o Opportunity de Dantas criou um fundo nas Ilhas Cayman para que residentes no Brasil e
no Exterior aqui investissem sem a devida comunicação à Receita Federal e ao Banco Central.
Nahas, por sua vez, teria criado uma espécie de sistema bancário paralelo, que possibilitava a
lavagem de recursos de origem ilícita. Nahas é acusado ainda de especular com ações graças a
informações privilegiadas, inclusive em relação ao megacampo de petróleo de Tupi. Uma semana
antes do anúncio da descoberta do campo, o investidor, segundecido relatório da PF, pediu que o
doleiro Miguel Jurno Neto comprasse “mais ações da Petrobras”. Diante do alerta do doleiro de que
as ações da companhia “estavam caindo”, Nahas disse que era para fazer o que ele estava“mandando” e para “não comentar nada”. Celso Pitta entrou na investigação como agente e
beneficiário do esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas montado por Nahas, a quem
solicitava semanalmente “vultosas quantias” em dinheiro vivo.
Os desdobramentos dessa segunda prisão, encerrada no final da tarde da sexta-feira 11, por força de
nova decisão do STF, agravaram o bate-boca institucional iniciado logo após a deflagração da
operação. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, reclamou da
“espetacularização” da PF e do uso de algemas em quem não oferecia perigo aos agentes. “O maior
problema é que a operação pegou pessoas de destaque, que têm exacerbação do sentido de defesa”,
ironizou, imediatamente, o ministro da Justiça, Tarso Genro. “A PF não tem critério de classe. Se for
feita uma lei dizendo que pobre pode ser algemado, jogado no camburão e exposto à execração
pública, e rico não pode, a PF vai ter de cumprir, mas não comigo como ministro da Justiça”, disse.
No Vietnã, onde se encontrava na quinta-feira 10, o presidente fortaleceu essa atitude. Declarou,
quase em tom de comemoração: “Andar na linha é o único jeito de escapar da PF.” Com isso, acabou
abrindo a guarda para quem viu nesse episódio uma perseguição a um desafeto do governo. Afinal,
Lula ignorou a prudência demonstrada em casos anteriores, como o que envolveu os conhecidos
aloprados petistas, os favorecidos pelo Mensalão e até o ex-presidente da Câmara Severino
Cavalcanti. Em todos esses casos, o presidente recomendava que seria necessário aguardar um
julgamento final para não se cometer uma injustiça, enquanto corre o processo legal. O problema
dessa nova reação está no risco de, sob a aparente euforia de novidade, que é a investigação de
grandes banqueiros e empresários, se esconder uma máxima da velha República: “Aos inimigos, a
lei.
O mais grave no que toca às entradas e saídas de Daniel Dantas da carceragem da PF é a crise
institucional que se desenha dentro da própria Justiça. O presidente do Supremo Tribunal foi
informado por um desembargador de São Paulo que teria sido monitorado pela Polícia Federal, a
pedido do juiz Sanctis – o que foi negado por Tarso Genro. Entre o material levantado pelos policiais,
haveria inclusive um vídeo mostrando assessores da presidência do STF conversando com
advogados de Dantas – um procedimento corriqueiro no tribunal, mas que foi divulgado como indício
de prática criminosa. O problema é que em qualquer escola de direito se aprende já no primeiro ano
que a Justiça se faz com um tripé: a acusação, a defesa e o magistrado. Portanto, a não ser que se
comprove a prática de crimes, é natural que procuradores, advogados, juízes e até ministros do STF
conversem. Nos relatórios encaminhados à Justiça, a PF também menciona o fato de Dantas manter
conversas com “jornalistas de sua confiança”, nas quais seria “discutido o teor de reportagens”.
Também nesse caso, a não ser que o texto final incorra em crimes como calúnia, injúria ou
difamação, trata-se de uma relação corriqueira. Jornalistas no exercício profissional procuram ter a
confiança de suas fontes, sejam elas banqueiros, sejam empresários ou ainda delegados e
procuradores. Em todos os casos, as fontes passam para os jornalistas os seus próprios pontos de
vista – e cabe a eles verificar a única coisa que realmente conta nessa história: a veracidade das
informações.
O tiroteio, na seqüência da rumorosa ação da PF, jogou ainda mais holofotes sobre a figura do
banqueiro, que, embora agressivo nos negócios, é conhecido pela discrição na vida pessoal.Filho de
um empresário do ramo têxtil na Bahia, Dantas começou sua ascensão meteórica nos anos 1980,
quando chamou a atenção de um amigo poderoso de seu pai, o político Antônio Carlos Magalhães.
Estimulado por ACM, estudou na Fundação Getulio Vargas, no Rio de Janeiro, na qual se destacoucomo um dos mais brilhantes alunos do economista e ex-ministro da Fazenda Mário Henrique
Simonsen.
O relacionamento entre aluno e professor foi mais do que profícuo. Indicado por Simonsen, Dantas
foi contratado para gerir a fortuna de Antônio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, no então
recém-criado Icatu. Estava vinculado à instituição quando, em 1990, quase se tornou ministro da
Economia do então presidente eleito Fernando Collor de Mello, com quem se encontrou em Roma,
na Itália. Nunca foi dele o plano de confisco feito por Collor, mas esse é um dos mitos da sua fama de
gênio das finanças.
Em meados dos anos 1990, ao decidir pela carreira solo, criou o banco Opportunity, para onde levou
duas figuras de peso: Elena Landau, antiga diretora do BNDES, e Pérsio Arida, que tinha sido
presidente do Banco Central.
Com a ajuda de ambos, surfou na onda das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002). Logo no começo do governo Lula, Dantas se aproximou do então todo-poderoso
ministro da Casa Civil, José Dirceu, mas ganhou a antipatia da equipe econômica e, mais
especificamente, do ex-ministro Luiz Gushiken, da Secretaria de Comunicação Estratégica. Gushiken
sempre quis que os fundos de pensão, em especial o Previ, do Banco do Brasil, controlassem a Brasil
Telecom e isso o colocou em rota de colisão com Dantas.
Ao contrário do reservado banqueiro, o libanês naturalizado brasileiro Nahas tem um estilo de vida
menos discreto. Ele chegou ao País em 1969, trazendo US$ 50 milhões na bagagem. Nos anos 1980,
controlava 28 empresas. Era, no entanto, mais conhecido pelo estilo glamouroso de vida e por trazer
ao Brasil celebridades como Alain Delon, Gina Lollobrigida e Omar Sharif. No mercado financeiro,
ganhou fama por realizar operações de alto risco na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Não
demorou a entrar em confronto com o então presidente do conselho administrativo da Bovespa,
Eduardo da Rocha Azevedo, transferindo todas as suas operações para o Rio de Janeiro. Em 1989, na
seqüência da suspensão de empréstimos bancários que obtinha costumeiramente, Nahas faliu e
acabou acusado de provocar a quebra da Bolsa do Rio. Alijado do mercado, ele só deu a volta por
cima em 2004, ao ser inocentado pela Justiça Federal das acusações de crime contra o sistema
financeiro e a economia popular. Poucos meses depois, comemorou em alto estilo o casamento da
filha, com a presença do ator Omar Sharif e show do cantor Paul Anka, canadense de origem síria.
Voltou a operar no mercado e, na semana passada, aos 56 anos, estava em sua mansão, no Jardim
América, em São Paulo, quando foi surpreendido pela chegada dos homens da Operação Satiagraha.
“Eu estou chocado”, disse Nahas à ISTOÉ na sextafeira 11, depois de ser solto. “Nem na cortina de
ferro soviética aconteceria isso.” Os quatro filhos de Nahas também tiveram a prisão temporária
pedida – apenas a de Fernando foi aceita pelo juiz, mas ele não foi encontrado pela PF. Sua filha,
Natalie, estava em viagem à Europa, mas a casa teve a porta arrombada para cumprimento de
mandado de busca. Ao tentar retomar suas atividades, Nahas não conseguiu entrar no próprio
escritório. “Tudo isso para dizer que eu tenho a taxa do Fed?”, ironizou, em referência a uma das
acusações da PF: de que ele teria manipulado o mercado ao ter a informação privilegiada de que o
Banco Central dos Estados Unidos iria aumentar a taxa de juros.
Na ação da PF, que colocou 300 policiais nas ruas na terça-feira 8, há outros personagens
poderosos. O ex-deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh, conhecido por libertar presos políticos
durante o regime militar de graça, é acusado de fazer lobby em favor de Dantas no governo. “Estoumuito puto com a PF e com as declarações do Tarso”, diz ele. Greenhalgh vinha auxiliando o
principal advogado do Opportunity, Nélio Machado. “Comecei a trabalhar ajudando o Nélio em
março do ano passado, ajudei no inquérito da Kroll, na história da Telecom Italia e da Brasil
Telecom, na feitura de peças do acordo”, diz o ex-deputado. Greenhalgh pode até ter ficado “puto”,
mas reconhece que fez mesmo o que diz o relatório da PF: buscou junto ao governo informações
sobre se havia de fato uma operação policial que poderia levar à prisão de Dantas. Nessa busca,
chegou a recorrer ao chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho. “Tinha gente da Abin
atrás de um dos investigados. Liguei para Gilberto e disse: ‘Gilberto, o que é isso?’. A informação se
confirmou, era gente da Abin.”
A Operação Satiagraha, que deixou boa parte do meio político e empresarial em polvorosa na
semana passada, tem potencial para manter elevada a tensão nos bastidores do poder, como
confirmam declarações feitas por advogados dos acusados que acenam com a possibilidade de
tornar públicos documentos sigilosos que tramitam nos EUA e na Itália. Em Milão, corre na Justiça
um processo segundo o qual a Telecom Italia, que firmou um contrato de consultoria de US$ 3,5
milhões com Naji Nahas, distribuiu propina à larga no Brasil. Nesse caso, há também documentos
que comprovam o fato de adversários de Dantas terem enviado ao Brasil emissários com o intuito de
corromper policiais federais e comprar jornalistas para que publicassem reportagens contrárias ao
Opportunity. Em Nova York, processos envolvendo o Citigroup e o Opportunity, pela disputa
societária da Brasil Telecom, mantêm em sigilo informações sobre o tumultuado relacionamento do
governo Lula com Dantas. A mais explosiva briga empresarial da história recente do País vai agora
enredar Dantas com a Justiça por um bom tempo. Mas, se os dois lados levarem adiante a “firmeza
na verdade” embutida na Operação Satiagraha, a confusão ainda está bem longe de terminar
Visite o Blog de Protógenes Queiroz: http://blogdoprotogenes.com.br/
FONTE : http://minhateca.com.br/marioconte/Documentos/LIVROS/Prot*c3*b3genes+Queiroz+-+Opera*c3*a7*c3*a3o+Satiagraha,18147999.pdf
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