BOLSA FAMILIA 11 ANOS DE VIDA
Uma análise livre de preconceitos revela que o programa aumenta a
frequência escolar e cria uma população mais saudável e uma sociedade
mais igualitária
por Rosana Pinheiro-Machado e Luana Goveia
No exterior, o reconhecimento do Programa Bolsa Família é
notável: políticos do mundo todo e pesquisadores das mais prestigiosas
universidades querem conhecer essa política social. Já no Brasil, o
cenário é bastante diferente. Passada mais de uma década, uma grande
parte da população ainda tem grande dificuldade de aceitar os benefícios
alcançados pelo Bolsa Família. Poder-se-ia argumentar que o
entusiasmo de fora é fruto do desconhecimento da realidade brasileira.
Nós acreditamos que o que ocorre é exatamente o contrário: fora do
Brasil, as pessoas olham abertamente para o Programa, desprovidas dos
preconceitos que paralisam uma grande parte da população brasileira.
Com base nos relatórios de impacto do Bolsa Família,
sintetizamos aqui algumas das conquistas alcançadas nos últimos 11 anos.
Nosso objetivo é ajudar a desconstruir alguns mitos que prevalecem no
senso comum, como a ideia de que o Bolsa Família está produzindo uma
geração de “vagabundos”. Na verdade, devido à condicionalidade na área
de educação e saúde, o Programa comprovadamente está produzindo
exatamente o oposto: uma geração de estudantes com frequência escolar
10% maior do que a média nacional, uma população mais saudável e,
finalmente, trabalhadores mais engajados – e consequentemente mais
críticos e exigentes - no mercado de trabalho.
1. O Bolsa Família tem um custo muito baixo aos cofres públicos
Ao contrário do que é dito popularmente, em termos econômicos, o Bolsa Família é um programa barato, representando apenas 0,45% do Produto Interno Público (PIB) brasileiro.
2. Aquecimento da economia
O dinheiro pago ao Bolsa Família volta para os
cofres públicos via impostos, já que ele é usado principalmente para a
compra de produtos básicos para uso imediato, como comida e remédios, ou
a médio prazo, como bens duráveis. Por ser um dinheiro dinâmico de alta
circulação, ele também aquece a economia de baixo para cima,
dinamizando, consequentemente, o setor de serviços do País. Como
resultado, a cada real adicional gasto no Bolsa Família estimula-se um crescimento de 1,78 reais no PIB.
3. Superação da extrema pobreza e redução da desigualdade social
O Bolsa Família ajudou a retirar 36
milhões de pessoas da situação de pobreza. A pobreza e a extrema pobreza
somadas caíram de 23,9% para 9,6% da população. Houve uma redução inédita da redução da desigualdade de renda no Brasil nos últimos 10 anos, e o Bolsa Família foi responsável por 13% dessa redução.
4. Melhorias na saúde da população de baixa renda
Redução em 51% no déficit de estatura média das crianças
beneficiárias. O déficit de estatura é um indicador de desnutrição
crônica e está associado ao comprometimento intelectual das crianças. Os
meninos beneficiários de cinco anos aumentaram 8 milímetros, em média,
em quatro anos.
Entre 2005 e 2009, a cobertura de vacinação entre as famílias
beneficiárias passou de 79% para 82%. As mulheres grávidas
beneficiárias têm 1.6 consulta a mais do que as mulheres não
beneficiárias na mesma condição.
Houve também redução da mortalidade infantil entre zero e seis anos
em 58% por causas relacionadas à desnutrição e diminuição das doenças
infecciosas relacionadas à desnutrição e à diarreia, além do aumento da
porcentagem de crianças de até seis meses alimentadas exclusivamente
pela amamentação.
5. Melhorias na educação da população de baixa renda
O Bolsa Família mantém 16 milhões de crianças e
adolescentes na escola. Os estudantes beneficiários do programa têm
menor taxa de abandono do que os não beneficiários.
No ensino médio, a taxa de abandono dos beneficiários do Bolsa
Família é de 7,4% ante a dos não-beneficiários de 11,3%. No ensino
fundamental, a taxa de abandono foi de 2,8% para os beneficiários do
programa, enquanto a dos não-beneficiários era de 3,2%. Ou seja, o
cumprimento da condicionalidade do Bolsa Família faz com
que os beneficiários não apenas frequentem a escola, mas também
apresentem melhores indicadores que crianças pobres e não beneficiárias
do programa.
6. Redução do Trabalho Infantil
O Bolsa Família ajudou a diminuir o número de horas do
trabalho doméstico entre crianças e adolescentes de 5 a 17 anos –
decréscimo de 4,5 horas no geral e de 5 horas para os meninos. Houve o
adiamento de 10 meses na entrada no mercado de trabalho de crianças e
adolescentes do sexo masculino.
7. Empoderamento das Mulheres
O pagamento é feito diretamente à mulher responsável pela família, o
que levou a um processo de empoderamento em seus lares. Com um poder
sobre os gastos familiares, as beneficiárias decidem mais sobre as
compras e têm mais controle sobre sua vida conjugal. Com a segurança
monetária proporcionada, as mulheres se sentem menos dependentes dos
seus maridos, muitos dos quais agressivos e têm mais poder em uma
eventual separação.
As beneficiárias ampliaram o uso de métodos contraceptivos (9,8
pontos percentuais de alta), reforçando a autonomia e o exercício dos
direitos reprodutivo entre as mulheres.
Para as mulheres não ocupadas, o Bolsa Família contribui para um aumento de 5 pontos percentuais procura por trabalho, com destaque para a região Nordeste.
8. Superação de preconceitos contra o Bolsa Família (1): “O Bolsa Família incentiva os pobres a fazer filhos”
Diz-se que as pessoas oportunisticamente terão mais filhos para
receberem mais benefícios. Na verdade, a tendência de declínio de
fertilidade da população brasileira continua notável em todas as faixas
de renda, sendo que a redução recente da taxa de fertilidade tem sido
ainda maior entre as mais pobres.
9. Superação de preconceitos contra o Bolsa Família (2): “O dinheiro do Bolsa Família é gasto com roupas de ‘marca’”:
Beneficiárias não fariam uso adequados dos recursos monetários a elas
transferidos. Na verdade, verificou-se que famílias pobres em situação
de insegurança familiar são mais propícias a gastarem seus recursos em
alimentação.
10. Superação de preconceitos (3): “Efeito-preguiça: o Bolsa Família acomoda e sustenta vagabundos”:
Em termos de ocupação, procura de emprego ou jornada de trabalho, os
dados são iguais entre beneficiários e não beneficiários do programa.
Ademais, a probabilidade de quem recebe o Bolsa Família estar
trabalhando é maior – 1,7% a mais para homens, 2,5% para mulheres – do
que entre pessoas da mesma faixa de renda que não participam do
programa.
Há também estudos que mostram que o Bolsa Família também não
incentiva a informalidade. O incentivo à acomodação ou à informalidade é
praticamente nulo.
Sobre o número de pessoas que já deixaram o Bolsa Família voluntariamente, calcula-se que foram 1,7 milhão de famílias.
11. Superação de preconceitos (4): “Bolsa Família estimula corrupção local e clientelismo”
O pagamento é feito da Caixa Econômica Federal diretamente às
famílias, via cartão bancário, sem passar pela interferência dos agentes
do poder local. Agentes locais apenas coletam informações das famílias
beneficiárias, informações estas que são enviadas ao MDS para análise da
elegibilidade das famílias e finalmente o sorteio das que serão
beneficiárias do programa.
Prestígio e Futuro
Por essas e muitas outras razões, como a melhoria nas moradias e no sentimento geral de bem estar das populações mais pobres, o Bolsa Família é
um modelo no contexto internacional, sendo considerado o principal
instrumento de transferência de renda do mundo pela Organização das
Nações Unidas (ONU). O Bolsa Família foi apontado, em 2013,
pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
como uma das principais estratégias adotadas pelo país que resultaram
na superação da fome, retirando, assim, o país do mapa da fome mundial.
Adicionalmente, a Associação Internacional de Segurança Social (AISS)
concedeu ao Brasil um prestigioso prêmio internacional devido ao caráter
inovador de redução da pobreza trazido pelo Bolsa Família, considerado o
mais importante do mundo dentro dos grupos de programas de
transferência condicional de renda. A instituição espera, ainda, que o
Bolsa Família sirva de exemplo para que mais países implementam
programas similares em benefício de seus cidadãos.
A população brasileira precisa ter consciência de suas próprias
conquistas para que possa reivindicar pela manutenção e aperfeiçoamento
do Programa. Se, em uma década, o Bolsa Família trouxe
resultados tão positivos que sequer eram previstos, é possível acreditar
que, daqui a poucos anos, teremos uma geração de cidadãos que, por
estar ainda mais nutrida, educada e empoderada, reivindicará por seus
direitos fundamentais, exigirá mais respeito e encarará o Brasil de
forma mais crítica, inclusive exigindo melhor qualidade – e não apenas o
acesso - dos serviços de educação e saúde.
Se não está se formando uma geração de vagabundos, se traz tantos
benefícios gastando apenas 0,5% do PIB, por que muitos ainda se opõem
tão veemente ao Programa Bolsa Família?
Fontes: Campello, T.; Neri, M. (2013) Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: IPEA; International Social Security Association (ISSA); Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
* Luana Goveia é mestre em Políticas Sociais pela London School of Economics (LSE) e doutoranda na Universidade de Oxford
FONTE- http://www.cartacapital.com.br/politica/bolsa-familia-11-anos-e-11-conquistas-4636.html
Publicado 24/10/2014 09:51, última modificação 24/10/2014
Pedro Revillion/Palácio Piratini
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