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domingo, 15 de novembro de 2009

Tom Zé e sua infância em Irará municipio da Bahia

O músico Tom Zé
A infância do Tom Zé lembra a infância dessa novata blogueira aqui, só nao tive o talento dele de transformar obstáculos em vitórias maravilhosas como esse.




Por Katherine Funke, enviada a Irará_Bahia



“Três semanas atrás, quando comecei a ter chilique lá em casa, Neuza me perguntou: ´você não tá nervoso por causa desse show de Irará, não?´ E era. Tive pesadelos, tive medo, tive tudo. Mas é que como sou profissional há muito tempo, você começa a trabalhar e vai esquecendo. Mas quando eu subir no palco, vou estar seguramente nervosíssimo”, disse o cantor Tom Zé em Irará, em 13/11/2009 .
O show vai aconteceu neste sábado (14/11) à noite, durante a Feira da Mandioca, promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, com apoio da prefeitura e do Movimento Viva Cultura. Faz 18 anos que o músico não canta em sua terra natal.
Ele chegou  à tarde na cidade. Foi recepcionado por 200 crianças na rua, entre elas Edcarlos Jesus Carvalho, 10 anos. “Eu gosto dele. Fui ver”, diz o menino. Tom Zé está hospeado na casa de Edson Barbosa da Silva Filho, 52, o publicitário Edinho, dono da agência Link. A casa é a sede da fazenda Flor de Brotas, a 12 quilômetros ao norte da sede do município.
Tom Zé conversou com exclusividade com o Jornal  A TARDE. Falou com a repórter Katherine Funke sobre o espetáculo e as duas novas músicas que compôs para a cidade: “Renato, filho de dona Ceci”, que vai ser executada pela Filarmônica 25 de Dezembro agora à noite, e “Irará, Iralá”, que mostrou  à cidade durante o show.
A música para a banda filarmônica foi composta a pedido de Antônio Luís dos Santos, 70, amigo de infância com quem Tom Zé conversa quase diariamente, por telefone. “Quem me pediu foi Diógenes, o presidente”, conta Tonho, “e levou uns três meses para ficar pronta.” Vai ser a primeira execução pública da composição. A banda também vai tocar músicas do maestro Almir Oliveira (1903-1993), que foi grande amigo de Tom Zé e parceiro na música “Terra Morena” (letra de Tom Zé para música de Almir Oliveira).

A entrevista é interessante:

A TARDE – Esse negócio de sentir medo do show de amanhã tem a ver com aquele “medo encantatório” que você sentia ao tocar junto com Dega, Zé Nilton e Pedro Cem?

Tom Zé – Não. Tem pessoas que tem esse medo gostoso do palco, mas eu não. É um medo de não-viver. É um medo de ameaça da morte, talvez lá da falta de leite da mãe, talvez por causa da minha infância em Irará, que foi a infância mais dura que se pode imaginar. Não faltava nada econômico: comida, roupa, nada. Mas, emocionalmente, faltava quase tudo. Guile, minha irmã, é que me salvou.

Você diz, no livro “Tropicalista Lenta Luta”, que foi rejeitado pela família. Como assim?

Tom Zé – Não era propriamente pela família. Nós éramos o braço fraco da família Santana, que era uma família muito forte. E eu, moleque, menino, né, todo mundo que queria tirar um sarro da família Santana, tirava em mim. E eu, que já era muito assustado, que saí de casa muito tímido, fizeram o que quiseram de mim. Foi um sofrimento terrível, minha infância toda. Foi a pior fase da minha vida.

O que acontecia?

Tom Zé – Sabem a segregação que fazem com preto, às vezes? Segregação. Era o principal. E aí tinha várias outras (coisas) que chegavam junto. É claro que tinha pessoas que me amavam, como Renato (filho de dona Ceci), Antonio Luís, Virgínia, Val, Guiomar. É por isso que eles são tão importantes.

Quem são essas pessoas que estão na música “Irará, Iralá”?

Tom Zé – São heróis da minha infância, companheiros. Grande parte está morto.

Há várias outras músicas suas para Irará: “Os doidos de Irará”, “O abacaxi de Irará”, “Correio da Estação Brás”, “Menina Jesus”…

Tom Zé – É, “Menina Jesus” vou cantar aqui. “O abacaxi de Irará” é sucesso em São Paulo; encontrei uma criança de cinco anos, Gabriel, que gosta muito dessa música… O público pede para cantar, é uma paixão inexplicável. Claro que vou cantar aqui, já estou tocando até em São Paulo…

Esses personagens da nova música nunca apareceram nessas composições?

Tom Zé – É. Sâo pessoas mais próximas de mim, que me ajudaram a sobreviver, e até os inimigos, eu perdoo os inimigos. Tinha um menino chamado Miro, três anos mais velho que eu, forte, sabidão, que me roubava dinheiro na escola diariamente e fazia eu roubar na loja de meu pai para dar a ele. Foi um sofrimento durante três anos até meu pai saber. Quando meu pai soube, eu pensei que nunca mais ia levantar os olhos na vista de ninguém na cidade.

Mas o Miro te obrigava, né?

Tom Zé – É, eu para poder viver, achava que tinha que fazer tudo o que ele queria. Não era cascudo, era a força moral. Me tiraram do primeiro e do segundo ano porque um menino muito mais alto do que eu me deu uns cascudos. Aí, me botou no terceiro, quarto e quinto – e aí foi pior. Todo mundo podiia não ser bobo de me dar cascudo, que isso não dava em nada, mas tomava dinheiro, me desmoralizava… Aí tem uma coisa gozada. Na ocasião, meu pai tinha comprado a casa de Tio Oscar, e Armindo (meu primo), que vivia numa casa que era um palácio, foi viver naquela casa humilde que eu vivia. E ele tinha um ódio de mim mortal. Eu não podia compreender por que, pensava que fazia parte do fato de eu não ser humano. Fazia parte daquela coisa que eu não entraria na raça humana. Ele era quinto ano, eu era segundo.

Mas você não tinha ódio deles, tinha?

Tom Zé – Hoje, eu não tenho, mas por algum tempo, terei tido, né? Mas hoje eu compreendo: uma família grande, que vivia numa casa que tinha um sanitário civilizado, foi para uma casa de sentina turca, que foi onde eu me criei até os sete anos. Aquela humilhação, a mãe velha, doente, aquela vergonha, porque o pai deles faliu – tudo veio pra cima de mim. Ele me perturbava… Ave Maria! Os outros meninos eram caridosos, gentis. Aguinaldo Maia, por exemplo, que está nesta música, era gentil. Dizia pra Miro assim: “Miro, você tá roubando Tom Zé, por favor…” Se eu virasse pra Aguinaldo e pedisse para ele dar um jeito nisso, ele dava.

E Dega, Zé Nilton, Pedro Cem, com quem você tocava aqui em Irará?

Tom Zé – Nossa, eram realmente amizades muito carinhosas, principalmente Dega e Zé Nilton. Pedro Cem teve um problema: ele era muito lindo, um príncipe. Era filho de uma família relativamente pobre, normal, como nós todos, mas ele era um princípe, uma pessoa linda. Nós todos também admirávamos a beleza dele. Sempre gentil, simpático, e é claro que as moças se derretiam. Aí ele tinha que pagar o preço de ser tão gracioso.

Eles estão na música nova?

Tom Zé – Por acaso, não achei verso pra eles. Pedro Cem encontrei em Los Angeles. O nome dele é Renato de Hospício, porque ele é filho de seu Auspício. Zé Nilton mora no Rio de Janeiro e Dega é fazendeiro em Feira de Santana. Olha, diga  pra Dega, Zé Nilton e Pedro Cem, que vou fazer outra música. Não para amanhã, mas vou fazer uma música com eles também. Aí eu faço outra depois, porque tem o Zé Aristeu que não botei em música, tem o comunista mais famoso aqui de Irará além do meu tio (Fernando Santana), o Dr. Aristeu. Zé Aristeu era uma pessoa pobre que escreveu coisas lindas sobre Irará, coisas assim bem precisas, sem ser metido à literato.

Dona Maninha, era mãe de leite minha,
(”Ninguém ligava pra isso. Um dia eu disse pra ela: a senhora foi minha mãe de leite, então tudo o que eu penso também está aí no seu seio, nesse sangue ranzinza de Paulo Cumbuca e de Ivan, o Turco. O Ivan foi meu irmão-de-leite. Eu brigava com ele a vida toda na rua detrás e nem sabia que ele era meu irmão de leite.”

A Filarmônica ficou ensaiando meses essa música sua. Qual sua história com a banda?

Tom Zé – Eu fui expulso da Filarmônica. Em 1965, queria estudar música. Aí, Zequinha, maestro, falou para eu ir na filarmônica, estudar saxofone. Mas aí, Alberto Nogueira, que tomava conta da escola de música, foi me tirar da escola. Foi me expulsar. Foi a coisa mais estranha do mundo. Eu me lembro: em cima do correio, que era defronte da nossa casa, a lua estava começando a aparecer. Ele começou uma conversa comprida, que não acabava mais. A lua já tava quase no zênite, e ele para explicar aquele negócio de que eu não podia (meu pai colaborava com a banda, com ele, com o asilo dos velhos, era uma criatura formidável), para acabar me convencendo, com delicadeza, que o povo da cidade tava dizendo que eu ia ocupar a escola sem utilidade, porque meu pai era rico (aqui em Irará, quem tinha uma loja era chamado de rico, e meu pai tinha uma loja, mas só tinha um carro na cidade, e não era dele) e eu não ia estudar na banda. Ora, eu lhe pergunto, se alguém quer estudar música, e se tem uma escola de música, importa que ele vai tocar ou não? Mas antes da lua chegar no zênite, eu entendi que ele queria me tirar da escola, e senti aquilo que agora você sabe o que é: “tô morto, tô anulado”, que era o que eu sentia toda vez que uma coisa ia falhar. Aí eu estava tão envergonhado que queria que ela conversa acabasse imediatamente, para eu poder ir-me embora e nunca mais ir lá. Se fosse agora, eu pensaria em falar com meu pai, pra pedir a ele para eu continuar na escola, deixar eu estudar, que eu tenho vontade, o que é que custa? Eu tinha 18 anos e arranhava um violão. Fiquei na escola por dois meses, e na segunda lição que o mestre Zequinha me passou, chegou essa notícia. O que parecia era que se confirmava aquela coisa: você não tem direito a ser gente. Mas eu não guardei mágoa na filarmônica.

Você está hospedado aqui na casa de Edinho. Como vocês se aproximaram?

Nós fomos criados com uma ética diferente. Em Irará, a ética era o maior assunto das conversas dos nossos avós. Algumas pessoas foram muito sensíveis a isso. Quando a gente encontra alguém que responde do mesmo jeito, aí imediatamente tem uma identificação muito grande. É um mundo muito diferente, o mundo de nossa infância – da minha principalmente, na época de 1940, 1950.

E Tom Zé foi almoçar na casa de Totéia, vizinha de Tonho. A apresentação da Filarmônica 25 de Dezembro começa às 19h, na sede da escola de música, no centro do município.

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhh, que bela de entrevista!
Tudo a ver!!

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