Mesmo condenado à morte, Chessman escreveu vários livros, entre eles "2455, CELA DA MORTE", "A LEI QUER QUE EU MORRA" e "A FACE CRUEL DA JUSTIÇA".
Caryl Chessman - Cela da morte nº 2455. Um caso marcante
Nota prévia: Caryl Chessman Cela da Morte nº 2455
Li
este livro em 1985, um ano antes de entrar para a faculdade, alí à
Junqueira (privada). O julgamento torpe de Sadam evocou-me esta memória,
por analogia é certo, dado que não existe nenhum elemento de contacto
ou de comparabilidade entre ambos. Até porque Caryl Chessman era um tipo
inteligente, não era nenhuma cavalgadura, não era um ditador
sanguinário desiquilibrado como o ex-presidente do Iraque que chacinou o
seu próprio povo, familiares, etc..
Mas o que mais impressionou em Chessman - através do seu livro Cela da Morte nº 2455
- um livro que comprei no alfarrabista do Bairro Alto - foi o facto de
alí se aprender duas coisas: humanidade e direito. A determinação de um
homem com a 4ª classe querer defender-se por conta própria (dispensando
advogado de defesa) dos crimes de que era acusado: violação e estupro
nos arredores de Hollywood. Para o efeito leu mais de 2000 livros de
direito, conseguiu sensibilizar o mundo inteiro para o seu drama e
beneficiou do apoio empenhado de Nelson Hungria - então Ministro do
Supremo Tribunal Federal - que intercedeu junto do Governador da
Califórnia para preservar a vida a Caryl Chessman - da cela da morte -
em cujos corredores aguardava há anos. Chessman, ele próprio, também se
transformou num especialista em criminologia - uma disciplina por
natureza interdisciplinar - , pois assim a faz a natureza complexa do
fenómeno que a pretende estudar. Com Chessman aprendi isto, que já tinha
lido em kant: não há melhor prática do que uma boa teoria, ou seja, o
que Caryl Chessman fez - e esse também foi um exemplo que deu ao mundo -
foi uma boa sistematização teórica do conhecimento da sua vida que
submeteu ao direito que aprendeu à força. Ele teve a ousadia de se
conhecer melhor na prisão - que conseguira, de certo modo, transformar
em Universidade de Direito (e não pagou propinas...).
E
mais: as prisões, os tribunais, os serviços de polícia e de segurança
ganham alí uma acuidade diferente que ainda hoje não passam
despercebidos, sendo que a razão da Criminologia é tornar inteligíveis
esses comportamentos que os sociólogos apelidam de desviantes e dar a
conhecer melhor as instituições que sobre eles funcionam. Foi esse acto
pedagógico e de excepcional coragem que exerceu em mim a leitura de
Caryl Chessman, A Cela da Morte 2455, independentemente de ter
sido ele ou não o autor material dos crimes de que foi acusado e pelos
quais ficara conhecido e foi condenado: o bandido da lanterna
vermelha...
Talvez
não seja má ideia meditar neste "exemplo", já que os nossos decisores e
responsáveis não podem iludir estas questões do crime - mormente em
contexto de fronteira aberta intensificada com a globalização de todas
as mobilidades (pessoas, capitais, tecnologias)- que potenciam a bondade
e a riqueza entre as nações e as sociedades mas também agravam os
índices de criminalidade - com roubos, tráficos de drogas, acções
terroristas e crime conexos. Todos ligados, em boa parte, à sociedade de
abundância (afluent society de que falava o economista recém-desaparecido Keneth Galbraith, ao anonimato das cidades e aquelas mobilidades.
Ou
seja, o problema criminal contemporâneo aparece demasiado ligado à
nossa vida quotidiana, de tal modo que ele já não pode mais ser
combatido através dos meios simples e xpeditos da repressão. E é aqui
que se recoloca uma questão essencial do nosso tempo: que liberdade
teremos de ceder para preservar níveis de segurança dos quais não
podemos abdicar? O exemplo de estudo, determinação e de inteligência
dado ao mundo por Caryl Chessman deveria fazer reflectir as nossas
autoridades e agentes que operam no sector da prevenção de crimes - de
forma transversal.
Segundo a revista Time da época...(e aqui)
Ministério
Público da UniãoMinistério Público do Distrito Federal e Territórios
13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília
Chessman: um assassinato oficial
Narrado por Rogério Schietti Machado Cruz
Promotor de Justiça do MPDFT
Eram 10:12 h do dia dois de maio de 1960:
após 9 minutos de sofrimento, trancado em uma câmara de gás, Caryl
Chessman, com 38 anos de idade, doze dos quais no Corredor da Morte,
encerrava sua agonia, iniciada em 23/1/48, dia em que, após uma
perseguição pelas ruas de Los Angeles, foi preso por policiais, sob a
acusação de ser o já então famoso "Bandido da Luz Vermelha" (the red
light bandit), responsável por roubos e estupros a casais nas colinas
que rodeavam Hollywood.
Chessman correspondia à descrição do criminoso, o que, aliado ao seu
passado fértil em transgressões à lei, foi suficiente para, em meio à
comoção causada pelos crimes de que foi acusado, ser condenado por um
Tribunal do Júri em que, dos doze jurados, onze eram mulheres.
Negando qualquer responsabilidade pelos crimes que lhe foram imputados, Chessman foi recolhido à cela nº 2455, da Penitenciária de San Quentin, de onde iniciou uma prolongada cruzada na tentativa de sensibilizar autoridades e a opinião pública quanto à sua inocência, única forma encontrada para evitar a execução da pena capital a que fora condenado.
Interpôs
dezenas de recursos e petições a tribunais da Califórnia e à Corte
Suprema dos EUA, logrando adiar, por 7 vezes, a data marcada para sua
execução.
A sua obstinada luta pela vida espalhou-se por todo o mundo, vindo ecoar no Brasil, onde inúmeras personalidades se empenharam na tentativa de salvar Chessman do gás letal.
Um dos mais ferrenhos defensores dessa causa foi NELSON HUNGRIA,
então Ministro do Supremo Tribunal Federal. Através de correspondências
ao Governador da Califórnia, entrevistas a jornais e periódicos,
palestras etc, HUNGRIA empenhou toda sua inteligência e prestígio de
criminalista de escol à fileira dos que clamavam pela preservação da
vida de Chessman.
Memorável a conferência do saudoso penalista, pronunciada no Centro Acadêmico XI de Agosto, em maio de 1959, quando disse:
"... Apontado como o bandido da luz vermelha, sob imputação de rapto e brutalização de duas raparigas (não se sabe bem se para fim de furto ou de libidinagem), condenou-o o tribunal de Los Angeles a respirar um gás mortífero, que é o meio de se matar legalmente na Califórnia.(...)Obteve que lhe fossem proporcionados, às pilhas, livros da biblioteca de Sacramento. Livros de jurisprudência ou de doutrina jurídica, livros de sociologia, de criminologia, de filosofia, de história, de cultura geral. Só de obras de direito, leu-as em número superior a 2.000. Lia até que os olhos se congestionassem e seu cérebro exausto se negasse a continuar funcionando.(...)Aquele Chessman de 27 anos que o júri de L.A. condenou à morte é tão diferente do Chessman atual como um carvão difere de um diamante. O que era agressividade feroz, o que era hostilidade afrontosa aos mais elementares princípios da boa convivência civil tornou-se um precioso valor humano, um espírito compreensivo e pacífico, uma vida útil, uma consciência integrada na solidariedade social.(...) Para erradicar o mal, não é preciso erradicar o homem. O que cumpre fazer não é matar o homem criminoso, mas o criminoso no homem. A criminalidade não se extingue ou declina com a pena de morte. Ao invés de irrogar-se arbitrariamente o direito de matar, ao Estado incumbe promover a remodelação da própria sociedade, para que se apresentem melhores condições políticas, econômicas e éticas, eliminadoras das causas etiológicas do crime...."
De
fato, foi incomum a peregrinação de Chessman. Portador apenas de curso
primário, os milhares de livros lidos lhe renderam um conhecimento
profundo da criminologia e do sistema penitenciário americano. Tornou-se
poliglota (aprendeu a língua portuguesa em poucos meses), e, mesmo com
punições disciplinares partidas da direção do presídio, que via suas
feridas expostas ao mundo, publicou 4 livros, um dos quais ("2455 - Cela
da Morte") tornou-se best seller no Brasil
Nada,
porém, se compara ao seu derradeiro escrito, "um documento para a
posteridade" na expressão de RENÉ ARIEL DOTTI ("Chessman: crônica de uma
morte anunciada" in Revista Brasileira de Ciências Criminais", RT, nº
20 - out/dez/97, de onde se extraíram as informações para este texto) a carta manuscrita por Chessman horas antes de sua morte e endereçada a um repórter do jornal San Francisco Examiner. Publicada na edição do dia seguinte à execução de Chessman, a carta-testamento se firmou como um dos mais vigorosos libelos contra a pena de morte.
Ei-la:
"Caro Sr. Stevens:
"Como deve saber, os carrascos, na Califórnia obedecem a horário de bancos. Nunca executam alguém antes das dez da manhã e nunca depois das quatro da tarde.
Quando ler esta carta, já eles me terão executado. Terei trocado o
esquecimento por um incrível pesadelo que durou 12 anos. E o senhor terá
presenciado o ato final ritualístico. Espero e confio em que o senhor
será capaz de transmitir a seus leitores que morri com dignidade, sem medo animal e sem bravatas. Devo isto a mim mesmo, mas devo mais a muitos outros. A hora da morte chegará a mim dentro de poucos minutos. Resta-me de vida, segundo suponho, menos de dezoito horas. Passarei estas horas numa das celas, a alguns passos da câmara de gás".
"... Eu
desejava continuar vivendo. Acreditei apaixonadamente que poderia
oferecer uma contribuição com meus livros, não só à literatura, como à
minha sociedade. Eu estava determinado a retribuir, assim, às
milhares de pessoas de tantas nações que me defenderam e acreditaram em
Caryl Chessman como ser humano. Eu teria tido grande satisfação e um
sentimento de nobres objetivos se tivesse sobrevivido, para justificar
seu compreensivo julgamento. Mas um severo destino, revestido de
roupagens jurídicas, decretou minha morte numa pequena sala octogonal,
pintada de verde".(...)
"Chegou a hora, em suma, de morrer. Então assim acreditam muitos funcionários da Califórnia o Estado estará vingado e vingado estará seu sistema de Justiça retributiva. O Estado terá acalmado seu espírito de vingança. Mas, vingança
contra o quê? Câmaras de gás podem matar gente e não contrafações de
sinistros e arrependidos criminosos lendários, "monstros mitológicos".
"Face a face com a morte repito enfaticamente e sem hesitação: jamais fui o famoso "bandido da luz vermelha". O
Estado da Califórnia condenou o homem errado, teimosamente recusou-se a
admitir a possibilidade de seu erro, e muito menos, a corrigi-lo. O mundo terá em tempo provas deste monstruoso e selvagem erro. Não se orgulhará desses fatos. Mas, ponhamos aqui de lado a questão de culpa ou inocência. O
que me impele a escrever esta carta é minha firme convicção de que
neste drama está envolvido algo mais que a morte de um homem.
"(...) Vou morrer com conhecimento de que deixo atrás de mim outros homens vivendo seus últimos dias no corredor da morte. Declaro
aqui que a prática de matar ritualmente e premeditadamente outros
homens envergonha e macula nossa civilização, sem nada resolver contra
aqueles que se lançam violentamente contra a sociedade e eles próprios.
"Assim,
poderemos encontrar solução racional e humana para o problema que a
sociedade deve fazer com tais seres humanos. Este problema não deve
jamais ser enterrado juntamente com o homem executado e suas vítimas.
Ele não será enterrado junto comigo. Escolhi meu próprio caminho
para chamar a atenção mundial para os corredores da morte e câmaras de
gás. Não encaro a mim mesmo como um herói ou mártir.
Pelo
contrário, sou ou louco confesso, profundamente consciente da natureza e
qualidade dos loucos erros cometidos em meus anos de rebelde juventude.
Não espero parecer grandiloqüente e didático. Mas, estas são crenças
que ardem dentro de mim mais luminosamente que a minha esperança de
sobreviver. Morrendo, devo reafirmar esta crença e exprimir
minha última esperança de que estes que saíram em minha defesa continuem
lutando contra as câmaras de gás, contra os carrascos e contra a
justiça vingativa. Certamente mereceremos algo melhor. Extingue-se meu tempo. Devo encerrar aqui minha carta. Sinceramente, Caryl Chessman".
:::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::
Obs:
(o sublinhado é nosso)
1. E se a Justiça se enganou condenando o homem errado, como reparará ela o seu acto de injustiça, o seu erro irreversível???
2. Haverá justiça acima dos homens?
3.
O que é o crime, afinal: um subconjunto da desviância; uma infracção
jurídica; ou uma noção de crime assente na razão e na justiça.
4. E o que fazer quando a razão e a justiça se enganam???
5.
Por fim, desejaria sublinhar a forma como a carta de despedida de Cary
Chessman está escrita: na forma e no conteúdo. Alguém que sabe que vai
morrer dali a umas breves horas consegue ter este auto-controle e não
perder a lucidez de pensar com tamanha dignidade e altruísmo, um exemplo
de apelo e até de humanização da justiça para o mundo inteiro. Claro
que pessoas pouco recomendáveis e dotadas como G. w. bush não conseguem
perceber isso. Deve ser do alcool. A certas pessoas parece que só está
votado o lugar de presidente da maior potência do mundo, e depois não
conseguem entender estas minudências ligadas à vida.
http://macroscopio.blogspot.com.br/2006/11/caryl-chessman-cela-da-morte-n-2455-um.html
Caryl Chessman
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Caryl Chesmann | |
---|---|
Nome | Caryl Whittier Chessman |
Pseudônimo(s) | Bandido da Luz Vermelha |
Nascimento | 27 de maio de 1921 Saint Joseph, Michigan |
Morte | 2 de junho de 1960 (39 anos) San Quentin, Califórnia |
Nacionalidade | |
Crime | 17 assaltos, sequestros e estupros. |
Pena | Capital |
Situação | Executado por asfixia de gás |
Caryl Chessman foi um bandido de enorme astúcia, no início de sua "estadia" na prisão dispensou advogados, fazendo ele mesmo suas defesas. Escreveu, de dentro da cadeia, as obras auto-biograficas "2455-Cela da Morte", "A Lei Quer Que Eu Morra" e "A Face Cruel da Justiça" e um romance: "O Garoto era Um Assassino". Seus livros correram o mundo, deixando atônitos pessoas do mundo inteiro, provocando diversos sentimentos, desde pena até raiva extrema. Morreu em uma câmara de gás em 1960, mas sua luta fez o Estado da Califórnia, assim como o resto do mundo, refletir sobre a pena de morte.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Caryl_Chessman
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