Do golpe aos anos “linha-dura” (1964-1974)
Mulheres torturadas, desaparecidas e mortas na resistência à ditadura:
LABIBE ELIAS ABDUCH (1899-1964)
A sexagenária Labibe Elias Abduch era
casada com Jorge Nicolau Abduch, com quem teve três fi lhos. Foi morta
por um disparo de bala em 1o de abril de 1964, quando caminhava pela
Cinelândia, no Rio de Janeiro, interessada em obter informações sobre o
movimento militar no Rio Grande do Sul, onde se encontrava um filho seu.
Narrando a cena e os fatos desse dia, a revista O Cruzeiro, em edição
extra de 10 de abril do mesmo ano, traz o seguinte relato: “14 horas. É o
sangue. A multidão tenta mais uma vez invadir e depredar o Clube
Militar. Um carro da PM posta-se diante do Clube. O povo presente vaia
os soldados. Mais tarde, choque do Exército [...] dispersam os
agitadores, que voltam à recarga, pouco depois. Repelidos a bala, deixam
em campo, feridos, vários manifestantes: entre eles Labib Carneiro
Habibude [sic] e Ari de Oliveira Mendes Cunha, que morreram às 22 horas
no pronto-socorro”.
CATARINA HELENA ABI-EÇAB (1947-1968)
Nascida na capital paulista, Catarina,
militante da ALN, era casada, desde maio de 1968, com João Antônio
Santos Abi-Eçab, também integrante da organização. Eles se conheceram
quando estudavam filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP. João era ativista estudantil. Morreram no dia 8 de novembro de
1968, na BR-116, altura da cidade de Vassouras (RJ). Durante três
décadas, não havia sido possível contestar a versão oficial de que os
dois teriam falecido em virtude de um acidente de carro. No veículo,
teriam sido encontradas armas e grande quantidade de munição. Os
legistas Pedro Saullo e Almir Fagundes de Souza estabeleceram como causa
mortis “fratura de crânio com afundamento (acidente)”. A Comissão
recebeu documentos dos órgãos de repressão sobre o caso, arquivados no
Superior Tribunal Militar (STM), e cópia do processo instaurado pelo
Estado do Rio de Janeiro, buscando coletar informações sobre as
circunstâncias das mortes. No boletim de ocorrência que registrou o
acidente, consta: “foi dado ciência à polícia às 20 horas de 8/11/68.
Três policiais se dirigiram ao local, constatando que na altura do km 69
da BR-116, o VW 349884-SP, dirigido por seu proprietário João Antônio
dos Santos Abi-Eçab, tendo como passageira sua esposa, Catarina Helena
Xavier Pereira (nome de solteira), havia colidido com a traseira do
caminhão de marca De Soto, placa 431152-RJ, dirigido por Geraldo Dias da
Silva, que não foi encontrado. O casal de ocupantes do VW faleceu no
local. Após os exames de praxe, os cadáveres foram encaminhados ao
necrotério local”. Em abril de 2001, entretanto, denúncias feitas pelo
repórter Caco Barcellos, veiculadas no Jornal Nacional, da TV Globo,
derrubaram tal versão e mostraram que João e Catarina foram executados
com tiros na cabeça. O jornalista entrevistou o ex-soldado do Exército
Valdemar Martins de Oliveira, que relatou algumas missões atribuídas a
ele pelo órgão militar de segurança – entre elas a infiltração em grupos
de teatro –, e a prisão, tortura e execução de um casal de estudantes
pelo chefe da operação militar. A suspeita era de participação desses
jovens na execução do capitão do Exército norte-americano Charles
Chandler
ALCERI MARIA GOMES DA SILVA (1943-1970)
Gaúcha e afrodescendente, Alceri
trabalhava no escritório da fábrica Michelletto, em Canoas, onde começou
a participar do movimento operário e fi liou-se ao Sindicato dos
Metalúrgicos. Em setembro de 1969, visitou sua família em Cachoeira do
Sul para informar que estava de mudança para São Paulo, engajada na luta
contra o regime militar como integrante da Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR). A família de Alceri viveu um verdadeiro processo
de desestruturação após sua morte, que ocorreu juntamente com a de
Antônio dos Três Reis de Oliveira, militante da ALN. O pai, desgostoso,
morreu menos de um ano depois de saber, por um delegado de Canoas, que a
filha fora morta em São Paulo. Uma de suas irmãs, Valmira, também
militante política, não suportou a culpa que passou a sentir por ter
permitido que a irmã saísse de sua casa. Suicidou-se ingerindo soda
cáustica. Depoimento dos presos políticos de São Paulo denunciou o
assassinato de Alceri e Antônio por agentes da Operação Bandeirante
(Oban), chefiados pelo capitão Maurício Lopes Lima. Ambos foram
enterrados no Cemitério da Vila Formosa e seus corpos nunca foram
resgatados, apesar das tentativas feitas em 1991 pela Comissão de
Investigação da Vala de Perus. As modifi cações na quadra do cemitério,
realizadas em 1976, não deixaram registros do local para onde foram os
corpos exumados. Alceri foi morta [...] com quatro tiros. De acordo com o
laudo necroscópico assinado pelos legistas João Pagenotto e Paulo
Augusto Queiroz Rocha, duas balas atingiram o braço e o peito, enquanto
as outras duas penetraram pelas costas, alcançando a coluna.
MARILENA VILLAS BOAS PINTO (1948-1971)
Estudante do segundo ano de Psicologia
da Universidade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro (RJ), Marilena passou a
viver na clandestinidade a partir de 1969. Juntamente com seu
companheiro Mário de Souza Prata, ela foi presa e morta nos primeiros
dias de abril de 1971, no Rio de Janeiro. Ambos eram integrantes do
MR-8, com militância anterior na ALN. A versão ofi cial divulgada pelos
órgãos de segurança registrava que, em 2 de abril, os dois teriam
entrado em enfrentamento com agentes da Brigada de Paraquedistas do
Exército, na rua Niquelândia, no 23, em Campo Grande. Mário teria
morrido na hora, enquanto Marilena, ferida, teria falecido
posteriormente. Segundo relatório de prisão feito por Inês Etienne Romeu
em 1981, Marilena foi levada para um sítio clandestino em Petrópolis
(RJ), que fi cou conhecido como “Casa da Morte”. Em abril de 1997, Inês
confi rmou tal informação: “A pedido, confirmo integralmente o meu
depoimento de próprio punho, sobre fatos ocorridos na casa em
Petrópolis-RJ, onde fiquei presa de 8/5 a 11/8 de 1971. Esse depoimento é
parte integrante do processo no MJ-7252/81 do CDDPH, do MJ. Nesse
depoimento está registrado que o ‘dr. Pepe’ contou ainda que Marilena
Villas Boas Pinto estivera naquela casa e que fora, como Carlos Alberto
Soares de Freiras, condenada à morte e executada.
HELENY FERREIRA TELLES GUARIBA (1941-1971)
Paulista de Bebedouro, Heleny foi
casada com Ulisses Telles Guariba, professor de história na USP, de quem
tinha sido colega na Faculdade de Filosofia da mesma universidade.
Tiveram dois filhos. Ela se especializou em cultura grega, trabalhou em
teatro e deu aulas na Escola de Arte Dramática de São Paulo (EAD). Em
1965, Heleny recebeu uma bolsa de estudos do Consulado da França em São
Paulo, especializando-se na Europa até 1967. Ao voltar ao Brasil foi
contratada pela Prefeitura de Santo André para dirigir o grupo de teatro
da cidade. Em março de 1970, foi presa pela primeira vez, em Poços de
Caldas (MG), por sua militância na VPR. Heleny foi torturada na Operação
Bandeirante (DOI-Codi/SP) pelos capitães Albernaz e Homero. Ficou
internada no Hospital Militar dois dias, em razão de hemorragia
provocada pelos espancamentos, até ser transferida para o Dops/SP e
depois para o Presídio Tiradentes, onde foi assistida pelo advogado José
Carlos Dias, que seria mais tarde presidente da Comissão Justiça e Paz
de São Paulo e, posteriormente, ministro da Justiça. Solta em abril de
1971, a militante preparava-se para deixar o país quando, três meses
depois, em 12 de julho, foi presa no Rio de Janeiro por agentes do
DOI-Codi/RJ, juntamente com Paulo de Tarso Celestino da Silva, da ALN.
Seus familiares e advogados fizeram buscas persistentes por todos os
órgãos de segurança. Apesar do silêncio e da negativa sistemática das
autoridades, as provas acerca da prisão e do desaparecimento dos dois
militantes foram sendo coletadas. Inês Etienne Romeu, em seu relatório
de prisão, testemunhou que, durante o período em que esteve sequestrada
no sítio clandestino em Petrópolis (RJ), conhecido como “Casa da Morte”,
ali estiveram, no mês de julho de 1971, dentre outros desaparecidos,
Walter Ribeiro Novaes, Paulo de Tarso e uma moça, que acredita ser
Heleny. Lá, ela foi torturada durante três dias, inclusive com choques
elétricos na vagina.
IARA IAVELBERG (1944-1971)
Durante muito tempo, prevaleceu a
versão de que Iara Iavelberg se matou, disparando contra o próprio
coração, para evitar as torturas a que certamente seria submetida se
fosse apanhada viva no apartamento da Pituba, em Salvador, em 20 de
agosto de 1971, onde estava encurralada pelos órgãos de segurança do
regime ditatorial, entre eles, agentes do DOI-Codi/RJ deslocados para
aquele estado na perseguição final a Carlos Lamarca, morto no mês
seguinte. No momento de sua morte, Iara Iavelberg era uma das pessoas
mais procuradas pelos órgãos de repressão política em todo o país, na
medida em que já era conhecida sua relação amorosa com Lamarca, inimigo
número 1 do regime naquela época. Nascida em uma família judia
estabelecida no bairro do Ipiranga, em São Paulo, Iara Iavelberg sempre
foi tida como pessoa muito inteligente e precoce, tendo interesse por
diversificadas áreas da vida cultural, além de ser valorizada pela sua
beleza física. Foi militante da Política Operária (Polop), da
VAR-Palmares e da VPR, tendo ingressado no MR-8 poucos meses antes de
morrer. Na VPR, participou de treinamentos de guerrilha no Vale do
Ribeira, interior de São Paulo. Na tradição judaica, os suicidas devem
ser enterrados numa quadra específica do cemitério e com os pés – não a
cabeça, como é usual – virados para a lápide. Apenas em 22 de setembro
de 2003, encerrando treze anos de ações judiciais mantidas pelos
familiares, com apoio do advogado e deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, o
corpo de Iara foi finalmente exumado e retirado da ala dos suicidas do
Cemitério Israelita de São Paulo. Importantes perguntas não encontraram
ainda uma resposta definitiva: por que não foi realizada a perícia de
local, com fotos da arma utilizada para o suicídio, nem exames
papiloscópicos para comprovar o suicídio? Por que limparam o pequeno
banheiro onde teria se suicidado tão procurada guerrilheira, antes de
tirar as fotos com que se tenta demonstrar o local de suicídio? Por que o
relatório detalhado do que aconteceu em Pituba nunca foi apresentado?
NILDA CARVALHO CUNHA (1954-1971)
Nilda Carvalho Cunha foi presa na
madrugada de 19 para 20 de agosto de 1971, Foi levada para o Quartel do
Barbalho e, depois, para a Base Aérea de Salvador. Sua prisão é
confirmada no relatório da Operação Pajuçara, desencadeada para capturar
ou eliminar o guerrilheiro Carlos Lamarca e seu grupo. Nilda foi
liberada no início de novembro do mesmo ano, profundamente debilitada em
consequência das torturas sofridas. Morreu em 14 de novembro, com
sintomas de cegueira e asfixia. Ela tinha acabado de completar 17 anos
quando foi presa. Fazia o curso secundário e trabalhava como bancária na
época em que passou a militar no MR-8 e a viver com Jaileno Sampaio.
Ela ouvia gritos dos torturados, do próprio Jaileno, seu companheiro, e
se aterrorizava com aquela ameaça de violência num lugar deserto.
Naquele mesmo dia vendaram-lhe os olhos e ela se viu numa sala diferente
quando pôde abri-los. Bem junto dela estava um cadáver de mulher: era
Iara, com uma mancha roxa no peito, e a obrigaram a tocar naquele corpo
frio. No início de novembro, decidem libertá-la. Na saída, descendo as
escadas, ela grita: – Minha mãe, me segure que estou ficando cega. Foi
levada num táxi, chorando, sentindo-se sufocada, não conseguia respirar.
Daí para a frente foi perdendo o equilíbrio: depressões constantes,
cegueiras repentinas, às vezes um riso desesperado, o olhar perdido. Não
dormia, tinha medo de morrer dormindo, chorava e desmaiava. – Eles me
acabaram, repetia sempre [...].
GASTONE LÚCIA DE CARVALHO BELTRÃO (1950-1972)
Alagoana de Coruripe, Gastone
manifestou desde jovem preocupação com as desigualdades sociais. Ainda
adolescente, visitava presos comuns, levando-lhes roupas e alimentos.
Estudou nos colégios Imaculada Conceição e Moreira e Silva, em Maceió, e
concluiu o segundo grau no Rio de Janeiro, Em 1968, de volta a Maceió,
Gastone prestou vestibular para Economia na Universidade Federal de
Alagoas, entrando em terceiro lugar. A partir de então, sua militância
política se tornou mais efetiva, inicialmente na JUC (Juventude
Estudantil Católica). Em 1969, já integrada à ALN, viajou para Cuba,
onde recebeu treinamento militar. Foi localizada e executada em São
Paulo pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, quando tinha
retornado ao Brasil havia menos de um mês. No entanto, a versão oficial,
que prevaleceu durante muitos anos, indicava a morte de Gastone em
tiroteio com a polícia. Por solicitação da CEMDP, o processo de Gastone
foi submetido a exame pelo perito criminal Celso Nenevê. O perito se
concentrou em duas lesões, uma na região cmamária e outra na região
frontal. Ampliou a foto da ferida na região mamária 20 vezes. Abramovitc
descrevera a lesão como resultante de “tangenciamento de projétil de
arma de fogo”. Nenevê concluiu que, ao invés de tiro, tratava-se de uma
lesão em fenda, produzida por faca ou objeto similar. As circunstâncias
da morte não puderam ser restabelecidas com clareza até hoje, mas a
CEMDP reconheceu, por decisão unânime, que Gastone Lúcia Carvalho
Beltrão, cujo cadáver mostrava 34 lesões, na maioria tiros, mas também
facada, marca de disparo à queima-roupa, fraturas, ferimentos e
equimoses, não morrera no violento tiroteio alegado pelo Dops e pelos
documentos ofi ciais, e sim depois de presa pelos agentes dos órgãos de
segurança.
ÍSIS DIAS DE OLIVEIRA (1941-1972)
Ísis nasceu e cresceu em São Paulo.
Iniciou os estudos no Grupo Estadual Pereira Barreto, fez o ginasial no
Colégio Estadual Presidente Roosevelt e o curso clássico no Colégio
Santa Marcelina. Estudou piano e fez curso de pintura e escultura na
Fundação Álvares Penteado. Em 1965, iniciou o curso de Ciências Sociais
na USP e passou a morar no Crusp, o conjunto residencial da
universidade. Trabalhou no Cursinho do Grêmio da Faculdade de Filosofia e
casou-se, em 1967, com José Luiz Del Royo, também integrante da ALN na
fase de sua fundação e, em 2006, eleito senador na Itália. Ísis
frequentou o curso de Ciências Sociais até o terceiro ano e, segundo
informações dos órgãos de segurança, esteve em Cuba, onde participou de
treinamento de guerrilha em 1969. Já separada de Del Royo, retornou
clandestinamente ao Brasil e se estabeleceu no Rio de Janeiro a partir
de meados de 1970. Em 30 de janeiro de 1972, Ísis, juntamente com Paulo
César Botelho Massa, que residia na mesma casa que ela e também militava
na ALN, foi presa pelo DOI-Codi/RJ. No dia 4 de fevereiro, Aurora Maria
Nascimento Furtado, colega de Ísis na USP e na ALN, que também seria
morta sob torturas dez meses depois, telefonou a Edmundo, pai de Ísis,
avisando da prisão da amiga. “Ela corre perigo, tratem de localizá-la”,
disse-lhe. E foi o que tentaram com persistência: impetraram cinco
habeas corpus por meio da advogada Eny Raimundo Moreira, todos negados.
Foram a todas as unidades do Exército, Marinha e Aeronáutica do Rio de
Janeiro e de São Paulo, e onde mais imaginassem poder ter notícias de
Ísis. Vasculharam os arquivos dos cemitérios do Rio de Janeiro, Caxias,
Nilópolis, São João de Meriti, Nova Iguaçu e São Gonçalo. Sem falar das
muitas cartas escritas com a letra miúda da mãe ao presidente da
República, às autoridades civis e religiosas. Dezenas de pastas guardam
os documentos da família na busca por Ísis. Em matéria do jornal Folha
de S.Paulo, publicada em 28 de janeiro de 1979, um general de destacada
posição dentro dos órgãos de repressão confirmou a morte de Ísis e de
Paulo César, dentre outros dez desaparecidos. No arquivo do Dops/PR, em
uma gaveta com a identificação “falecidos”, foi encontrada a ficha da
militante da ALN. A única prova concreta obtida em todos esses anos de
busca foi dada pelo ex-médico Amílcar Lobo, que servia ao DOI-Codi/RJ e
reconheceu a foto de Ísis dentre
os presos que lá atendeu, sem precisar a data, numa entrevista publicada
pela IstoÉ em 8 de abril de 1987. Dona Felícia faleceu em 24 de
fevereiro de 2010.
MIRIAM LOPES VERBENA (1946-1972)
Miriam era casada com Luís Alberto
Andrade de Sá e Benevides, dirigente nacional do PCBR. Depois das
inúmeras prisões que atingiram a organização no Rio de Janeiro a partir
de 1970, vários de seus integrantes foram deslocados para atuar no
Nordeste, entre eles, Luís Alberto. Miriam, também militante do partido,
era professora e, quando morreu, estava grávida de oito meses. As
circunstâncias das mortes dos dois ainda seguem recobertas de mistério e
dúvidas: acidente rodoviário ou assassinato? A versão oficial é de que
faleceram em decorrência de um acidente de carro, conforme informações
encontradas nos arquivos do Dops/PE. No entanto, um documento da
Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, elaborado
por Iara Xavier Pereira após minuciosa pesquisa, revela que o acidente
foi causado pela perseguição ao casal de militantes.
LÍGIA MARIA SALGADO NÓBREGA (1947-1972)
MARIA REGINA LOBO LEITE DE FIGUEIREDO (1938-1972)
Lígia e Maria Regina foram assassinadas
em 29 de março de 1972 no episódio conhecido como “Chacina de
Quintino”, juntamente com outros dois militantes da VAR-Palmares:
Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Wilton Ferreira. Até hoje, as
circunstâncias dessas mortes não foram esclarecidas. A versão dos órgãos
de segurança só foi divulgada uma semana depois, em 6 de abril. As
manchetes dos jornais informavam que nove militantes teriam se
entrincheirado na casa 72, na avenida Suburbana, no 8.695, no bairro de
Quintino, no Rio de Janeiro. Em tiroteio com a polícia, três deles
teriam morrido no local (Antônio Marcos, Lígia Maria e Maria Regina),
enquanto os demais teriam conseguido fugir. Segundo o “Livro Negro” do
Exército, essa residência seria o aparelho onde moravam James Allen da
Luz, o principal dirigente da VAR naquele momento, e Lígia Maria. O
número da casa também é informado em documentos oficiais como sendo
8.988. Lígia Maria, a terceira de seis irmãos, nasceu em Natal, no Rio
Grande do Norte, mas viveu desde criança em São Paulo. Estudou no
Colégio Estadual Fernão Dias, no bairro de Pinheiros, onde fez o curso
normal. Em 1967, ingressou no curso de Pedagogia da USP, onde se
destacou por sua capacidade intelectual, pela liderança no grêmio local e
por buscar modernizar os métodos de ensino. Trabalhava também como
professora. Em 1970, engajou-se nas atividades clandestinas da
VAR-Palmares. Os órgãos
de segurança a indicavam como participante da execução de um marinheiro
inglês, David Cuthberg, em 5 de fevereiro de 1972, numa ação que
pretendia simbolizar a solidariedade dos revolucionários brasileiros com
a luta do povo irlandês e com o Exército Republicano Irlandês (IRA).
Foi morta aos 24 anos, quando estava grávida de dois meses. Maria Regina
nasceu no Rio de Janeiro, sendo a quinta dos seis filhos de um médico
pesquisador do Fundação Oswaldo Cruz e de uma assistente social do
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps).
Fez o primário e o ginásio no Colégio Sacré-Coeur de Jésus e o
científico nos colégios Resende e Aplicação, da Faculdade Nacional de
Filosofia. Formou-se em Pedagogia em 1960 pela Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Foi integrante da
Juventude Estudantil Católica (JEC) e da Juventude Universitária
Católica (JUC) e desenvolveu longo trabalho como educadora na cidade de
Morros, interior do Maranhão, por meio do Movimento de Educação de Base
(MEB), apoiado pela Igreja Católica. Ali, permaneceu entre dois e três
anos. Foi então transferida para Recife, onde conheceu Raimundo
Gonçalves Figueiredo, com quem se casou em 1966. Na época, os dois eram
militantes da AP. Juntos, trabalharam em um projeto da Fundação Nacional
do Índio (Funai) para a educação de índios no Paraná. Após a morte de
Raimundo, em 28 de abril de 1971, Maria Regina voltou ao Rio de Janeiro.
O casal deixou duas filhas: Isabel e Iara, que tinham três e quatro
anos quando a mãe foi morta, aos 33 anos. Consta no “Livro Negro” do
Exército que Maria Regina era a responsável pelo setor de imprensa da
Var-Palmares no Rio de Janeiro, que produzia o jornal União Operária.
Maria Regina foi ferida na perna e, posteriormente, presa pelos agentes
policiais. Sua família, ao receber o corpo, constatou que a perna estava
inchada, o que indica que a militante não havia morrido naquele
momento. A família de Lígia morava em São Paulo quando recebeu a visita
de um agente policial que buscava informações sobre ela, pouco antes de
ver anunciada sua morte em um noticiário na televisão. Lígia foi
reconhecida no IML, em 7 de abril, pelo irmão Francisco, médico, que
comprovou a presença em seu corpo de escoriações e manchas escuras nas
costas e nas regiões laterais do corpo, além de marcas de tiros na
cabeça e no braço.
ANA MARIA NACINOVIC CORRÊA (1947-1972)
Enquanto os militantes da ALN Ana Maria
Nacinovic Corrêa, Iuri Xavier Pereira, Marcos Nonato da Fonseca e
Antônio Carlos Bicalho Lana almoçavam no restaurante Varella, no bairro
da Mooca, em São Paulo, em 14 de junho de 1972, o proprietário do
estabelecimento, Manoel Henrique de Oliveira, telefonou para a polícia
avisando da presença em seu restaurante de algumas pessoas cujas fotos
estavam nos cartazes de terroristas procurados. Rapidamente, os agentes
do DOI-Codi montaram emboscada em torno do local, mobilizando grande
contingente policial. Como resultado da operação, morreram Ana Maria,
Iuri e Marcos Nonato. Antônio Carlos Bicalho Lana, mesmo ferido,
conseguiu escapar e relatou o ocorrido a seus companheiros. Ana Maria
cursou o primário, ginásio e científico no Colégio São Paulo, mantido
por freiras em Ipanema, no Rio de Janeiro. Terminou o científico com 17
anos e sua inclinação para a matemática levou-a a frequentar um curso
pré-vestibular para Engenharia, plano que abandonou em função de seu
casamento. Ligou-se à ALN no Rio de Janeiro, mas foi deslocada para o
comando regional da organização em São Paulo, onde participou de
inúmeras ações armadas entre 1971 e 1972. Ana Maria havia sido a única
sobrevivente da emboscada armada pelo DOI-Codi/SP em setembro de 1971,
na rua João Moura, em São Paulo, na qual um comando da ALN caiu. Somente
a partir da abertura dos arquivos do Dops/SP começaram a surgir
elementos que colocaram em dúvida a versão de que Ana Maria, Iuri e
Marcos teriam morrido em tiroteio. Não foi possível reconstituir toda a
verdade dos fatos, mas as mortes certamente não ocorreram no local,
conforme a narrativa oficial. O depoimento de uma testemunha, documentos
oficiais localizados e perícias realizadas nos restos mortais dos
militantes derrubaram tal hipótese. A Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP) apurou que os três militantes não foram
levados diretamente para o Instituto Médico Legal (IML), e sim à 36a DP,
na rua Tutoia, sede do DOI-Codi/SP, em cujo pátio foram vistos pelo
preso político Francisco Carlos de Andrade. Francisco não conhecia
Marcos Nonato, mas reconheceu os corpos de Ana Maria e Iuri.
ESMERALDINA CARVALHO CUNHA (1922-1972)
Esmeraldina Carvalho Cunha foi
encontrada morta na sala de sua casa, em Salvador, em 20 de outubro de
1972, aos 49 anos. Seu corpo estava pendurado num fio de máquina
elétrica. Esmeraldina fora casada com Tibúrcio Alves Cunha Filho, com
quem teve cinco fi lhas. A mais nova, Nilda Carvalho Cunha, havia
morrido um ano antes, em 14 de novembro de 1971, após dois meses de
prisão e torturas em Salvador. Outra filha, Leônia, foi militante do PCB
e da Polop. Lúcia também chegou a ser presa, mas foi logo solta. A mais
velha, Lourdes, foi cruelmente assediada durante muito tempo por
agentes do Exército, o que lhe causou sérios problemas emocionais e
comportamentais. Esmeraldina, mãe exemplar, separada do marido, lutava
pela vida de suas filhas militantes. A dor pela morte de sua caçula,
Nilda, a transtornou. Mas seu suposto suicídio sempre foi questionado
pela família. Sua filha mais nova fora presa na madrugada de 20 de
agosto de 1972. Assim que soube da prisão de Nilda, Esmeraldina revirou a
Bahia. Procurou os comandantes militares, o juiz de menores, advogados,
tentou romper a incomunicabilidade imposta pelo regime. Só conseguiu
ver a filha tempos depois, na Base Aérea de Salvador, quando a encontrou
em estado lastimável, em consequência das torturas. Esmeraldina
enfrentou, por duas vezes, o major Nilton de Albuquerque Cerqueira, um
dos carcereiros da filha. Na primeira vez, o major tentou impor como
condição para a soltura de Nilda que a mãe voltasse a viver com o
ex-marido, fato que não se concretizou e quase impediu a liberdade da
filha. Na segunda vez, o major esteve no quarto de hospital em que
Nilda, já em liberdade, estava internada para tratamento. Sua presença e
as ameaças de fazê-la retornar à prisão agravaram o estado de Nilda,
que morreu dias depois, em circunstâncias nunca esclarecidas. “Ela não
se conformava com a morte da fi lha, chorava, andava pelas ruas da
cidade, delirava e gritava: – Eles mataram minha filha, uma criança!
Eles mataram minha filha. São assassinos, do Exército, do governo. O
relatório da CEMDP constata que a angústia e o desespero pela morte da
fi lha deixaram Esmeraldina inconsolável. Destaca, ainda, o relato da
filha Leônia de que a mãe, um dia antes de morrer, comprara móveis novos
para a casa e, ao encontrá-la dependurada, pudera ver que havia marcas
de sangue no chão, sua face não estava arroxeada, sua língua não estava
para fora, não houvera deslocamento da carótida e mal trazia marca do fi
o no pescoço. A CEMDP considerou que a morte de Esmeraldina Carvalho
Cunha se deu em consequência de seus atos públicos contrários aos
interesses da época, resultantes de seu inconformismo e de seu
conhecimento das atrocidades praticadas por agentes do poder público.
AURORA MARIA NASCIMENTO FURTADO (1946-1972)
Estudante de Psicologia na Universidade
de São Paulo, Aurora havia sido responsável pelo setor de imprensa da
União Estadual dos Estudantes de São Paulo, em 1968. Nesse período, era
conhecida como Lola e namorava José Roberto Arantes de Almeida,
dirigente da União Nacional dos Estudantes (UNE), que seria morto em São
Paulo, em 1971, quando militava no Movimento de Libertação Popular
(Molipo). Foi também funcionária do Banco do Brasil, na agência Brás,
capital paulista. Foi presa em 9 de novembro de 1972, em Parada de
Lucas, depois de ser detida numa blitz policial realizada pelo 2o Setor
de Vigilância Norte. Nessa época, era uma das pessoas mais procuradas da
ALN no Rio de Janeiro. Tentando romper o cerco, teria matado um
policial. Após correr alguns metros, foi aprisionada viva, dentro de um
ônibus onde havia se refugiado, e conduzida imediatamente para a
delegacia de Invernada de Olaria. Aurora foi submetida a pau de arara,
sessões de choques elétricos, espancamentos, afogamentos e queimaduras.
Aplicaram-lhe também a coroa de cristo”, fita de aço que vai sendo
apertada gradativamente e aos poucos esmaga o crânio. Morreu no dia
seguinte. Entretanto, seu corpo, crivado de balas, foi jogado na esquina
das ruas Adriano e Magalhães Couto, no bairro do Méier. A versão
oficial divulgada foi de que ela teria sido morta a tiros durante
tentativa de fuga.
LOURDES MARIA WANDERLEY PONTES (1943-1972)
Em 17 de janeiro de 1973, os órgãos de
segurança do regime militar tornaram públicas as mortes de seis
militantes do PCBR (Lourdes, Fernando Augusto da Fonseca, Getúlio de
Oliveira Cabral, José Bartolomeu Rodrigues de Souza, José Silton
Pinheiro e Valdir Sales Saboia), ocorridas, segundo a nota oficial, em
29 de dezembro do ano anterior, no Rio de Janeiro, em função de
tiroteios. Na verdade, todos foram mortos depois de presos. Lourdes
Maria era pernambucana de Olinda. Fez o primário e o ginásio no Recife,
mas não chegou a concluir os estudos em razão de sua militância política
a partir de 1968. Em 1969, casou-se com Paulo Pontes da Silva, com quem
se mudou para Natal (RN), fugindo da repressão política. Novamente
perseguido, o casal transferiu-se, em fevereiro de 1970, para Salvador
(BA). No entanto, no mesmo ano, Paulo foi preso e, posteriormente,
condenado à prisão perpétua, por coautoria no assassinato de um sargento
da Aeronáutica que o conduzia algemado. Após a prisão do marido,
Lourdes foi deslocada para a militância clandestina no Rio de Janeiro. A
versão sobre as seis mortes, divulgada pelo serviço de Relações
Públicas do I Exército sob o título “Destruído o grupo de fogo
terrorista do PCBR/GB”, informava que, em ações simultâneas em pontos
diferentes do estado da Guanabara, teriam morrido os seis militantes, um
fi cara ferido, outro escapara ao ser perseguido e dois teriam sido
presos. A verdade completa dos fatos ainda não foi recuperada, mas ficou
comprovado o teatro montado para a falsa versão oficial, constatada nos
próprios documentos oficiais localizados no Instituto Médico Legal
(IML) e no Instituto Carlos Éboli, que realizou as perícias de local.
Para cada uma das vítimas do massacre foi dada uma versão, mas os corpos
dos seis militantes deram entrada no IML às 2h30 do dia 30 de dezembro.
Supondo verdadeira a versão ofi cial, o lógico seria que dessem entrada
em horários distintos, já que teriam morrido em locais distantes e em
horários diferentes. O bairro do Grajaú é muito distante de Bento
Ribeiro, mas próximo da sede do DOI-Codi, na rua Barão de Mesquita. As
guias de encaminhamento dos corpos são sequenciais: Lourdes Maria, no 8;
Fernando Augusto, no 9; Valdir, no 10; Getúlio, no 11; José Silton, no
12; e José Bartolomeu, no 13. Todos entraram como desconhecidos, mesmo
Fernando Augusto, que oficialmente estava preso desde o dia 26. A
própria sequência já demonstra que os corpos não foram levados
diretamente do local da morte para o IML. Em Bento Ribeiro, teria havido
violento tiroteio. Segundo a versão oficial, os militantes teriam usado
até granadas de mão. No entanto, as fotos da perícia técnica desmentem
tais informações: o corpo de Lourdes Maria está encostado na parede, num
canto da sala, encolhido atrás de um vaso de planta que fora usada como
árvore de Natal, com as bolas de vidrilho intactas. Não há nenhuma
marca de tiros nas paredes. Lourdes recebeu, dentre outros, três tiros
sequenciais no tórax, característicos de execução, e um no pulso
direito, característico de ferimento decorrente de uma posição de
defesa. Em algumas fotos, Lourdes aparece usando relógio de pulso e, em
outras, no mesmo local, o relógio já não aparece. Apesar de tantos
tiros, não são vistas poças de sangue ao seu redor.
SOLEDAD BARRETT VIEDMA (1945-1973)
Nascida no Paraguai e tida como mulher
de rara beleza, Soledad era neta de um importante escritor, jornalista e
intelectual paraguaio, nascido na Espanha: Rafael Barrett. Tanto o pai
quanto o avô foram perseguidos por suas ideias políticas. Assim, quando
Soledad tinha apenas três meses de idade, a família fugiu para a
Argentina, onde viveu cinco anos; em quatro dos quais o pai esteve preso
ou foi perseguido, tanto pela polícia paraguaia quanto pela argentina.
No Uruguai, de acordo com sua irmã Namy Barrett, Soledad foi raptada em
julho de 1962, aos 17 anos, por um grupo neonazista, que a colocou em um
automóvel e, sob ameaças, quis obrigá-la a gritar palavras de ordem
contrárias às suas ideias. Por ter se negado, os raptores gravaram em
sua carne, com uma navalha, a cruz gamada, símbolo do nazismo. Começou
assim um ciclo de perseguições e prisões mostrando que, para a polícia
uruguaia, Soledad passou de vítima a culpada. Ela decidiu deixar o país e
seguiu para Cuba, onde conheceu o exilado brasileiro José Maria
Ferreira de Araújo – militante da VPR conhecido como Arariboia ou
Ariboia, desaparecido no Brasil em 1970 –, com quem se casou e teve uma
filha, Nasaindy de Araújo Barrett. No Brasil, onde passou a militar pela
mesma organização, Soledad foi morta, juntamente com mais seis
companheiros, no chamado Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7
e 9 de janeiro de 1973 em Paulista, na grande Recife.
PAULINE PHILIPE REICHSTUL (1947-1973)
Filha de judeus poloneses, Pauline
Reichstul nasceu em Praga (na então Tchecoslováquia), em 1947. Seus pais
eram sobreviventes da Segunda Guerra e casaram-se depois de encerrado o
conflito. Quando a menina tinha dezoito meses, a família mudou-se para
Paris, onde viveu até 1955, voltando então a imigrar, agora para o
Brasil. Com 8 anos de idade, Pauline foi estudar no Liceu Pasteur, em
São Paulo. Viveu também em Israel, por um ano e meio, onde trabalhou e
estudou. Depois de curtos períodos na Dinamarca e na França, fixou
residência na Suíça, em 1966, primeiramente em Lausanne e depois em
Genebra. Em 1970, Pauline completou o curso de Psicologia na
Universidade de Genebra. Nesse período, passou a ter contatos com
movimentos de estudantes brasileiros de resistência ao regime militar.
Assim, passou a trabalhar com vários órgãos de divulgação na Europa,
denunciando as violações de direitos humanos no Brasil, especialmente as
torturas e mortes de militantes. Foi esposa de Ladislau Dowbor,
dirigente da VPR banido do país em junho de 1970 em virtude do sequestro
do embaixador alemão no Brasil. Pauline e mais cinco companheiros da
VPR foram mortos no Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9
de janeiro de 1973 em Paulista (hoje, Abreu e Lima), na grande Recife. A
versão do regime militar era de que as mortes teriam ocorrido em
consequência de um tiroteio. No entanto, a investigação sobre o caso na
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) reuniu
provas de que, na realidade, os militantes da VPR foram detidos em
lugares distintos e, posteriormente, torturados.
ANATÁLIA DE SOUZA MELO ALVES (1945-1973)
Anatália de Souza Melo Alves concluiu o
científi co no colégio estadual de Mossoró (RN), cidade onde residiu
até novembro de 1968, quando se casou com Luiz Alves Neto. Até essa
época, havia trabalhado na Cooperativa de Consumo Popular e morado num
conjunto populardo Fundo de Apoio à População de Sub-Habitação Urbana
(Fundap). Militantes do PCBR, Anatália e Luiz mudaram-se para o Recife
após a decretação do AI-5, quando passaram a desenvolver trabalho
político com os trabalhadores rurais da Zona da Mata de
Pernambuco.Viveram também em Campina Grande (PB), Palmeira dos Índios
(AL) e Gravatá (PE), onde foram localizados por agentes do DOI-Codi.
Segundo informação policial, às 17h20 do dia 22 de janeiro de 1973,
enquanto tomava banho sob a vigilância do agente policial Artur Falcão
Dizeu, Anatália teria ateado fogo ao corpo e se suicidado com uma tira
de couro. Entretanto, pelo que pode ser constatado nas fotos do laudo do
Instituto de Polícia Técnica (IPT) de Pernambuco, Anatália colocou fogo
apenas em seus órgãos genitais. No livro Dos filhos deste solo,
Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio escrevem: “A versão de suicídio não
convenceu os presos políticos da época. As queimaduras, inexplicadas,
levaram-nos à suspeita de que Anatália teria sido vítima de violências
sexuais, quando se encontrava psicologicamente abalada pelas torturas e
pelo clima de terror nos cárceres de Pernambuco. Sua morte e as
queimaduras na região pubiana seriam uma forma de impedir que ela
denunciasse os responsáveis pelas sevícias”.
MARIA AUGUSTA THOMAZ (1947-1973)
Em maio de 1973, os militantes do
Molipo Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck Machado foram mortos no sul
de Goiás, na fazenda Rio Doce, entre Rio Verde e Jataí, a 240 km de
Goiânia. Maria Augusta tinha sido estudante da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras Sedes Sapientiae, em São Paulo. Em 1968, foi indiciada
em inquérito por sua participação no 30o Congresso da UNE, realizado em
Ibiúna (SP). Após a morte de seu namorado, José Wilson Lessa Sabag, em
setembro de 1969, ela teve de passar para a clandestinidade. Em seguida,
foi identificada como participante do sequestro de um avião da Varig,
em 4 de novembro do mesmo ano, desviado para Cuba durante a rota Buenos
Aires-Santiago. Em Cuba, depois de receber treinamento militar,
alinhou-se ao grupo dissidente da ALN que ficou conhecido como Grupo dos
28, depois Molipo, e foi uma das primeiras integrantes dessa
organização a retornar ao Brasil, no início de 1971. Embora um documento
dos órgãos de segurança, encaminhado em 1978 ao delegado Romeu Tuma,
diretor do Dops, registrasse claramente a informação sobre as mortes de
Márcio e Maria Augusta, as autoridades do regime ditatorial jamais
comunicaram tal fato aos familiares. No Boletim Informativo do
Ministério do Exército datado de janeiro de 1976, os nomes dos dois
foram retirados da lista de procurados por serem considerados
mortos.
RANÚSIA ALVES RODRIGUES (1945-1973)
Ranúsia e outros três militantes do
PCBR (Almir Custódio de Lima, Ramires Maranhão do Valle e Vitorino Alves
Moitinho) foram mortos pelos órgãos de segurança do regime militar em
27 de outubro de 1973, no Rio de Janeiro. A cena para a legalização das
execuções foi montada na praça Sentinela, em Jacarepaguá. Ramires, Almir
e Vitorino aparecem totalmente carbonizados dentro de um Volkswagen,
enquanto o corpo de Ranúsia jaz baleado, embora não queimado. Os
documentos oficiais dos arquivos dos Ministérios do Exército, Marinha e
Aeronáutica mostram versões desencontradas de tal acontecimento. Alguns
fatos só começaram a ser esclarecidos com a abertura dos arquivos
secretos do Dops, no Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. No livro
Dos fi lhos deste solo, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio assim
registraram o episódio: Chovia na noite de 27 de outubro de 1973, um
sábado. Alguns poucos casais escondiam-se da chuva junto do muro do
Colégio de Jacarepaguá, no Rio. Por volta das 22 horas, um homem desceu
de um Opala e avisou: “Afastem-se porque a barra vai pesar”. O repórter
de Veja (7/11/1973) localizou alguém que testemunhou o significado desse
aviso: “Não ouvimos um gemido, só os tiros, o estrondo e a correria dos
carros”. [...] Vindos de todas as ruas que levam à praça, oito ou nove
carros foram chegando, cercando um fusca vermelho de placa AA 6960 e
despejando tiros. Depois jogaram uma bomba dentro do carro. No final,
havia uma mulher morta com quatro tiros no rosto e peito e três homens
carbonizados. Essa mulher era Ranúsia Alves Rodrigues, pernambucana de
Garanhuns e estudante de Enfermagem da Universidade Federal de
Pernambuco. Já havia sido presa uma vez, em Ibiúna (SP), em 1968, quando
participava do 30o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em
consequência disso, foi expulsa da universidade pelo Decreto 477, no
ano seguinte. Vivendo na clandestinidade como militante do PCBR, Ranúsia
teve uma filha, chamada Vanúsia. Em outubro de 1972, passou a atuar no
Rio de Janeiro. Documentos dos órgãos de segurança do regime militar
sustentavam que, em 25 de fevereiro de 1973, ela teria participado da
execução do delegado Octávio Gonçalves Moreira Júnior, do DOICodi/ SP,
em Copacabana. O relatório fala, ainda, de farta documentação encontrada
com ela, e menciona a morte dos quatro militantes, dando-lhes os nomes
completos. A versão divulgada pelo Dops é que os militantes do PCBR
perceberam a presença de “elementos suspeitos” e tentaram fugir,
acionando suas armas. Como o carro teria começado a pegar fogo, não foi
possível retirar as pessoas que estavam dentro. Laudo e fotos da perícia
no local mostram Ranúsia morta perto do carro, tendo, ao fundo, um
Volkswagen incendiado, onde estavam carbonizados Ramires, Vitorino e
Almir. No entanto, a investigação sobre o caso realizada pela Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) considerou que a
versão oficial não se sustentava após o exame das provas anexadas ao
processo.
SÔNIA MARIA DE MORAES ANGEL JONES (1946-1973)
Sônia Maria era gaúcha de Santiago do
Boqueirão e filha de um oficial do Exército. Morava no Rio de Janeiro e
trabalhava como professora de português quando se casou com Stuart Edgar
Angel Jones, militante do MR-8 – mais tarde, morto sob torturas e
procurado incansavelmente pela mãe, a estilista Zuzu Angel, também morta
por ação de agentes do poder público. Em 1o de maio de 1969, Sônia foi
presa quando participava de manifestação de rua na praça Tiradentes. Foi
levada para o Dops e, posteriormente, para o presídio feminino São
Judas Tadeu, sendo libertada apenas em 6 de agosto daquele ano. Visada
pelos órgãos de segurança depois desse episódio, teve de se manter na
clandestinidade. Em maio de 1970, exilou-se na França, onde passou a
estudar na Universidade de Vincennes. Para se sustentar, lecionava
português na escola de línguas Berlitz, em Paris. Ao saber da prisão e
desaparecimento de Stuart, Sônia decidiu voltar ao Brasil e retomar a
luta de resistência. Ingressou então na ALN e morou algum tempo no
Chile, onde trabalhou como fotógrafa. Posteriormente, em maio de 1973,
retornou clandestinamente ao Brasil, estabelecendo-se em São Paulo e
depois em São Vicente, onde passou a viver com Antônio Carlos Bicalho
Lana. Presos em novembro do mesmo ano, os dois militantes foram
torturados até a morte e enterrados como indigentes no cemitério Dom
Bosco, em Perus, na capital paulista. Em 15 de novembro de 1973, Sônia e
Lana alugaram um apartamento em São Vicente, litoral de São Paulo. O
local passou a ser vigiado por agentes dos órgãos de segurança, que
informaram aos funcionários do condomínio que ali moravam “dois
terroristas muito perigosos”. A data exata da prisão nunca foi
estabelecida, mas sabe-se que era de manhã quando Antônio Carlos e Sônia
pegaram o ônibus da Empresa Zefir com destino a São Paulo. Vários
agentes já estavam dentro do coletivo. Simultaneamente, nas imediações
da agência de passagens do Canal 1, em São Vicente, encontravam-se
outros policiais à espera de que os dois descessem para comprar os
bilhetes, que não eram vendidos no próprio ônibus. Quando lá chegaram,
apenas Lana desceu do ônibus. Cinco agentes esperavam dentro da agência e
outros chegaram em vários carros. No guichê, o militante entrou em luta
corporal com os policiais, mas foi dominado a socos e pontapés, levando
uma coronhada de fuzil na boca. Sônia, ao levantar-se do banco, foi
agarrada e levou um pontapé nas costas. Saiu do ônibus algemada pelos
pés e foi colocada em um Opala, enquanto Lana foi empurrado para outro
carro. Há duas versões para a morte da militante. A primeira, do primo
de seu pai, o coronel Canrobert Lopes da Costa, ex-comandante do DOICodi
de Brasília e amigo pessoal do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,
comandante do DOI-Codi de São Paulo: “Depois de presa, do DOI-Codi/SP
foi mandada para o DOI-Codi/RJ, onde foi torturada, estuprada com um
cassetete e mandada de volta a São Paulo, já exangue, onde recebeu dois
tiros”. A segunda, do ex-sargento Marival Dias Chaves do Canto, do
DOI-Codi/SP, em entrevista concedida à revista Veja, em 18 de novembro
de 1992: Antônio Carlos e Sônia foram presos no Canal 1, em Santos, onde
não houve qualquer tiroteio, nem ao menos um tiro, “apenas” a violência
dos agentes de segurança que conseguiram imobilizar o casal aos socos,
pontapés e coronhadas. [...] Eles foram torturados e assassinados com
tiros no tórax, cabeça e ouvido. [...] Foram levados para uma casa de
tortura, na zona sul de São Paulo, onde ficaram de cinco a dez dias até a
morte, em 30 de novembro. Depois disso, seus corpos foram colocados na
porta do DOI-Codi, para servir de exemplo, antes da montagem do
teatrinho. Ao tomar conhecimento da morte da fi lha pelos jornais, os
pais de Sônia foram para São Vicente. No apartamento, encontraram cinco
agentes dos órgãos de segurança. O pai da militante foi esbofeteado e
ameaçado de ser jogado do terceiro andar do prédio. Identificou-se como
tenente-coronel e conseguiu ser libertado, com a promessa de permanecer
em São Paulo, à disposição do II Exército. João Moraes guardava o
presente como uma relíquia, achando que a crueldade dos porões do regime
militar chegara ao ponto de ser aquele o instrumento que matara a
filha. Depois de muito relutar em acreditar que Sônia não fora morta no
tiroteio informado pelos militares, João Moraes tornou-se uma liderança
entre os familiares de mortos e desaparecidos políticos. Foi presidente
do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, enquanto sua esposa, Cléa, foi
secretária da mesma entidade por muitos anos. Antes de morrer, ele
publicou o livro O calvário de Sônia: uma história de terror nos porões
da ditadura, que registra a história da vida e morte de sua filha, bem
como a dolorosa peregrinação que ele e sua esposa realizaram na busca do
corpo e do esclarecimento completo de sua morte sob torturas. Em 19 de
setembro de 1992, na gestão de Luiza Erundina como prefeita de São
Paulo, foi inaugurado o complexo viário João Dias – nas proximidades da
praça Alceu Amoroso Lima e da marginal do rio Pinheiros –, formado por
três grandes viadutos. Um deles foi batizado com o nome de Sônia Maria
de Moraes Angel Jones.
FONTE: VEJA MAIS EM :
COMUNISTAS
http://www.comunistas.spruz.com/mulheres.htm#.UzBck3PMMaw.twitter
Fonte: Direito à memória e à verdade : Luta, substantivo feminino Tatiana Merlino. - São Paulo : Editora Caros Amigos, 2010.