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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

O livro de Chico Castro Jr. : A cegueira das religiões


Livro usa humor contra a cegueira das religiões

Chico Castro Jr.
  • Reprodução
    Capa do livro O Boteco dos Deuses, de Carlos Ruas
Na cabeça de muitas pessoas - especialmente na dos neofundamentalistas de diversas correntes - religião e humor são duas coisas que não se misturam. Sorte que ainda há cabeças arejadas e inteligentes o suficiente como a do cartunista niteroiense Carlos Ruas, autor das tiras Um Sábado Qualquer..., uma divina brincadeira com deuses de várias religiões.
Surgida na internet, a série de Ruas logo migrou para um álbum autointitulado, publicado em 2011 pela Devir. Agora ele lança um segundo volume, Boteco dos Deuses, pela Verus.
A ideia é que, depois de criar todas as coisas, Deus aproveitou o sétimo dia (o "sábado qualquer") para relaxar no boteco, aonde encontra, e joga conversa fora com seus colegas, as outras divindades, algumas delas esquecidas e transformadas em mitologia (maior medo deles).
"Meus pais eram ateus, minha avó, médium. E eu estudei em escola católica", conta Ruas, em entrevista por e-mail. "Sempre gostei de estudar religião e mitologia, era um hobby que eu tinha, assim como os quadrinhos", acrescenta.
Prepotência e absurdos - Com mais de dez mil religiões diferentes no mundo, quase todas proclamando-se a "verdade absoluta", Ruas viu aí um gancho perfeito para o humor. "Não tenho nada contra quem acredita, mas acho muita prepotência a pessoa se achar a certa nesse oceano religioso e ver os outros como perdidos, precisando ser resgatados. Quem somos nós para termos todas as respostas?", pergunta.
"Meu livro mexe com isso, mesmo o Deus cristão, que atualmente é a 'verdade do momento'. Coloque ele em um bar, dividindo a mesa com outros deuses que já foram grandes verdades um dia. Dessa situação podemos tirar bons diálogos, imagina o quanto eles têm para falar", diverte-se.
Junte à prepotência humana os absurdos típicos da mitologia e as possibilidades humorísticas são infinitas. "Existem deuses com cara de elefante, deuses que nasceram de ejaculações... Cada mitologia tem sua versão para o nascimento do ser humano, uma mais engraçada que a outra", garante Ruas.
"O Deus dos maias tentou criar o ser humano do barro, mas ele derreteu na chuva. Aí tentou de madeira, mas ficou muito duro. Finalmente, conseguiu criar o homem do milho, que era o 'arroz e feijão' dos maias. Só não entendo como não viramos pipoca ao ir à praia. Então você vê que, com esses contrastes de criação, dá para se criar muito humor", observa.
Brincando, brincando, Ruas acaba por criar uma crítica poderosa contra a ilusão de salvação oferecida pelas religiões. "Não quero ofender ninguém, mas se vermos do ângulo geral, a religião prejudicou a união dos povos mais do que ajudou. (...) Nações travam guerras eternas, cada um com sua verdade absoluta. Enquanto o ser humano não aprender a conviver com a diversidade cultural, com os diferentes costumes de seu vizinho, dificilmente conseguiremos um bom convívio", vê.
Apesar de todas as críticas, Ruas ainda não teve problemas com líderes religiosos exigindo sua cabeça, como aconteceu na Europa, com cartunistas ameaçados de morte por fundamentalistas muçulmanos. "Recebo e-mails de ateus e cristãos elogiando meu trabalho. Acho que pelo traço fofinho e com um humor não ofensivo, consigo conquistar até os religiosos. Minha intenção é popularizar o debate e a filosofia, e não escolher lados, dizer quem está certo ou errado", garante.
"É claro que sempre existe uma minoria radical que gosta de chamar atenção, fingindo serem muitos, mas são pequenos e barulhentos, nada mais que isso. Nunca me senti atingido". Graças aos deuses. Ou não?

Cidadão Repórter

http://atarde.uol.com.br/cultura/materias/1451992-livro-usa-humor-contra-a-cegueira-das-religioes

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