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sábado, 19 de janeiro de 2013

Cristina Kirchner usa o Twitter contra o monopólio da mídia na Argentina

Cristina Kirchner usa o Twitter contra o monopólio da mídia na Argentina

18/1/2013 14:15
Por Redação - de Buenos Aires e São Paulo

Em recente visita à Argentina, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também criticou o monopólio da mídia, em reunião com a presidenta Cristina Kirchner
Em recente visita à Argentina, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também criticou o monopólio da mídia, em reunião com a presidenta Cristina Kirchner
“Sorry. Não estava banhada em ouro. Então eu a comi. Era uma cereja patagônica, sabem?”. Esta foi a resposta da presidenta da Argentina, Cristina Kirchner, no Twitter, ao comentário da oposição sobre o fato de a presidente ter ganho de presente o que parecia ser uma cereja de ouro, durante sua viagem aos Emirados Árabes Unidos. No microblog, a mandatária do país vizinho tem conseguido fazer frente ao maior cerco midiático já promovido a um chefe de Estado naquele país, desde a época da líder popular Evita Perón. Na última semana, Cristina tuitou 28 vezes. Alguns comentários mais ácidos miravam principalmente o grupo midiático Clarín, que representa a direita argentina e detém, praticamente, o monopólio da imprensa naquele país, os ruralistas e as grandes corporações internacionais, que atentam contra a economia nacional argentina.
Cristina também usou o Twitter para comemorar o retorno da fragata Libertad, que estava apreendida em Gana por ordem da Justiça, em favor de fundos especulativos. Ela também dedicou parte dos comentários em elogios à memória do marido, Néstor, morto em 2010, e contou cada etapa de sua viagem a Cuba, onde encontrou os irmãos Castro, e a visita a alguns países asiáticos ao longo da semana passada.
Durante sua estada nos Emirados Árabes Unidos, enquanto os jornais oposicionistas criticaram a viagem porque o governo argentino alugou um avião inglês por US$ 880 mil, a presidenta não se calou. O Clarín fez uma reportagem sobre os preços das diárias do exclusivo Emirates Palace, um dos hotéis mais caros do mundo, onde Cristina se hospedou, mas não ficou sem resposta.
“Outra vez com os hotéis onde nos alojamos quando viajamos em representação da República Argentina! Uma mentira mais do Clarín e continuam…”.
Na noite passada, o prefeito oposicionista de Buenos Aires, Maurício Macri, foi alvo de críticas da presidenta por tirar de circulação vagões antigos do metrô, chamou a atenção para as filas e as tarifas. Mas, desta vez, foi a vez do prefeito responder, também pelo microblog, que o metrô estava em mau estado porque o recebeu desta forma (do governo federal) “e esse caminho será complexo”.
Cristina tem usado as redes sociais para divulgar informações que a mídia conservadora, em guerra contra a Ley de Medios aprovada pelo governo, não publica ou faz questão de distorcer. Segundo o empresário Lucas Lanza, da consultoria ePolitics, especializado em redes sociais e campanhas políticas, a presidenta “está marcando a pauta de discussões na Argentina. Tudo através do Twitter e do Facebook“. Trata-se, afirmou, de uma “estratégia de comunicação eficaz, porque impacta nos meios de comunicação tradicionais”.
– O uso das redes sociais dá (ao usuário, no caso a presidenta) a possibilidade de mostrar uma perspectiva mais espontânea e de alguma forma mais igualitária com os cidadãos do que outros mecanismos de poder, como as cadeias nacionais – disse. Os tuítes, segundo observa o analista, podem ser “lidos, reenviados, comentados, criticados ou não” entre os usuários da rede social.
Segundo a jornalista brasileira Débora Prado, “a queda de braço entre o governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner e o Grupo Clarín, na Argentina, ligou o sinal de alerta dos grandes monopólios de mídia em toda América Latina. Numa espécie de ‘Operação Condor midiática‘, os conglomerados de comunicação coordenam os argumentos e táticas de uma campanha contra a Lei de Meios, que faria inveja ao mais astuto enviado especial de Miami para desqualificar subversivos em tempos de Guerra Fria”.
“Estas empresas têm dimensão de que não há pouca coisa em jogo: o exemplo perigoso pode provar, de uma vez por todas, que é possível aprovar e implementar uma legislação antimonopólica, democrática e participativa nos marcos do Estado de direito. Isso significa romper com uma triste tradição histórica na América Latina: a da concentração e controle das comunicações por grupos poderosos que se imaginam intocáveis. O grande argumento para defender seus privilégios é velho conhecido: acusa-se de censura qualquer tentativa de regulamentação da atividade de empresas privadas no campo das comunicações. Tão útil quanto cínico, o argumento se vale do trauma causado pelo cerceamento à liberdade de expressão característico das ditaduras militares para garantir, justamente, que as leis concentradoras e antidemocráticas implementadas pelos regimes de diferentes países nos Anos de Chumbo permaneçam como uma herança maldita cristalizada pela eternidade”, afirmou.
Ley de Medios
A Argentina precisou de cinco anos para concretizar a vigência de uma nova Lei de Mídia, redigida a fim de regulamentar as comunicações e reordenar a ocupação do espectro eletromagnético, quebrando os monopólios da mídia comercial ainda existentes no país vizinho. Neste contexto, vários anos se passaram com os mesmos grupos empresariais dominantes bombardeando o governo de Cristina Kirchner, que estaria a “atentar contra a liberdade de expressão”.
Editor da revista Caros Amigos, o jornalista Laurindo Lalo Leal Filho, que há anos estuda os diferentes níveis de regulação midiática mundo afora, assegura que a nova lei é da mais alta consistência, além de amplamente debatida na sociedade:
– São dois os grandes aspectos: o teórico-acadêmico e o da sustentação política – afirmou, em uma recente e longa entrevista ao blog Correio da Cidadania.
Na análise de Lalo Leal, sobre a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisuais, promulgada pelo governo argentino em 2009 e que passou a vigorar a partir do último dia 7 de dezembro mas segue embargada pela Suprema Corte argentina, “é preciso aguardar um pouco, mas nos próximos tempos devemos ter nova decisão”.
– De toda forma, avalio que essa lei de regulação audiovisual é a mais moderna e avançada de todo o mundo no momento. Serve como exemplo para a América Latina. São dois os objetos centrais da formulação da lei – de 2007. O primeiro é de que foi construída a partir de uma ampla análise jurídica e até acadêmica das legislações hoje existentes em países democráticos de todo o mundo, em relação à radiodifusão. Ela incorpora o que há de mais moderno e avançado em legislações da Europa, EUA e até América Latina – afirmou.
Ainda segundo o jornalista e professor, “a lei é muito consistente do ponto de vista teórico, pois, incorporando um pouco de cada uma das leis estudadas, avança para além delas, inclusive sobre os recentes avanços tecnológicos, respondendo também às exigências tecnológicas de hoje. Tenho dito que é muito importante que as escolas de comunicações estudem essa lei, discutindo-a com seus alunos, pois a partir daí vão descobrir como os países democráticos estão estruturados para dar conta das novas tecnologias da comunicação hoje em dia, no campo do audiovisual”.
– O segundo aspecto que dá consistência à lei é o fato de ter sido formulada através de um amplo debate na sociedade. É uma lei claramente construída de baixo pra cima. Quem tiver paciência de olhá-la por inteiro, poderá perceber que vários artigos e determinações são oriundos de propostas feitas por entidades do movimento social, dentre outras representações da sociedade, incluindo empresariais. Não foi formulada por um grupo fechado, de políticos ou acadêmicos, e imposta à sociedade. Começou com algumas e chegou, ao final de sua elaboração, a contar com praticamente 300 organizações sociais. É uma lei amplamente democrática, consolidada a partir da vontade popular. Portanto, são dois os grandes aspectos: o teórico-acadêmico e o da sustentação política – acrescentou.
Entre os pontos mais importantes e que justificariam a aprovação da Ley de Medios, Lalo Leal identifica o “primeiro e mais polêmico, que segue dando pano pra manga e foi o que mais dificultou a aprovação da lei”.
– É aquele que rompe um processo não só argentino, mas latino-americano, de concentração dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos. Esse é o aspecto central, pois faz com que a lei amplie a liberdade de expressão na Argentina. Ou seja, um espectro eletromagnético hoje ocupado por poucos grupos passa a ser ocupado por um número maior de atores. Setores da sociedade que estão calados por não terem espaço de colocarem suas vozes terão agora a oportunidade. Como diz o documento “Hablemos todos”, todos têm o direito de falar – afirmou.
Liberdade de expressão
Ainda na entrevista, Lalo Leal afirma que o aspecto prático mais importante da lei é a divisão do espectro de meios de comunicação “de forma mais equilibrada, seja para as emissoras públicas, estatais ou comerciais”.
– É uma lei que amplia a liberdade de expressão ao mesmo tempo em que quebra monopólios. Isso tem um desdobramento político muito importante porque representa um aprofundamento da democracia. Não é só uma questão do campo das comunicações. Quando se amplia o número de vozes, idéias e valores, amplia-se a participação democrática da sociedade. Exemplo disso é o ponto que garante o espaço também para os grupos originários, como o de Bariloche, cujo grupo de habitantes de povos originários está colocando no ar sua emissora de TV. Um grupo que sempre esteve calado. Mas, com um terço do espaço reservado às emissoras públicas, agora também poderão falar à sociedade – pontuou.
Segundo o jornalista, “o aspecto fundamental” é a devolução da voz “a setores sempre silenciados”.
– Mas existem outros, como a garantia da produção nacional, o que abre espaço a muitos grupos que querem mostrar seu trabalho. Há a classificação indicativa estabelecida em lei, porcentagens máximas de publicidade, enfim, uma série de aspectos, todos voltados não só ao aumento da participação pública, mas também à qualidade do que é oferecido ao público – disse.
A aprovação e a implantação da Ley de Medios mostraram-se uma tarefa que, até agora, representa um esforço no combate aos monopólios midiáticos, que contraria interesses políticos e econômicos com vários níveis de influência na vida nacional. Lalo Leal Filho explica que “o grupo Clarín, como o grupo Globo aqui, foi ocupando os espaços, gradativamente, pela falta de uma presença mais forte do Estado na regulação. Quando o espaço estava vazio, era como um terreno baldio, e foi se criando o latifúndio. E depois se consolidou um grupo muito forte, como se viu, com 240 concessões de TV a cabo, 4 de TVs abertas, 9 emissoras de rádio AM e FM… É um grupo que tem um poder econômico e político muito grande”.
– Se fosse qualquer outro ramo social ou comercial, poderia ter só o poder econômico. O problema nas comunicações é que, quando se detém o poder econômico, também se detém o poder político. É um poder muito grande, que sempre se confrontou com o Estado, jogando muita influência sobre os outros poderes, isto é, o legislativo e judiciário. O poder judiciário também sofre muitas pressões do grupo Clarín. A lei foi promulgada em outubro de 2009 e até agora não se conseguiu aplicá-la pelas diversas ações promovidas pelo Grupo Clarín sobre os vários poderes. Superados pelo Executivo e Legislativo, que já deram vigência à lei (o judiciário também, em suas instâncias maiores), restam as instâncias intermediárias do judiciário para pressionar e conseguir recursos no sentido de adiar a aplicação da lei. O que acontece agora é uma disputa entre um grupo poderoso e os poderes da República – concluiu.

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