PM de São Paulo homenageia golpe de 1964 em símbolo da corporação
PM de São Paulo homenageia golpe de 1964 em símbolo da corporação
O brasão de armas da Polícia Militar é
composto por um escudo com 18 estrelas prateadas que representam
'marcos históricos da corporação'
Ricardo Galhardo- iG São Paulo |
- Atualizada às
A Polícia Militar de São Paulo ostenta desde 1981, quando
o Brasil já caminhava para a redemocratização, uma homenagem ao golpe
de 1964 que derrubou o presidente João Goulart e mergulhou o País em
duas décadas de ditadura militar.
O brasão de armas da PM é composto por um escudo com 18
estrelas prateadas que representam “marcos históricos da corporação”.
Segundo o site da PM, a 18ª estrela é uma homenagem à “revolução de
março” de 1964, nome pelo qual simpatizantes da ditadura chamam até hoje
o golpe que derrubou Goulart. Agência Estado
Brasão da Polícia Militar de São Paulo presta homenagem ao golpe de 1964 e à repressão de manifestações populares
Conforme o deputado Adriano Diogo (PT-SP), presidente da Comissão da Verdade
do Estado de São Paulo, um dos objetivos da comissão é fazer a revisão
dos nomes de espaços públicos batizados em homenagem a personagens ou
acontecimentos ligados aos regimes autoritários. E o brasão da PM está
na mira.
“Casos como o do brasão da PM fazem parte do escopo da comissão”, disse o deputado.
O brasão foi criado em 1958 pelo então governador Jânio
Quadros. Na época o símbolo tinha apenas 16 estrelas. Em 1981, no
governo de Paulo Maluf, um decreto incluiu outras duas estrelas em
homenagem à 2ª Guerra Mundial e à “revolução” de 1964.
Além do golpe militar, as estrelas representam outros
casos controversos nos quais a polícia reprimiu com violência
manifestações populares. Alguns episódios foram registrados no site da
PM por meio de eufemismos.
É o caso da Revolta da Chibata, nominada no site da PM
como “revolta do marinheiro João Cândido”. Cândido, também conhecido
como o “Almirante Negro”, liderou em 1910 o motim de dois mil homens da
Marinha em protesto contra os baixos soldos, condições degradantes (eles
recebiam alimentos estragados) e os castigos remanescentes da
escravatura que deram nome à rebelião. Reprodução
Site da PM de SP lista os 18 'marcos históricos' que fazem parte do brasão de armas
Os revoltosos tomaram embarcações de guerra e voltaram
seus canhões contra o Rio de Janeiro, na época a capital federal.
Acuado, o governo aceitou as reivindicações mas três dias depois rompeu o
acordo, afastou amotinados, puniu os líderes e mandou Cândido e outros
17 homens para um calabouço na Ilha das Cabras, de onde só dois saíram
vivos.
Segundo o major Hélio Tenório dos Santos, membro emérito
da Academia Brasileira de História Militar, o papel da PM de São Paulo
no episódio foi tomar o porto de Santos para impedir o possível
desembarque dos amotinados no litoral paulista.
Outras estrelas celebram as guerras do Paraguai (1865 a
1870), e Canudos (1897), o episódio conhecido como “Os 18 do Forte de
Copacabana”, as revoluções de 1924, 1930 e 1932, a repressão à Intentona
Comunista em 1935 e o apoio ao golpe que instituiu o Estado Novo em
1937 --nominados como “movimentos extremistas”-- quando a PM atuou para
evitar enfrentamentos entre comunistas e integralistas. Greve dos operários de 1917
Um episódio especialmente polêmico que mereceu estrela no
brasão da PM é a greve dos operários de 1917, considerada a primeira
manifestação organizada da esquerda no Brasil e gênese do movimento
sindical brasileiro.
Segundo a maioria dos historiadores a ação truculenta da
polícia foi fundamental para que diversas manifestações isoladas de
operários, na maioria anarquistas espanhóis e italianos, se
transformassem na maior greve vista até então no Brasil. Reprodução
Funeral de José Martinez, estopim da greve de 1917
O estopim da greve geral foi o assassinato do sapateiro
espanhol José Martinez, de 21 anos, pelas tropas estaduais. A morte de
Martinez provocou a união dos trabalhadores descontentes e criou o clima
propício para a greve que mobilizou mais de 70 mil trabalhadores, parou
São Paulo, se espalhou para o Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e
obrigou as autoridades municipais e estaduais a deixarem a cidade até o
final do movimento por falta de garantias de segurança (da própria PM).
Fotos e relatos da época mostram a truculência da polícia
contra os trabalhadores que pediam aumentos salariais, o fim da
exploração da mão-de-obra infantil e feminina e o direito de organização
sindical.
Segundo o major Hélio, o episódio foi registrado no
brasão da PM devido a uma exceção. “É uma das passagens mais bonitas da
história da PM”, disse o major.
Segundo ele, o então capitão Miguel Costa recebera ordens
para dispersar um piquete. Ao chegar ao local ouviu um operário gritar:
“Morra”!
“O capitão apeou do cavalo, foi falar com os
manifestantes para saber o porque daquele ódio todo e foi recebido pelos
líderes grevistas, que fizeram um relato das humilhações às quais eram
submetidos nas fábricas”, disse o major.
Comovido com a situação dos trabalhadores, o capitão
teria se dirigido ao dono da fábrica e o convencido a aceitar as
reivindicações. “Foi a primeira intermediação entre grevistas e patrões
no Brasil e foi feita por um policial”, disse o major. Golpe x “revolução”
Ao justificar a homenagem ao golpe militar de 1964, ele
usou uma versão contestada pela maioria absoluta dos estudiosos da
época. “Havia escândalos de corrupção no governo Jango, o plano
econômico fracassou e dois veio a radicalização com as reformas de base.
O povo brasileiro revolveu dar um basta. A PM de São Paulo ficaria
contra? Não”, disse o major Hélio.
Na verdade, as manifestações populares contra Goulart se
resumiram a duas passeatas organizadas por mulheres católicas em São
Paulo e Recife.
“A PM de São Paulo não tem nada a ver com política. Esse
negócio de tortura não foi a polícia que fez. O DOI-Codi era responsável
por isso”, justificou.
A reportagem do iG
questionou: a polícia atuou com violência nas manifestações contra a
ditadura, deu suporte às ações de repressão e vários homens do DOPS e da
Operação Bandeirante eram egressos da PM.
O major respondeu: “não adianta julgar com os olhos de
hoje fatos ocorridos 50 anos atrás. Para a época aquilo era aceitável.
Era o homem da época. Além disso, muitos policiais militares foram
mortos pelos esquerdistas. Este é o real motivo da estrela no brasão”.
De acordo com o major Hélio, o critério usado para as
estrelas do brasão é a escolha de fatos de relevância estadual ou
nacional nos quais a PM teve participação.
O deputado Diogo, presidente da Comissão da Verdade
paulista, usou a ironia para dizer que a PM continua usando a
truculência contra movimentos populares até hoje, passados 49 anos do
golpe militar que derrubou Goulart.
“Vamos propor que o brasão da PM tenha uma 19ª estrela, em homenagem ao Pinheirinho”
, disse o deputado petista, em referência ao episódio em que dois mil
policiais expulsaram com violência as 1.600 famílias que ocupavam um
terreno em São José dos Campos, um ano atrás.
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