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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sobre Papas! A Igreja e a reinvenção do Ocidente

Tribuna da Imprensa

informação e opinião

Jornalista Helio Fernandes
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

A Igreja e a reinvenção do Ocidente

Mauro Santayana
Ao surpreender o mundo – menos alguns íntimos de sua fadiga – com a renúncia ao papado, Bento 16 revela a grande crise por que passa a Igreja Católica. Quando Gregório XII renunciou, em 1415, seu gesto unificou a instituição, então dividida sob três pontífices desde 1378. Ângelo Correr percebeu, com acuidade, que ele serviria melhor à sua própria posteridade ao servir à unidade da Igreja, e abandonar o trono papal.

Ele não era O Papa, mas a terceira parte de um poder que, dividido, enfraquecia-se cada vez mais diante do mundo e, o que é pior, diante da História. Os dois anos de vida que lhe sobraram – morreu em 1417 – lhe devem ter assegurado esse consolo. Ele tinha 90 anos ao renunciar – uma idade difícil de atingir naquela véspera do Renascimento – mas deu a seu gesto o claro caráter político, ao negociá-lo com o adversário mais forte, e influir na escolha – unânime, do sucessor, Martinho V – da poderosa família Colonna. Não alegou cansaço, mas, sim, responsabilidade política.
Mais longa do que o Grande Cisma dos séculos 14 e 15, que durou quase 40 anos, é a já duradoura crise do Ocidente, de que a Igreja foi fiadora e principal organização política, desde Constantino e Ambrósio. Depois da morte de ambos, a Igreja se proclamou herdeira do Império Romano, com base em um documento apócrifo, a Constitutum Constantini, segundo o qual Constantino legava ao papa Silvestre I – e, assim, à Igreja – todo o poder político e todos os bens do Império. O documento, forjado no século 8, foi desmascarado por Lourenço Valla, no século 15.
FALSIFICAÇÃO
Um dos mais destacados latinistas e gramáticos da História, Valla provou que o latim usado para redigir o documento não existia no século 4. A inteligência lógica de Ambrósio arquitetou a construção política da Igreja, conduzida na sábia combinação entre a concentração da autoridade espiritual no Vaticano, exercida mediante os bispos, e a distribuição do poder temporal entre os reis e os senhores feudais, sem esquecer o domínio direto sobre os estados pontifícios, que garantiam a incolumidade dos papas.
Dessa forma foi possível, em esforço de séculos, domar a anarquia, conter e assimilar os bárbaros e dar estrutura política e social à Idade Média, com a consolidação da injustiça de sempre contra os pobres e os pensadores que os defendiam, quase sempre levados às inquisições e à fogueira, como ocorreu a Giordano Bruno, no auge do Renascimento, em 1600.
Ambrósio, nobre burocrata do Império, que pagão até ser eleito bispo de Milão, não agiu como teólogo, que não era, mas, sim, como um dos mais hábeis estrategistas políticos da História. Coube-lhe salvar os pontos basilares da ideia do Ocidente.
INTERESSES POLÍTICOS
A Igreja sempre fez alianças com o poder temporal, algumas piores do que as outras, a fim de evitar a prevalência do verdadeiro Cristianismo sobre seus interesses políticos no mundo. É assim que o Vaticano de nossos dias – depois de tolerância criminosa com Hitler, sob Pio XII – mantém o acordo firmado entre Reagan e Wojtyla, há mais de trinta anos, com o objetivo, atingido, de destruir a União Soviética e combater o socialismo.
É preciso lembrar que, para o êxito da conspiração, contribuíram o traidor Gobartchev, hoje garoto propaganda dos artigos de luxo da Louis Vuitton, e as operações do Banco Ambrosiano (valha a coincidência), para financiar o Solidarinost, o sindicato de direita da Polônia, liderado por Lech Walesa.
SANIDADE
Mesmo que não a desejasse, Ratzinger seria compelido à renúncia, pelos mais eminentes membros da Cúria Romana, que se preocupam com a sanidade mental do Pontífice, cujo engajamento com os setores mais conservadores da Igreja tem comprometido o seu arbítrio. Acrescente-se o movimento, subterrâneo, mas vigoroso, da Igreja Latina – e mais perceptível no episcopado italiano – de encerrar o período de papas menos universais e empenhados em sua razão nacionalista, como o polonês e o alemão.
Isso não significa que o clero italiano recupere a Santa Sé, mas anuncia uma campanha intensa durante o conclave em favor de um candidato com as chances de Ângelo Scola, atual arcebispo de Milão, e advogado de diálogo franco e aberto com o Islã.
Em seu pronunciamento de renúncia, o Papa associou seu gesto à crise do pensamento ocidental, no tempo de alucinantes mudanças:
“… no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”.
Como anotou Gregório de Tours, no enigmático século 6, o mundo de vez em quando envelhece, encasulado na dúvida, e reclama a metamorfose. A Igreja Cristã (não só a Católica) e o Ocidente, xifópagos há 16 séculos, necessitam reinventar-se. Talvez a astúcia hoje dependa de pensadores abertos, como o arcebispo de Milão, sucessor de Ambrósio no episcopado. Talvez seja o tempo de se convocar não um Concílio da Igreja Católica, mas de organizar-se Concílio Ecumênico Universal, para salvar a ideia de um Deus comum, reunindo todas as crenças em nome da vida e da paz entre os homens de boa vontade.
(do Blog do Santayana)

8 comments to A Igreja e a reinvenção do Ocidente

  • Almério Nunes
    Quando eu penso que sou um sonhador … um louco … um utopista da melhor qualidade … vem o Mauro … e me “arrasa”.
    “Salvar a ideia de um Deus comum, reunindo todas as crenças em nome da vida e da paz entre os homens de Boa Vontade”, escreveu o caro Mauro.
    Mas … onde encontramos a “boa vontade”? Vivemos num mundo no qual prevalece apenas o dinheiro, hoje tanto quanto em todas as épocas. Há necessidade extrema de uma nova concepção de governo, pois o modelo capitalista esgotou-se e levou tudo de roldão. Povos inteiros estão totalmente humilhados e passando as maiores dificuldades para sobreviver.
    A Mensagem de Jesus Cristo foi abandonada … se é que em algum dia foi considerada para valer. No Vaticano a luta sempre foi intensa. Albino Luciani, patriarca de Veneza, foi morto por envenenamento. O papa João Paulo I, após dizer que venderia todas as propriedades da Igreja Católica e daria tudo para os pobres … também teve o mesmo fim, após um pontificado de apenas 33 dias. O mordomo do papa Bento XVI – Paolo Gabriele – foi preso sob acusação de ter roubado documentos secretos da cúpula do Vaticano, encontrados pela polícia em seu apartamento. A corrupção, a sujeirada vaticanesca é incalculável e vergonhosa. Há séculos e séculos. Creio que, se Bento XVI não tivesse pedido pra sair, correria todos os riscos.
    Quem virá para o seu lugar? Um papa que realmente abrace a Mensagem de Jesus Cristo? Ou mais um político covarde, permissivo e cúmplice das roubalheiras, como tantos outros, patrocinadores de tantos escândalos (olha o Marcinkus …olha o Banco Ambrosiano …).
    O papa João XXIII falou em Renovação da Igreja, uma nova forma de explicar a doutrina católica ao mundo moderno. O papa Paulo VI, em sua encíclica “Populorum Progressio”, escreveu: “Os povos da fome dirigem-se, de modo dramático, aos povos da opulência”.
    Está na hora do novo papa, se quiser “ajustar as velas” às tempestades sociais atuais e “reinventar não só o ocidente”, mas a própria Igreja Católica, aproveitar pelo menos um pouco as palavras do Eterno Dom Hélder Câmara (Arcebispo de Olinda e Recife);
    “Santo Padre, abandone seu título de rei e vamos reconstruir a Igreja como nosso Mestre a idealizou, sendo pobres. Deixe os palácios do Vaticano, vá morar numa casa na periferia de Roma. Pode até ter uma praça para saudar as ovelhas. Depois, Santo Padre, convide a todos os bispos a largarem tudo que indica poder, majestade; báculos, solidéus, mitras, faixas peitorais, batinas roxas. Vamos amontoar tudo na praça de São Pedro e fazer uma grande fogueira, dizendo de peito aberto para o povo; “Vejam, não somos mais príncipes medievais. Não moramos mais em palácios. Todos somos pastores, somos pobres, somos irmãos”.
    Dom Hélder Câmara!!! Sua mensagem é “A” Mensagem cristã. Mas … neste mundão … ela de nada vale.
  • Delmiro Gouveia
    Interessante…nos últimos dias descobri que os ateus são os melhores tratadistas em matéria de Vaticano, Igreja, Católica, Cristianismo, etc…Os ateus parecem mais preocupados com relação à sucessão do Papa, que os católicos….espantoso…
  • José Valente
    Meu Senhor do Bonfim, o Almério é ainda mais sonhador do que o Santayana.
  • Delmiro Gouveia
    Dom Helder?? O escritor Nelson Rodrigues dizia de Dom Helder: “D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva”
  • Luiz
    Este é Santayna, sempre a nos brindar com seu depósito de besteiras e sua falsa cultura.
  • Almério Nunes
    Quem foi Dom Hélder Câmara?
    Aqui vai apenas um pouco – muito pouco dele.
    1) Premio Honoris Causa em 32 países
    2) Premio Martin Luther King nos Estados Unidos
    3) Criador da CNBB – Confederação dos Bispos Brasileiros
    4) Criador da Feira da Providência (venda de produtos de vários países, a renda integral vai para os pobres)
    5) Criador do conjunto de prédios residenciais no Leblon/Rio de Janeiro “Cruzada de São Sebastião”
    (“os pobres têm todo o direito de morar dignamente, e não em favelas”)
    6) Quatro vezes indicado para o Premio Nobel da Paz. Os governos militares – principalmente Emílio Médici – lutaram para impedir esta conquista, e conseguiram
    O cearense Dom Hélder Câmara, nascido em 1909, faleceu em agosto de 1999. Combateu o bom combate, de peito aberto. Episódios contando sua luta pelos excluídos … ocupariam páginas e páginas.
  • Cesar Rocha
    Sempre lúcido e admiráveis os artigos do Mauro Santayana. Opina com fundamento e clarividência. Deveria ser lido e meditado pelos palpiteiros oportunistas que pululam nas diversas mídias a exalam mais pre-conceitos que análises diante de fato tão singular, na contemporaneidade:a renúncia papal à cátedra de Pedro. Fala-se muito de “crise da Igreja”, talvez seria interessante, observar que o “mundo está em crise”. Não obstante as patifarias dos prelados e purpurados, a Igreja de Cristo segue seu caminho da História. Para os que creem até à Parusia. Para os demais, principalmente os “cristofóbicos”, a “crise” da Igreja seria o ocaso da Religião monoteísta. Daí se motivo de júbilo. A religião Cristã (católica)tem mais serviços prestados à causa da humanização da espécie humana que o que tenta desdizer seus detratores. Por isso esse artigo do Mauro Santayana é brilhante. Coloca os “pingos nos is”. Salve Santayana.

    http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=60071&cpage=1

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