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domingo, 17 de março de 2013

Papa jesuíta-franciscano: O pontífice que une duas ordens rivais

Papa Francisco


Papa jesuíta-franciscano: O pontífice que une duas ordens rivais


http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/el-pais/2013/03/16/matrimonio-jesuita-franciscano-um-papa-que-une-duas-ordens-rivais.htm

Juan Arias

  • Osservatore Romano/Reuters
    Papa Francisco se encontra com os 114 cardeais na tradicional Sala Clementina do Vaticano Papa Francisco se encontra com os 114 cardeais na tradicional Sala Clementina do Vaticano
Se o novo papa, o jesuíta Bergoglio, escolheu o nome de Francisco pensando em são Francisco de Assis, como logo interpretou a comunidade cristã mundial, e não em são Francisco Xavier, teríamos pela primeira vez um curioso e emblemático enxerto de um jesuíta franciscano.

GESTOS DE HUMILDADE

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  •  Brasileiro pega mesmo ônibus que papa e recebe bênção do pontífice
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  •  Papa paga hotel do próprio bolso e troca limusine por ônibus
Se há duas ordens religiosas mais diferentes são elas a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola para preparar intelectualmente as elites da sociedade e sondar o mundo da cultura, da ciência e da arte, e a Ordem Franciscana, fundada pelo Pobrezinho de Assis, que se caracteriza por sua aproximação das pessoas mais simples, dos mais pobres.
Na Idade Média, quando ainda não existiam os bombeiros, os franciscanos se ofereciam para apagar os incêndios, o que os tornou muito populares.
O fato de um papa jesuíta ter escolhido, pela primeira vez em 2.000 anos, o nome de Francisco não deixa de ter um valor simbólico e gestual.
Na verdade, os cardeais da periferia da igreja, que são os que o elegeram, o fizeram mais por suas características franciscanas que jesuíticas, por seu estilo de vida simples como cardeal, sua proximidade dos mais pobres e sua forte espiritualidade para se contrapor às sujas manobras vaticanas.
Perguntaram-me em várias entrevistas de rádio e TV o que pode significar para a igreja um papa jesuíta. Para responder, é preciso lembrar que esse jesuíta se chama papa Francisco.
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Papa Francisco114 fotos

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Papa Francisco, 76, acena para multidão na sacada da Basílica de São Pedro, no Vaticano. O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi escolhido o novo papa após cinco escrutínios Leia mais Michael Kappeler/EFE
E é preciso remontar, para entendê-lo melhor, a quando o Concílio Vaticano 2º, que representou a grande conversão da Companhia de Jesus, que de uma ordem dedicada ao estudo, ao ensino e às elites passou a empenhar-se também nas vanguardas da Igreja, promovendo a Teologia da Libertação na América Latina e chegando a flertar com certas guerrilhas de libertação.
Foi então que em El Salvador começaram a pagar com a vida. Ali foram crivados de balas seis professores jesuítas e duas mulheres que cuidavam da casa. De noite, enquanto dormiam, por traição. Seu pecado foi defender a causa dos pobres e propiciar um diálogo entre as duas partes em conflito na guerrilha.
E quem escrevia os discursos incendiados contra os poderosos para monsenhor Romero, também assassinado pelos militares, desta vez enquanto celebrava a eucaristia, era um teólogo jesuíta.
Essa transformação da Companhia de Jesus --que das universidades desceu às favelas e à violência das comunidades mais pobres da América Latina-- valeu ao carismático e místico superior geral, o padre Pedro Arrupe --o médico basco que em Hiroshima, no dia da tragédia atómica, operou com tesouras de costura no meio dos escombros--, uma ruptura com o então papa João Paulo 2º.
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As polêmicas do novo papa12 fotos

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ABORTO: A posição do cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio, agora papa Francisco, sobre o tema é bastante enfática. Para ele, o aborto é uma tentativa de "limitar e eliminar o valor supremo da vida e ignorar os direitos das crianças que nascerão" Leia mais Cathal McNaughton/Reuters
Tive oportunidade de escutar do padre Arrupe uma série de confidências nas semanas em que passei muitas horas com ele para filmar uma reportagem de uma hora para a RAI (TV da Itália), intitulada "O Papa Negro".
Arrupe, que era de uma espiritualidade tão forte e autêntica que impressionou a equipe de TV agnóstica que me acompanhava, contou-me, por exemplo, sobre a mudança que o concílio causou: "Quando hoje vemos a Opus Dei atuar é como se olhássemos no espelho para dizer: 'Assim fomos e assim não podemos continuar'".
E mudaram. Antes do concílio eram 36 mil na companhia. No concílio perderam cerca de 10 mil, ao mesmo tempo que começaram a atuar em novos campos de ação.
O papa João Paulo 2º me contou que já tinha escolhido a Opus Dei como seu escudo em vez dos jesuítas, que são os únicos religiosos da igreja que, além dos três votos, fazem um quarto voto de "obediência ao papa".
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Charges satirizam escolha do novo papa18 fotos

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O blog esportivo "Canchallena", do jornal argentino "La Nación" deu destaque para as postagens de charges dos usuários do Twitter, que comemoraram a eleição do papa Francisco. A charge acima é do cartunista argentino Lucho Luna Leia mais Reprodução/Lucho Luna
Quando o papa polonês recebeu no Vaticano o padre Arrupe e sua equipe, disse-lhes: "Vocês foram motivo de preocupação para meus antecessores e continuam sendo para o papa que lhes fala".
Arrupe me contou que em seguida pensou em se demitir. Teve um encontro a sós com o papa. "João Paulo 2º me pediu para me ajoelhar", relatou. E acrescentou: "E me lembrou que os jesuítas devem obediência especial ao pontífice".
No final, João Paulo 2º pediu a Arrupe que não se demitisse. Temia que um novo general pudesse ser mais duro e com o qual pudesse ter mais choques, dada a tensão que existia naquele momento entre a Companhia de Jesus e o Vaticano.
Algo que chocou e impressionou meus colegas técnicos da RAI foi quando Arrupe me falou do que significava para ele a morte. O operador de TV teve que parar a gravação por alguns minutos e via-se que estava emocionado. Soube depois que mais adiante aquele operador de câmera se apresentou um dia na Casa Generalícia dos jesuítas para pedir que Arrupe rezasse por uma filha dele muito doente.
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Saiba quais foram os últimos 50 papas50 fotos

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Papa Urbano 8º, comandou a Igreja Católica entre 1623 e 1644 Divulgação
O padre Arrupe, já doente e entristecido, embora nunca deprimido, foi substituído pelo holandês Peter Hans Kolvenbach, que curiosamente tinha hábitos em Roma --onde dava aulas-- muito parecidos com os do cardeal Jorge Bergoglio em Buenos Aires. Lembro de tê-lo visto de ônibus, de bicicleta ou a pé. Rezava na posição de lótus dos iogues, fazia meditação hindu e era vegetariano.
Portanto, talvez, pelo menos depois do concílio, o matrimônio jesuíta-franciscano não seja tão estranho quanto parece. Francisco de Assis, segundo alguns historiadores, pertencia a um grupo sufi islâmico e realizava ritos do tipo sufi com seus primeiros companheiros de aventura. Talvez o papa Francisco seja capaz de encarnar as características das duas maiores forças --junto aos dominicanos-- que a Igreja Católica possui.
Tudo isso, como me dizia Arrupe, "graças ao milagre do concílio" promulgado por um papa idoso com o qual, segundo os romanos, se parece de alguma forma o papa jesuíta franciscano.

Veja vídeos sobre escolha do novo papa - 42 vídeos


Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Assuntos: Papa Francisco

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