Tribunal internacional pode anular o julgamento do Mensalão
O STFl deveria ter desmembrado o processo do Mensalão ao menos para os réus que não detinham, à época do julgamento, foro por prerrogativa de função.
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O
histórico julgamento do Mensalão pode, sim, ser anulado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos (tribunal da Organização dos Estados
Americanos – OEA). A questão, muito simplesmente, é a seguinte: o
Supremo Tribunal Federal deveria ter desmembrado o processo do Mensalão
ao menos para os réus que não detinham, à época do julgamento, foro por
prerrogativa de função; e assim não procedeu. Com isto, violou uma regra
de direito internacional – a do “duplo grau de jurisdição” – prevista
na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, tratado internacional de direitos humanos que o Brasil ratificou (obrigou-se) em 1992.
Esse processo internacional, que poderá
levar à anulação do julgamento do Mensalão, inicia-se com uma “queixa”
(de qualquer cidadão) perante a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (que tem sede em Washington, nos EUA); depois de certo trâmite
interno (inclusive com a oitiva do Estado etc.), pode esta Comissão
entender que o país violou a regra internacional do “duplo grau” e
ingressar, em desfavor do país, com uma ação na Corte Interamericana de
Direitos Humanos (sediada em San José, Costa Rica) para que seja o
julgamento do Mensalão anulado.
Há, inclusive, um precedente já julgado
pela Corte Interamericana sobre o assunto, e que se encaixa como uma
luva ao caso do Mensalão. Trata-se do caso Caso Barreto Leiva Vs. Venezuela,
julgado pela Corte Interamericana em 17 de novembro de 2009, ocasião em
que o tribunal da OEA entendeu que a Venezuela violou o direito ao
duplo grau de jurisdição ao não oportunizar ao Sr. Barreto Leiva o
direito de apelar para um tribunal superior, eis que a condenação que
este último sofreou proveio de um tribunal que conheceu do caso em
instância única (no caso do Mensalão, este tribunal é STF). Em outras
palavras, o tribunal entendeu que o réu não dispôs, em consequência da
conexão, da possibilidade de impugnar a sentença condenatória, o que
viola frontalmente a garantia do duplo grau prevista (sem qualquer
ressalva) na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8, 2, h).
Como se percebe, o precedente do Caso Barreto Leiva coincide
perfeitamente com a situação dos réus condenados no processo do
“Mensalão”, uma vez que todos (tendo ou não foro por prerrogativa de
função) foram impedidos de recorrer da sentença condenatória para outro tribunal interno, em desrespeito à regra internacional do duplo grau que o Brasil aceitou e se comprometeu a cumprir.
Na Convenção Europeia de Direitos
Humanos há ressalva expressa a permitir o julgamento de quaisquer
pessoas pelo mais alto tribunal do país, sem que tal configure violação
ao duplo grau de jurisdição (art. 2º, 2). Porém, no que tange ao nosso
país, é certo que nos encontramos sujeitos à jurisdição da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, desde que o Brasil aceitou a
competência contenciosa do tribunal (por meio do Decreto Legislativo nº
89/1998); e não há qualquer ressalva – diferentemente do que faz a
Convenção Europeia – no que tange ao direito ao duplo grau de jurisdição
na sistemática da Convenção Americana.
Enfim, considerando a similitude absoluta entre o Caso Barreto Leiva,
julgado pela Corte Interamericana, e o que foi decidido no processo do
Mensalão, não há dúvidas de que este último poderá ser objeto de
impugnação perante o tribunal da OEA. Se isso ocorrer, servirá de alerta
para o STF, em todas as ações que vier a julgar, para que observe, além
da Constituição, também os tratados internacionais (especialmente os de
direitos humanos) ratificados e em vigor no Brasil.
VALERIO DE OLIVEIRA MAZZUOLI, 35, é doutor summa cum laude em direito internacional pela UFRGS e professor da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMThttp://atualidadesdodireito.com.br/valeriomazzuoli/2013/05/05/tribunal-internacional-pode-anular-o-julgamento-do-mensalao/
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